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Chuvas torrenciais deixam o Caribe sem mel

Allan Williams, de São Vicente e Granadinas, se dedica à apicultura há sete anos. Foto: Desmond Brown/IPS
Allan Williams, de São Vicente e Granadinas, se dedica à apicultura há sete anos. Foto: Desmond Brown/IPS

 

Kingston, São Vicente e Granadinas, 5/11/2014 – Allan Williams, de 32 anos, é funcionário de extensão agrícola em São Vicente e Granadinas. Também é um apicultor capacitado, que há sete anos se dedica a essa atividade por prazer, e também é testemunha do impacto da mudança climática no setor. Ele viu o crescimento da apicultura desde 2006, e graças a ele os atores do setor têm cada vez mais consciência da importância que tem a atividade para a agricultura, sendo, portanto, um fator importante no desenvolvimento e no crescimento econômico.

Mas agora Williams está preocupado porque a produção de mel caiu de forma significativa nos últimos anos, um fenômeno atribuído em grande parte à mudança climática. As condições climáticas desfavoráveis, segundo ele, como as contínuas e fortes chuvas, diminuem o acesso das abelhas ao néctar e ao pólen, o que debilita as colônias, que não têm alimento suficiente.

“A ameaça ficou evidente na última década, e ocorreu de forma extraordinária em 2009, 2010 e 2013. Como se sabe, o clima é muito imprevisível e afetou definitivamente a produção de mel nos últimos dois anos, mas 2013 foi o pior em termos de colheita”, contou Williams à IPS. “A mudança climática é evidente, como se pode ver na imprevisibilidade das chuvas e nas repentinas inundações em épocas do ano totalmente incomuns”, destacou.

Em dezembro de 2013, São Vicente e Granadinas foi um dos três países do Caribe oriental, junto com Dominica e Santa Lúcia, que sofreram a depressão de baixo nível que despejou centenas de milímetros de água, deixou 13 mortos e destruiu terras cultiváveis e infraestrutura.

“Pelo que sei, a maioria dos agricultores não perdeu suas colmeias, mas sofreu o impacto das chuvas torrenciais”, afirmou o apicultor. Quando chove de com tanta frequência, “as abelhas não podem sair e conseguir alimento. Isso reduz nossa produção. A mim, realmente afetou. Durante dois anos tivemos chuvas muito incomuns”, acrescentou Williams.

“Em abril, na metade da estação seca, choveu constantemente durante três ou quatro dias, o que prejudicou a produção. Temos poços secos na estação de chuvas e há uma mudança na estação de fluxo de mel, quando os apicultores o recolhem”, pontuou Williams. A colheita de mel costumava ser feita de fevereiro a maio, e inclusive até abril, mas agora “não podemos coletar nada. Essa variabilidade se dá pela mudança climática”, ressaltou.

Com uma dúzia de colmeias, Williams disse que coleta em média 30 galões (113 litros) de mel por ano, que aumentam para 40 (pouco mais de 151 litros) em um “bom ano”. O mel local é vendido a cerca de US$ 100 o galão, pouco menos do que o importado. A apicultura local, principalmente dedicada à produção e venda de mel, gera aproximadamente US$ 76,6 mil.

O setor se recupera de seu pior momento, em 2006, quando a população de abelhas quase foi liquidada pelo feroz ácaro Varroa mite. Nos três últimos anos, o setor produziu mais de mil galões (3.078 litros) de mel com as 477 colônias existentes no país. Atualmente, São Vicente e Granadinas têm 54 apicultores registrados na base de dados, entre os quais há nove mulheres.

Rupert Lay, especialista em recursos hídricos da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), disse que a mudança climática começou a apresentar dificuldades aos apicultores, e não só neste país, mas em todo o Caribe. “Um indicador interessante é a baixa, quase nula, produção de mel na região”, apontou. O especialista participa do projeto de Redução de Riscos Naturais e Humanos Causados pela Mudança Climática, que é implantado pela Organização de Estados do Caribe Oriental (Oeco) com fundos da Usaid.

“Isso pode ser relacionado com o imprevisível do clima, que afeta as colmeias e, por fim, a produção de mel”, opinou à IPS. “Esses acontecimentos perturbam a vida dos agricultores, o que por sua vez prejudica o tecido social e seu sustento, afetando até a educação. Seus filhos e suas filhas reconhecem o estresse e causam preocupação, o que leva a uma redução dos períodos de atenção na aula e acaba afetando o rendimento”, observou Lay.

Em uma fazenda de Antiga, colmeias aumentam a polinização e a produção agrícola. Foto: Desmond Brown/IPS
Em uma fazenda de Antiga, colmeias aumentam a polinização e a produção agrícola. Foto: Desmond Brown/IPS

 

Segundo Williams, o que ocorre no Caribe não deve ser confundido com o chamado “transtorno de colapso da colônia”, um fenômeno atual na Europa, que provoca desaparecimento repentino das abelhas operárias. Esses desaparecimentos ocorreram em toda a história da apicultura e tiveram vários nomes, mas a síndrome foi renomeada de CCD (em inglês) no final de 2006, quando também houve um drástico aumento nos desaparecimentos de colônias de abelhas na América do Norte.

O colapso das colônias tem um peso econômico significativo porque as abelhas polinizam muitos cultivos. Segundo o Departamento de Agricultura e Proteção ao Consumo, da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o valor dos cultivos polinizados por abelhas era estimado em US$ 200 bilhões, em 2005.

Outras dificuldades para a apicultura, segundo Williams, são a falta de locais adequados para instalar o apiário, pestes estrangeiras e espécies invasoras, junto com a falta de equipamentos, de fumigação e de pessoal. Mas, segundo o apicultor Richy Narine, de Barbados, o maior desafio atual é salvar as abelhas.

“Tentamos salvá-las. Há muita gente utilizando produtos químicos que matam as abelhas, e não se dão conta de que a falta delas terá um impacto no ambiente. Por mais que se diga, continuam agindo dessa forma”, lamentou Narine. “Podem usar algo mais seguro. Há muitos tipos de inseticidas diferentes que podem ser usados e que são inofensivos para as abelhas. Podem custar um ou dois dólares a mais, mas não as matam”, ressaltou. Envolverde/IPS