Brasileiros querem coleta seletiva

Agentes públicos em geral e os prefeitos eleitos em particular precisam enfrentar com determinação uma agenda que tem sido frequentemente negligenciada em nosso país: o manejo de resíduos sólidos urbanos. Pesquisa que encomendamos ao Ibope mostra que o cuidado com o lixo já começa a fazer parte das preocupações da população, mas precisa entrar definitivamente para a agenda das prefeituras e das outras esferas de governo. O estudo revela, por exemplo, que a população quer participar da coleta seletiva, mas não é atendida pelo serviço na maioria dos municípios e no Distrito Federal.

O Brasil tem hoje uma legislação avançada, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que tramitou por duas décadas no Congresso Nacional. A lei prevê a obrigatoriedade da coleta seletiva, o fim dos lixões e o recolhimento de embalagens pelos próprios fabricantes ou importadores.

Paralelamente, o país convive com o atraso na aplicação da lei, o que coloca em risco o seu cumprimento. Em agosto passado, dois anos depois de sancionada a PNRS, os municípios deveriam ter apresentado seus planos de gestão de resíduos sólidos. Mas apenas 10% conseguiram cumprir o prazo.

O fim dos lixões – e a implementação da coleta seletiva – também já tem data para se tornar realidade: agosto de 2014. Mas nada indica que estamos no caminho.

Os prefeitos reclamam que não têm orçamento para investir em coleta seletiva, aterros sanitários e outras obrigações previstas na lei. Na verdade, há recursos disponíveis em diversas fontes, mas o acesso a eles costuma esbarrar na falta de planejamento e de projetos.

No WWF-Brasil, temos acompanhado muito de perto a aplicação da PNRS. Em conjunto com o Banco do Brasil, a Fundação Banco do Brasil e a Agência Nacional de Águas, desenvolvemos projetos demonstrativos em cinco municípios: Belo Horizonte (MG), Caxias do Sul (RS), Natal (RN), Rio Branco (AC) e Pirenópolis, aqui do lado. Nestes locais, trabalhamos para apoiar prefeituras, catadores e comunidades no processo de adaptação à legislação, com o objetivo de desenvolver experiências que possam ser replicados em todos os municípios brasileiros.

Pirenópolis, que tem pouco mais de 20 mil habitantes, pode ser exemplo para cerca de 90% dos municípios brasileiros, que são cidades pequenas, com menos de 50 mil pessoas.

Nesta experiência, encontramos bons exemplos e grandes desafios. Entre estes, o maior talvez seja a efetiva implantação da coleta seletiva. A falta deste serviço, além de ser um problema ambiental, representa um enorme desperdício de recursos. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente (MMA), o valor dos resíduos recicláveis que vão para os lixões por falta de coleta seletiva chega a R$ 8 bilhões ao ano. E ainda deveríamos somar a isso os custos para coletar, transportar e dispor esse material.

Nosso país tem uma particularidade interessante: o serviço de coleta seletiva e de triagem é feito, em grande parte, pelos catadores. Isso quer dizer que, no Brasil, a reciclagem é, ainda, responsável por gerar renda e trabalho para centenas de milhares de brasileiros. Este é mais um motivo para os administradores públicos olharem com mais carinho para esta agenda. E também para tomarmos com mais cuidado os serviços oferecidos pela indústria da incineração de resíduos. A ideia de queimar recursos é absurda, ainda que o argumento seja a geração de energia. Temos alternativas limpas e renováveis. E, por mais que os propagandistas do modelo falem em filtros poderosíssimos, a atividade não deixa de ser poluidora.

Estamos perigosamente a caminho do famoso “fato consumado” – quando se torna quase impossível reverter o erro. Experiências desse tipo não são raras em nossa história recente. Foi assim com a aprovação dos transgênicos – depois que as lavouras foram inundadas com sementes contrabandeadas de um país vizinho – e tem sido assim com o Código Florestal, podado radicalmente para ficar à altura de seu descumprimento.

Disseminar a cultura do cuidado com o resíduo é dever do poder público, em todos os níveis – mas também das pessoas e das empresas. Estas iniciativas são importantes para a economia do país e para a saúde da população, além de serem fundamentais para a conservação de recursos naturais como a água. A correta destinação dos resíduos e a aplicação da PNRS colaboram para a construção de um país em que as cidades e a natureza convivam em harmonia.
* Maria Cecília Wey de Brito é secretária geral do WWF-Brasil.

** Publicado originalmente no site WWF-Brasil.