Em 1992 o mundo tinha 5,5 bilhões de pessoas e vivia a exaltação da desregulamentação dos mercados e a redução do papel do Estado. Vinte anos depois, o planeta tem sete bilhões de habitantes e vive a ressaca do neoliberalismo e dos limites impostos pela natureza.

O Brasil, que recebeu no Rio de Janeiro os chefes de Estado que vieram para a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), em 1992, era tão diferente do Brasil de hoje que um desavisado visitante que retornasse poderia se imaginar em outro país. Fernando Collor foi o anfitrião, já sendo despejado do Planalto, e o cenário econômico não poderia ser pior, com inflação galgando a casa dos milhares por cento ao ano. Mesmo assim, olhado em perspectiva, a contribuição da Rio 92, também conhecida como Cúpula da Terra, foi decisiva para mudar o olhar do mundo sobre o desenvolvimento sustentável. O economista Ignacy Sachs, veterano das conferências da ONU, conta que aquela foi uma reunião na contramão da história. “Desenvolvimento sustentável precisa de planejamento, o que não é possível fazer sem a presença de um Estado atuante”, explica Sachs, que conta que naquele momento havia a pregação global por um “estado mínimo”.

A Rio 92 foi a primeira grande conferência mundial após a queda do Muro de Berlim e da União Soviética, no final dos anos 1980. A polarização da Guerra Fria deu espaço a um novo embate que atravessou as décadas seguintes: pobres versus ricos. Essa foi uma conferência que buscou “culpados” pelos dilemas ambientais. Os pobres acusavam os ricos de terem degradado suas florestas e recursos para “crescer” e, agora, queriam impor a preservação das florestas ao Sul como forma de dominação sobre esses recursos naturais ainda intactos. Do lado dos ricos a acusação era de incapacidade de gestão dos países pobres sobre sua natureza ainda intocada.

Mesmo sem grandes acordos, a Rio 92 deixou heranças importantes, entre elas o senso comum de que o planeta ficou pequeno, deixou de ser um aglomerado de nações para se tornar uma sociedade global, com dilemas e desafios que transcendem as fronteiras humanas. Desta constatação surgiram as COPs (Conferências das Partes) sobre Clima, sobre Desertificação e sobre Biodiversidade, que desde 1994 vêm realizando reuniões regulares sobre as mudanças climáticas e para a preservação das espécies. Da COP-3 sobre Clima, realizada na cidade de Kyoto, no Japão, em 1997, surgiu um dos mais importantes e polêmicos acordos diplomáticos dessa nova era, o Protocolo de Kyoto, que definiu metas para a redução da emissão de gases causadores das mudanças climáticas, especialmente o CO2. Nem todo mundo assinou, demorou sete anos para entrar em vigor, e nunca conseguiu atingir suas metas de redução de emissões. Esse protocolo vigora até 2015 e deve ser substituído por um acordo climático que ainda não existe.

Após a Rio 92 não foi mais possível negar que havia problemas. Desde os anos 1980, o sistema ONU dava mostras de preocupação. Em 1987, a Comissão Brundtland, liderada pela médica e ex-primeira-ministra da Noruega, Gro Brundtland, divulgou o relatório Nosso Futuro Comum, encomendado pela ONU, com alertas sobre o excesso de consumo de recursos naturais e os limites do planeta. É dela a definição de sustentabilidade que aponta o “desenvolvimento sustentável como aquele que satisfaz as necessidades da geração presente, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”. Nesta linha, um dos principais problemas é o desperdício de recursos naturais, principalmente nas cadeias de produção de alimentos, onde a própria FAO (organização da ONU sobre agricultura) aponta que quase 50% do que se planta não chega às mesas, com perdas em quase todos os elos da cadeia de produção, venda e consumo. “Podemos alimentar mais do que os atuais sete bilhões de habitantes do mundo”, diz Ignacy Sachs, mas alerta que é preciso mais planejamento na produção de alimentos.

O principal documento da Rio 92 é a Agenda 21, que exigiu um grande esforço na busca de consenso, e, mesmo não tendo força legal, apontou rumos para o planejamento do desenvolvimento sustentável em todos os níveis de gestão. Ela orienta os países e governos a atuarem no combate à pobreza, proteção à atmosfera, planejamento do uso do solo, combate ao desmatamento e à desertificação, cuidado com os recursos hídricos e proteção à biodiversidade, tratamento e destinação responsável de resíduos urbanos e industriais, e educação ambiental. Desde então, os países e governos locais estão trabalhando para criar suas Agendas 21 e estabelecer esses focos em suas políticas públicas.

Outro resultado é a Declaração do Rio, um documento de princípios semelhante à Declaração Universal dos Direitos Humanos, que também não tem força de lei, mas influencia a construção de políticas públicas ao redor do mundo. Sua redação é uma versão simplificada do que seria uma “declaração universal de proteção ambiental e desenvolvimento sustentável”. A Declaração do Rio instituiu princípios para nortear a relação entre desenvolvimento e meio ambiente, estabeleceu que os custos ambientais devem ser parte dos custos de produção e que o “princípio da precaução” deve ser levado em conta sempre que os impactos ambientais ou sociais de uma ação humana não forem completamente claros.

O debate sobre florestas na Cúpula da Terra também rendeu discussões acirradas. Países detentores de grandes reservas florestais, como Brasil, Indonésia, Malásia e alguns países da África, temiam o congelamento desses recursos naturais sob a tutela internacional e os países ricos temiam perder o acesso a esses recursos, especialmente à biodiversidade genética. No final, chegou-se a uma declaração genérica de princípios, sem poder legal, preservando a soberania dos países detentores e estabelecendo princípios gerais para a exploração sustentável das florestas. Prevê o investimento em tecnologia para a conservação das florestas e a participação dos povos das florestas nas decisões sobre o uso e conservação das matas. Não há, entretanto, nenhum compromisso firmado ou metas a serem cumpridas.

Em 1995, a ONU instituiu um Painel Intergovernamental sobre Florestas e, em 1997, o Fórum Intergovernamental sobre Florestas, que apontou na última década dois mecanismos para a sustentabilidade florestal: o Fundo Global para Florestas e os incentivos para Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD), proposto pelo Brasil, na Conferência do Clima, a COP-12, realizada em Nairobi, em 2006.

Entre as convenções aprovadas na Rio 92, a de Combate à Desertificação foi a que evoluiu mais tranquilamente. Começou a trabalhar em janeiro de 1993 e apresentaou suas conclusões em 17 de junho de 1994, data que se transformou no Dia Mundial de Luta contra a Desertificação. Está em vigor desde 26 de dezembro de 1996 e foi assinada por mais de 190 países. Estabelece as diretrizes para o combate à desertificação em todo o mundo. O Congresso Nacional brasileiro aprovou a Convenção no dia 12 de junho de 1997.

A questão da biodiversidade começou a der debatida no âmbito da ONU em 1988, quando o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) convocou uma comissão de peritos para estudar a criação de uma convenção internacional sobre o tema. A proposta da comissão, que em 1991 se transformou no Comitê Intergovernamental sobre Biodiversidade, já previa que as nações desenvolvidas deveriam compartilhar os custos e benefícios do uso da biodiversidade com os países em desenvolvimento. Essa Convenção recebeu a adesão de apenas 106 países durante a Rio 92 e entrou em vigor em 29 de dezembro de 1993.

A Convenção sobre Mudanças Climáticas, aprovada na Cúpula da Terra, sintetizou a polarização da Conferência. De um lado a grande maioria dos países e de outro os Estados Unidos. A própria Comunidade Europeia se colocou mais próxima da posição defendida pelos países em desenvolvimento. O único instrumento legal que a COP do Clima produziu foi o Protocolo de Kyoto, que ainda não foi ratificado pelos Estados Unidos e não conseguiu renovar suas metas até hoje.

Ao final da Cúpula da Terra a mídia se apressou em anunciar o fracasso da Conferência. Vinte anos mais tarde, alguns dados apontam que o desenvolvimento sustentável avançou pelo menos uma parte do caminho: no consenso global sobre os conceitos e princípios fundamentais da sustentabilidade, nos mecanismos e ferramentas para a sua implantação e no arcabouço legal para uma governança ambiental do planeta. A nova Conferência, que acontece este mês, vai debater como aplicar esses conhecimentos em uma governança global pela sustentabilidade e na implementação de uma economia verde, focada na inclusão e na distribuição mais equitativa dos recursos do planeta.

Celso Dobes Bacarji é jornalista e atua na área ambiental.

** Conteúdo produzido pela Envolverde e publicado originalmente no suplemento Carta Verde, na revista Carta Capital.