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Biofortificação para combater a “fome oculta”

A mandioca é um cultivo básico na África. A nova variedade promovida pelo CGIAR é nutritiva, por conter maior quantidade de vitamina A, zinco ou ferro. Foto: Busani Bafana/IPS

Nações Unidas, 24/6/2013 – A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), que trabalha para acabar com a desnutrição de mais de dois bilhões de pessoas no mundo, se mostra bastante favorável a enriquecer o conteúdo de micronutrientes das plantas. Em termos técnicos esse processo se chama biofortificação. É uma intervenção específica em matéria de nutrientes projetada para potencializar o conteúdo de micronutrientes dos alimentos por meio de práticas agronômicas e do cultivo de plantas.

O cultivo acontece na HarvestPlus, um programa internacional apoiado pelo Grupo Consultor Internacional para a Pesquisa Agrícola (CGIAR), e em centros nacionais de pesquisa agrícola, principalmente em países do Sul em desenvolvimento. O primeiro cultivo nutritivo, que foi desenvolvido por cientistas africanos e divulgado em associação com o Centro Internacional da Batata (CIB), a batata alaranjada, demonstrou ser efetiva em fornecer até 100% das necessidades diárias de vitamina A para crianças menores, de acordo com o CGIAR.

Atualmente, estão sendo desenvolvidos seis cultivos adicionais mediante a utilização de métodos convencionais: mandioca e milho, ricos em vitamina A; feijões e milho pérola, ricos em ferro; e trigo e arroz, que são ricos em zinco. Os três primeiros têm por objetivo a África e os demais a Ásia meridional. Em 2012 foram lançadas novas variedades dos quatro primeiros cultivos, e se espera que o trigo e o arroz sejam os próximos, ainda este ano.

Embora demore produzir a quantidade de sementes necessárias para atender a demanda, até meio milhão de agricultores estarão cultivando estes produtos nutritivos até o final do ano, segundo o CGIAR. Perguntado até que ponto pode chegar o cultivo de plantas na resolução dos problemas da fome e da nutrição no mundo, Erick Boy, diretor de nutrição da HarvestPlus, respondeu à IPS que “nos centramos na fome oculta, causada pela não obtenção de suficientes minerais e vitaminas na dieta. Este é o principal problema da fome que o mundo enfrenta atualmente”.

“As seis novas variedades de cultivos básicos que desenvolvemos são mais nutritivas: contêm maiores quantidades de vitamina A, zinco ou ferro”, afirmou Boy. A falta destes nutrientes é o que causa problemas de saúde generalizados, especialmente em mulheres e crianças. Boy acrescentou que tais cultivos serão distribuídos para mais de três milhões de famílias de agricultores em sete países da África e da Ásia até 2015. “Nada mal para um programa que começou do zero para desenvolver estes cultivos, em 2003”, ressaltou.

Consumidos regularmente, estes cultivos biofortificados podem fornecer, em média, 50% da quantidade necessária de vitamina A, zinco ou ferro. Segundo o CGIAR, mais de dois bilhões de pessoas no mundo não recebem porções diárias suficientes desses nutrientes cruciais em suas dietas. Isto pode causar menor coeficiente intelectual, atrofia e cegueira em crianças; maior suscetibilidade a doenças em crianças e adultos; maiores riscos para a saúde das mães, e de seus bebês, durante o parto.

Segundo o Banco Mundial, as crianças desnutridas têm maiores probabilidades de deixar a escola e de ter menor renda na vida adulta, reduzindo o crescimento econômico geral. Em sua publicação O Estado Mundial da Agricultura e da Alimentação 2013, divulgada em Roma, na Itália, a FAO explica que, ao contrário da fortificação, que ocorre durante o processamento dos alimentos, biofortificação implica enriquecer o conteúdo de micronutrientes das plantas.

Persistem as perguntas sobre se consumidor está pronto para comprar alimentos biofortificados, especialmente quando estes são diferentes das variedades tradicionais. Segundo a FAO, as primeiras evidências sugerem que os consumidores estão dispostos a adquiri-los, e inclusive pagariam um pouco mais por eles. Em Uganda, a FAO descobriu que os consumidores estavam dispostos a pagar pelas variedades alaranjadas da batata, da mesma forma que pagavam pelas brancas, inclusive sem uma campanha promocional.

Resultados semelhantes foram registrados em Zâmbia, no caso do milho alaranjado, potencializado nutricionalmente, para que os consumidores não o confundissem com o milho amarelo (comum) ou o branco. Quando sua introdução foi acompanhada de informação nutricional, também foi aceito um preço um pouco maior. “Nos focamos na África subsaariana e Ásia meridional porque, se alguém olhar qualquer mapa da fome oculta, estas são as regiões marcadas em vermelho”, destacou Boy.

A América Latina fez um trabalho melhor ao aprimorar a nutrição nas últimas décadas. Contudo, ainda há bolsões onde a fome oculta é um problema, pontuou Boy. “Por isso, também trabalhamos na América Latina. Na verdade, agora estou na Guatemala”, contou. Nesse país ele trabalha com diferentes envolvidos com relação aos feijões com alto conteúdo de ferro e milho rico em zinco. “Antecipamos que poderemos ter variedades de dois ou três cultivos que são ricos em ferro e zinco para os agricultores da América Latina e do Caribe até 2015”, ressaltou.

No começo deste mês, o governo da Grã-Bretanha concedeu o equivalente a US$ 46,4 milhões à HarvestPlus para que desenvolva e distribua seis cultivos nutritivos a vários milhões de famílias de agricultores na África e Ásia. Esse dinheiro foi anunciado em uma reunião internacional de alto nível, em Londres, com vários sócios para assumir firmes compromissos políticos e financeiros a fim de melhorar a nutrição no mundo. Em suas declarações na abertura do encontro, o primeiro-ministro britânico, David Cameron, disse que tudo passa por fazer as coisas de outra maneira. “Para a ciência, trata-se de aproveitar o poder da inovação para desenvolver melhores sementes e cultivos mais produtivos e nutritivos”, apontou. Envolverde/IPS