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A abertura cubana chega ao capital estrangeiro

Operários trabalham na construção da ferrovia que unirá o complexo de infraestruturas e indústrias que formará a Zona Especial de Desenvolvimento de Mariel. Foto: Jorge Luis Baños/IPS
Operários trabalham na construção da ferrovia que unirá o complexo de infraestruturas e indústrias que formará a Zona Especial de Desenvolvimento de Mariel. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

 

Havana, Cuba, 2/4/2014 – Com uma lei que abre Cuba para os investimentos estrangeiros e a esperada reacomodação de suas relações com a União Europeia (UE), o governo de Raúl Castro busca uma alavanca externa para superar a crise que vive o país desde a década de 1990, enquanto facilita o retorno, ao menos financeiro, de cidadãos que vivem no exterior.

A nova Lei de Investimento Estrangeiro, nascida com o rótulo de “transcendental”, foi aprovada no dia 29 de março por unanimidade pelo parlamento unicameral cubano e convoca os investidores estrangeiros a operarem em todos os setores da planejada economia cubana, menos em quatro considerados estratégicos: saúde, educação, meios de comunicação e militar.

O objetivo, segundo destacou o ministro de Comércio Exterior e Investimento Estrangeiro, Rodrigo Malmierca, é atrair cerca de US$ 2,5 bilhões anuais. Já o vice-presidente do Conselho de Ministros, Marino Murillo, afirmou que dessa forma se conseguirá um desenvolvimento exitoso da economia, com ritmo de crescimento anual perto dos 7%.

Uma professora de 46 anos disse à IPS que agora espera que a economia melhore, mas também lembrou que seu pai, já falecido e trabalhador de um engenho de açúcar, contava que, antes da chegada da revolução, em 1959, estrangeiros “endinheirados” vinham a Cuba, instalavam suas empresas e levavam todo o lucro para seus países. “Entendo que agora essa lei é para benefício do país”, afirmou, pedindo para não ser identificada.

Como esta professora, outras pessoas ouvidas pela IPS acreditam que a abertura trará melhores condições para os US$ 11,2 milhões de cubanos. “O investimento estrangeiro é um passo necessário para saldar a crise e também para o desenvolvimento de qualquer nação”, afirmou o ecologista Isbel Díaz.

A lei entrará em vigor dentro de 90 dias, quando publicada na Gazeta Oficial, e substitui o Decreto 77 de 1995. Entre esse ano e 2002 foram instalados no país cerca de 403 negócios conjuntos, que caíram pela metade em 2010. O volume total de capital comprometido passou de US$ 5,2 bilhões para US$ 4,2 bilhões em todo o período.

O ex-ministro da Economia, José Luis Rodríguez, afirmou em um artigo que essa abrupta queda se deveu ao vencimento dos contratos não cumpridos do acordado e desfavorável resultado econômico de uma parte dos projetos. Outras fontes apontam como razões os entraves burocráticos, não pagamentos e casos de corrupção.

A Espanha agora lidera os 15 países com negócios em território cubano, seguida, pela ordem, por Itália, Canadá, Venezuela, França, Grã-Bretanha, Holanda, China, México, Angola, Alemanha, Panamá, Brasil, Chile e Rússia. A participação do Brasil crescerá no curto prazo, fundamentalmente na Zona Especial de Desenvolvimento de Mariel, que é construído com apoio financeiro de Brasília.

Esse megaprojeto, que é erguido 45 quilômetros a oeste de Havana, é chamado a ser o pivô do desenvolvimento cubano pela localização geográfica de seu porto, remodelado para receber navios de grande porte. A obra inclui áreas para impulsionar investimentos em biotecnologia e indústria farmacêutica, energia renovável, indústria agroalimentar, turística e imobiliária.

A aproximação da União Europeia de Cuba, para negociar um acordo de cooperação que normalize as relações entre a ilha e os 27 membros do bloco, colocará a UE em uma boa posição para negociar com Havana ao avançar a abertura, segundo analistas ouvidos pela IPS. As negociações entre Bruxelas e Havana estão previstas para começarem este mês e a possibilidade de um acordo seria estimulada com a nova lei.

Representantes europeus indicam que o objetivo das negociações é alcançar um acordo que apoie “a mudança e a modernização” de Cuba, além de promover os direitos humanos. “A Europa já tem interesses estratégicos econômicos na ilha, cultivados por décadas, e associados à presença de suas empresas e redes de influência dentro de Cuba”, disse à IPS, via correio eletrônico, o especialista político cubano residente nos Estados Unidos, Arturo López-Levy.

No entanto, este professor da Universidade de Denver alertou que a Europa tem um tempo limitado para se posicionar em relação a Cuba “antes da arrancada empresarial norte-americana”. Em sua opinião, a reforma do modelo econômico cubano, iniciada em 2008, começou a abrir “o apetite” de empresários norte-americanos e dos cubanos residentes nos Estados Unidos, embora o embargo comercial e econômico que Washington mantém desde a década de 1960 impeça seus negócios com Cuba.

O embargo restringe às próprias empresas norte-americanas o poder de competirem pelo mercado cubano e dá à União Europeia uma “posição privilegiada”, pontuou López-Levy, para quem, com a abertura, “ganha probabilidade um cenário em que Washington substitua a atual política de autoisolamento por outra mais alinhada com seus valores democráticos, interesses econômicos e estratégicos”.

Em 2013, o produto interno bruto cubano cresceu apenas 2,7%, abaixo da meta de 3,6%, enquanto 2012 fechou com moderados 3,1%. Para 2014, está previsto crescimento de 2,2%, que não satisfaz, mas responde às “atuais possibilidades”, declarou o presidente Castro.

O investimento estrangeiro estará voltado à diversificação e ampliação dos mercados de exportação, ao acesso a tecnologias de ponta e substituição de importações, especialmente priorizando a de alimentos. Para incentivar a entrada de capital externo, a nova lei oferece ao investidor importantes facilidades e exonerações tributárias.

Também é garantida a não expropriação, “exceto por razões de interesse social ou utilidade pública previamente declarados pelo Conselho de Ministros e com a devida indenização”, assegurou o presidente da Comissão Permanente de Assuntos Constitucionais e Jurídicos do parlamento, José Luis Toledo Santander.

A nova lei permitirá o estabelecimento de empresas de capital totalmente estrangeiro para a execução de investimentos cuja complexidade e importância assim exijam, especialmente para o desenvolvimento da infraestrutura industrial. O Decreto 77 também permitia, embora na prática mantivesse 51% de sua composição em mãos cubanas.

Entre os pontos de conflito ressalta o do emprego, pois a empresa estrangeira deve contratar a força de trabalho local por intermédio de uma agência empregadora do Estado, que recebe o salário em divisas conversíveis e paga o pessoal com o deteriorado peso nacional. “É preocupante. Os investimentos encontrarão em Cuba uma mão de obra barata”, pontuou o ecologista Díaz.

Da definição de investidor estrangeiro, como “pessoa natural ou jurídica, com domicílio e capital no exterior, que participa como acionista em uma empresa mista ou de uma empresa de capital totalmente estrangeiro”, se infere que os cubanos residentes no exterior poderão investir em Cuba.

“Muitos cubanos que vivem nos Estados Unidos e têm dinheiro suficiente estão interessados em investir em sua pátria. Contudo, independente das limitações do embargo, temem que ocorram mudanças que os afetem”, destacou à IPS o enfermeiro cubano José Enrique Romero, que vive nesse país há 35 anos. A comunidade cubana nos Estados Unidos, que inclui tanto os que nasceram na ilha como seus descendentes, passa de 1,8 milhão de pessoas. Envolverde/IPS

* Como a colaboração de Ivet González.