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ONU constrói nova agenda de desenvolvimento

Saraswathi Menon. Foto: Cortesia ONU Mulheres

Nações Unidas, 25/2/2013 – Conforme se aproxima o prazo para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), em 2015, as diferentes agências da Organização das Nações Unidas (ONU) discutem uma nova agenda para os anos seguintes. Para elaborar a Agenda de Desenvolvimento Pós-2015, a ONU Mulheres e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) receberam a missão de liderar consultas sobre o tema da desigualdade, referente tanto a assuntos de gênero quanto socioeconômicos.

As discussões acontecem por meio de propostas escritas, debates pela internet e mediante um grupo assessor especialmente criado. A IPS conversou com a diretora da Divisão de Políticas da ONU Mulheres, Saraswathi Menon, sobre a Agenda de Desenvolvimento e sobre quais possibilidades pode oferecer para reduzir as desigualdades no mundo.

IPS: Qual a diferença entre a Agenda de Desenvolvimento Pós-2015 e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio?

Saraswathi Menon: Objetivos de Desenvolvimento do Milênio tiveram êxito na forma como capturaram a imaginação das pessoas em todo o mundo. Vimos organizações de mulheres, a sociedade civil, a mídia e acadêmicos usando os ODM para avaliar o desempenho de seus líderes e da comunidade internacional, e em muitos casos forçando-os a prestar contas. Os governos também rapidamente integraram os ODM às suas políticas e prioridades. Qualquer nova agenda deve, portanto, responder ao que governos e povos viram como fortalezas e fraquezas no contexto anterior. Em cada país as crescentes desigualdades e os impactos das diferentes crises – alimentar, de combustíveis, econômica e de emprego – são grandes preocupações, bem como a violência contra as mulheres que ocorre em todos os países, em todos os setores sociais, nas famílias e em espaços públicos. As vidas frágeis de pessoas em situações de conflito ou em países vulneráveis aos desastres naturais ou à mudança climática também são motivo de preocupação. Estes são alguns dos temas que não foram encarados pelos ODM e devem ser tratados em algum novo contexto. Como já vimos qual foi o desempenho dos Objetivos, com um progresso desigual em muitos casos, o pior de todos em matéria de mortalidade materna, se deve prestar muita atenção não apenas na forma como são elaboradas as metas mas também como podem ser traduzidas em ações públicas para fazer uma diferença na vida das pessoas. O novo contexto será diferente, responderá às aspirações das pessoas e levará em conta as lições aprendidas pelos governos e por seus sócios. Além disso, terá de enfrentar os desafios que se agravaram ou surgiram desde a adoção da Declaração do Milênio.

IPS: A ONU Mulheres recebeu o encargo, junto com o Unicef, de liderar as consultas sobre desigualdade. Como se pretende alcançar mulheres e jovens?

SM: A consulta terminou recentemente, e teve amplo alcance, inclusivo e aberto. Grande parte do debate aconteceu mediante discussões pela internet sobre dez temas, desde deficiências até povos indígenas. Cada discussão foi moderada de forma conjunta por uma agência das Nações Unidas e uma organização da sociedade civil. Também fizemos um chamado para a apresentação de propostas escritas e recebemos cerca de 200. Por meio das mídias sociais e escolhendo temas com ressonância entre o público, geramos um enorme interesse. A maioria dos que participaram das discussões era membro da sociedade civil e de países em desenvolvimento. A maioria dos comentários se relacionava com desigualdade de gênero e empoderamento das mulheres. Assim, temos confiança de que recebemos um amplo espectro de opiniões, e jovens e mulheres participaram ativamente, já que suas preocupações estavam especificamente incluídas.

IPS: Alguns países da Assembleia Geral da ONU se negam a discutir os direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Transgêneros (LGBT). Estes direitos serão incluídos na agenda Pós-2015?

SM: Sem nossa consulta sobre desigualdades, uma das discussões pela internet foi especificamente sobre a população LGBT. Ali surgiram recomendações fundamentais para erradicar todo tipo de leis e políticas discriminatórias, adotar uma completa legislação e conseguir compromissos contra a discriminação na agenda Pós-2015. Também foi recomendada a criação de um mecanismo de direitos humanos na ONU, para supervisionar e relatar a violência e a discriminação contra a população LGBT. Assim, as aspirações estão claras. Naturalmente, o contexto final Pós-2015 será determinado por negociações entre os governos. Mas expressar aspirações é algo importante, e esperamos que isso influencie o resultado.

IPS: Os jovens LGBT correm especiais riscos de ficar sem lar, cair nas drogas, contrair aids e sofrer outros problemas. Como estes temas serão abordados?

SM: As discussões em torno do contexto Pós-2015 se focam em pobreza, urbanização, saúde e HIV/aids em todas suas dimensões. A vulnerabilidade de grupos específicos e a discriminação comum que sofrem se aplica muito à população LGBT. Nas consultas descobrimos que quando diferentes formas de desigualdade se cruzam, elas se reforçam entre si e criam formas únicas de exclusão. Também recomendamos que as diferentes desigualdades não sejam abordadas de forma parcial, mas global.

IPS: Como este tipo de consultas internacionais ajuda a mudar a realidade no terreno?

SM: Fixar padrões e metas não serve apenas como inspiração, mas também constitui um chamado à prestação de contas. As metas são, em geral, uma aspiração, e por trás delas há um reconhecimento de que, se houver mudança de mentalidade, se as políticas melhoram, e se potenciar a população, pode haver uma transformação. É por isso que consideramos tão importante que a próxima rodada de metas e objetivos não se concentre apenas em porcentagens, como os ODM, mas que também atendam as desigualdades, para que o êxito seja medido na melhoria de vida de todos e não de uns poucos. As consultas nos mostraram que a desigualdade afeta não só os mais pobres e mais carentes, mas também as comunidades, as sociedades e a economia como um todo. Portanto, as consultas internacionais são importantes para expressar o que o mundo prioriza, o que as pessoas podem usar para fazer com que seus líderes prestem contas e levar todos, mulheres, homens e crianças, a um mundo melhor. Envolverde/IPS