Analisando Varsóvia, parte dois: reconhecendo a realidade da paisagem

Fotos: Gates Foundation/CEPAGRO
Fotos: Gates Foundation/CEPAGRO

A maioria dos projetos viáveis de REDD que estão andamento atualmente funciona em parte tirando a pressão sobre as florestas, e faz isso fornecendo meios de vida alternativos para pessoa que podem, do contrário, ser forçadas a derrubar árvores. Esse é um componente essencial da “abordagem de paisagens” para a agricultura, que dominou eventos paralelos nas negociações em Varsóvia, mas isso funcionará na UNFCCC?

Para quem estava participando das negociações climáticas em Varsóvia neste final de ano, era impossível escapar disso. Afinal de contas, o ex-ministro indonésio, Heru Prasetyo, falou sobre isso incessantemente, como o fez a vice-presidente do Banco Mundial, Rachel Kyte.

Peter Holmgren, que lidera o Centro para Pesquisa Florestal Internacional (CIFOR), criou um Fórum de Paisagens Globais de dois dias, e os Estados Unidos, Reino Unido e Noruega lançaram a Iniciativa para Paisagens Florestais Sustentáveis (ISFL) para tornar isso uma realidade. Mesmo negociadores oficiais que se encontraram sob os auspícios da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) realizaram uma oficina sobre isso.

“Isso” é a “abordagem de paisagens” para reduzir as emissões de gases do efeito estufa de campos, fazendas e florestas. Mas o que exatamente isso significa?

Muitos palestrantes descreveram como uma abordagem “holística” que visa ir além de reduzir as emissões do desmatamento e degradação florestal (REDD) e mesmo superar o REDD+ (que incorpora mais atividades), mudando o foco para além de apenas capturar carbono em árvores e indo em direção a uma reengenharia completa da economia rural, que incorpora pessoas, lugares e culturas.

É o tipo de aspiração monumental que a ONU é ótima em articular, mas péssima em alcançar – até que se pare para considerar que essa “mudança”, na verdade, reflete o que já está acontecendo nos mercados voluntários de carbono, e está sendo liderada por silvicultores, agricultores e desenvolvedores de projetos.

De fato, as iniciativas voluntárias de REDD, como o Projeto de Carbono do Suruí, no Brasil, e o Projeto de REDD do Corredor Kasigau, no Quênia, funcionam através de programas de agricultura sustentável que envolvem cultivos orgânicos e a colheita de produtos florestais não madeireiros, como a castanha-do-pará. O mais recente Relatório do Estado dos Mercados de Carbono Florestal mostrou que esses dois projetos são típicos de programas que estão sendo implementados pelo mundo.

agriculturacepagroA desconexão entre mercado voluntário/compulsório

A excitação em Varsóvia sobre as paisagens tomou duas formas: alguns ficaram aliviados de finalmente ver isso em foco, enquanto outros ficaram agradavelmente surpresos e mesmo chocados de ver que essas abordagens existiam mesmo.

Essas duas reações enfatizam uma desconexão que sempre existiu entre a UNFCCC e os mercados voluntários de carbono. Desde as negociações climáticas de Bali, em 2007, e provavelmente muito antes disso, os desenvolvedores de projeto alertavam que os negociadores encarregados de criar um regime de REDD estavam ignorando a forma que o mecanismo estava tomando na prática.

“Essas pessoas pensam que o REDD é colocar uma cerca em volta da floresta”, disse o ex-executivo da Cargill, David Pearse*, balançando a cabeça. “Mas o REDD só funcionará se for visto como uma ‘opção embutida’ em um portfólio maior que envolva o uso sustentável da terra.”

Eric Bettelheim*, que agora dirige a desenvolvedora de projetos de carbono florestal Floresta Group, apresentou uma avaliação similar.

“A maioria do desmatamento é causada por agricultores em pequena escala que estão agindo por necessidade”, declarou ele. “Se não se envolver essas pessoas no projeto, não se terá qualquer resultado.”
Cinco anos depois, os registros do carbono voluntário demonstram isso muito bem: com poucas exceções, os projetos de REDD voluntários funcionam ajudando os povos locais a desenvolverem modos de vida sustentáveis. As poucas exceções estão geralmente relacionadas a esforços de conservação em florestas boreais do norte, e não a florestas tropicais povoadas.

Lições da colheita

Na teoria, as experiências dos mercados voluntários serão usadas para informar os mercados compulsórios, e é por isso que os organizadores do Fórum de Paisagens uniram o Dia da Floresta e da Agricultura e o Dia das Paisagens e Modos de Vida em um fórum de dois dias que gerou uma lista de nove páginas de recomendações para as negociações formais nos próximos anos. Essas recomendações são muitas, mas a essência é que a UNFCCC precisa colocar mais ênfase nos vetores do desmatamento.

Além disso, há pouco acordo sobre como a UNFCCC pode incorporar as lições que surgiram na abordagem de paisagens – ou mesmo se a incorporação formal é necessária. Afinal, os mercados voluntários abraçaram o enfoque porque ele se mostrou a forma mais eficiente de reduzir o desmatamento, e não porque eles tinham uma ordem para fazê-lo.

O resultado é que, embora todos nas negociações de Varsóvia pareçam receber bem o foco em paisagens, eles continuam divididos em dois campos: um que quer trazer o modelo de pagamento por desempenho para todos os aspectos da gestão de paisagens, e um que parece satisfeito em deixar o paradigma de paisagens servir como uma visão orientadora para o financiamento de REDD.

florestanew_1Mais fácil de entender?

Prasetyo ficou em algum lugar entre esses dois campos. Ele vê a abordagem de paisagens para o financiamento de carbono como parte de uma transição global para um regime de agricultura mais sustentável, mas em curto prazo ele vê isso mais como uma ferramenta para comunicar a dinâmica do REDD para uma audiência mais ampla.

“Para muitas pessoas, o REDD é apenas uma ferramenta financeira abstrata”, explica ele. “Mas as paisagens – que incluem os campos e fazendas, fazendeiros e agricultores – essas são coisas que as pessoas podem ver. Se dissermos a eles que estamos preservando a paisagem, e que o REDD é apenas uma ferramenta para nos ajudar a pagar por isso, eles entenderão.”

Em longo prazo, afirma ele, o REDD simplesmente não mobilizará financiamento suficiente para reformar uma economia agrícola do tamanho da Indonésia. No máximo, pode dar um pontapé inicial e abrir umas poucas mentes para a possibilidade de que as florestas possam ser utilizadas sem serem derrubadas e destruídas.

Catapulta ou atoleiro?

Pesquisando sobre a abordagem de paisagens para financiamento ambiental, não haverá problemas em ver por que as pessoas querem unificá-la. Além do REDD, há dezenas de práticas criadas para incentivar um bom manejo de terra – de pagamentos baseados em carbono para plantio direto a pagamentos para reduzir o escoamento de operações bancárias que apoiem a proteção e restauração de habitats. Cada um deles tem promessas, mas às vezes essa promessa é mais catalítica do que conclusiva.

Há dois anos, por exemplo, escrevemos sobre David Ongoro, que estava participando de um projeto piloto criado em torno do carbono do solo; no começo deste ano, nos reunimos com Chege Mwangi, que estava participando de um projeto piloto criado em torno de pagamentos para serviços em bacias hidrográficas. Ambos são agricultores quenianos, e ambos receberam pagamentos por serviços ecossistêmicos através da implementação de práticas agrícolas sustentáveis.

O mais importante é que ambos declararam que os pagamentos por si só foram pouco em comparação aos benefícios que eles receberam na forma de rendimentos mais elevados – um ponto que Kyte colocou em Varsóvia enquanto falava aos delegados sobre John Obuom, outro agricultor queniano que impulsionou seus rendimentos por participar de um projeto piloto criado para medir o impacto das emissões em várias práticas agrícolas.

Experiências como essas ilustram tanto o fascínio como o desafio de mudar para uma abordagem de paisagens. De uma perspectiva científica e econômica, os campos, fazendas e florestas estão todos conectados, mas de uma perspectiva regulatória eles são quase sempre considerados diferentemente, e são muitas vezes fragmentados e contraditórios.

O estado do Acre criou um quadro regulatório desenvolvido para serviços ecossistêmicos que poderia teoricamente servir como modelo para uma abordagem de paisagens, mas até agora é uma iniciativa única e ainda não há provas de que funcione.

Paradigma ou proposta?

Por essas e outras razões, proponentes do REDD de longa data continuam divididos sobre a sabedoria de trazer a abordagem de paisagens para a UNFCCC. Alguns, como Prasetyo, afirmam que não dói dar aos negociadores um paradigma de governo mais preciso. Outros, como Bettelheim, concordam – mas apenas em parte. Ele está preocupado que a UNFCCC fique tão obcecada em tentar mensurar as novas atividades que nunca vá em frente.

As experiências quenianas deixam claro que, quando se trata de agricultura, os pagamentos ambientais sozinhos não são sempre altos o suficiente para incentivar mudanças. Esses pagamentos, contudo, podem ser agregados para financiar campanhas de educação em grande escala, com pagamentos baseados em parte das reduções de emissões estimadas de fazendas ou mesmo do desmatamento evitado.

Essa é a direção em que os Estados Unidos, o Reino Unido e a Noruega estão indo com sua Iniciativa ISFL. Os pagamentos serão baseados em emissões reduzidas de desmatamento, mas as atividades financiadas vão desde a formação em agricultura sustentável a um fundo de garantia para empresas verdes. A maior parte do incentivo econômico virá na forma de apoio de gigantes agrícolas como a Unilever, que os doadores esperam que concordará em pagar mais por produtos obtidos de forma sustentável.

Essa abordagem, entretanto, só pode ir longe porque nem todos os países com florestas são adequados para a agricultura sustentável. Para alguns, a única solução pode ser simplesmente pagar pela conservação florestal. Para estes, não está claro qual o valor que uma abordagem de paisagens oferecerá em última análise.

* Nota: O autor não mostrou as citações de Bettelheim ou de Pearse nas reportagens que escreveu na época, mas suas declarações ajudaram na sua compreensão sobre o REDD./ Traduzido por Jéssica Lipinski, Instituto CarbonoBrasil.

** Publicado originalmente no Ecosystem Marketplace e retirado do site CarbonoBrasil.