As consequências sociais dos desequilíbrios ambientais

Todos nós conservamos na mente as cenas recentes de destruição socioambiental que se abateram sobre a Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro. Foi algo que nos chocou profundamente, pois assistimos impotentes as consequências sociais dos pequenos e médios desequilíbrios ambientais que se acumularam nas últimas décadas.

Durante muitos anos, sobretudo na década de 1980, percorremos muitas áreas do Município de Nova Friburgo, realizando coletas e identificando plantas, com o objetivo de conhecer melhor a flora friburguense e observar de perto a relação entre a vegetação, o solo e os processos de alterações ambientais. Já naquela época, nos chamava atenção o crescimento progressivo do processo de ocupação habitacional nas áreas de encostas, como também a perda da biodiversidade em algumas áreas, decorrente dos desmatamentos, queimadas e monoculturas. Muitas espécies que no passado foram coletadas no Morro da Cruz, na Cascata do Pinel e nas partes mais baixas do Caledônia, já não ocorriam no local, ou, quando encontradas, estavam reduzidas a minúsculas populações. O que nos impressionava era o fato de que nas áreas que outrora detinham uma vegetação de Mata Atlântica, eram visíveis os sinais do aumento de acidez no solo, favorecendo o crescimento de muitas espécies exóticas invasoras como o capim-gordura (Melinis minutiflora), a samambaia-de-tapera (Pteridium aquilinum), entre outras.

Muitas vezes, depois de contemplar algumas fisionomias alteradas, nos vinha na memória a importância da cobertura florestal para estas áreas, sobretudo no melhoramento dos processos de infiltração, percolação, armazenamento da água e diminuição do escoamento superficial. Não resta dúvida de que os impactos dos desmatamentos progressivos contribuem para aumentar o escoamento hídrico superficial, a redução da infiltração da água no solo, o aumento da temperatura local, a redução da fauna e da flora, entre outros fatores. Infelizmente muitas dessas áreas alteradas não receberam o tratamento ambiental adequado que pudesse minimizar efeitos futuros de impactos maiores.

Esquecemos que as áreas de acentuada declividade merecem um cuidado especial de proteção com a cobertura florestal, por motivos dos riscos de erosão e deslizamento do solo. Esquecemos que a vegetação arbórea da Mata Atlântica tem um papel importante em amortecer a pressão da água da chuva, fazer o escoamento pelos troncos e absorver parte da água por meio do sistema radicular.

Os fatos nos mostram que é preciso tomar conhecimento dos dados que as ciências nos fornecem sobre a importância de mantermos um equilíbrio ecossistêmico em áreas de encostas, levando também em consideração as recomendações sábias de nossas Leis ambientais. É necessário colocar em prática os planejamentos socioambientais de nossos municípios, pois somente assim evitaremos futuras catástrofes, cujas vítimas são as populações de baixa renda como também aqueles de poder aquisitivo maior.

Os episódios ocorridos em Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo nos mostram que os acúmulos históricos de desequilíbrios ambientais, atingem a todos sem distinção, principalmente às camadas mais pobres da população. Não se trata nesse momento de atribuir culpabilidade a esta ou aquela administração pública, pois são omissões acumuladas historicamente, na falta de determinação política em estabelecer limites no processo de ocupação urbana em áreas vulneráveis. Não adianta também jogar a culpa na natureza, atribuindo a ela uma espécie de vingança, pois este conceito antropológico não se aplica à dinâmica do mundo natural. A natureza não vinga, mas simplesmente reage aos processos sucessivos de desequilíbrios que provocamos na dinâmica geobiológica de nossos ecossistemas.

A dramaticidade desse triste acontecimento nos revelou duas coisas importantes. A primeira foi o grande espírito de solidariedade de nosso povo brasileiro, colocando-se ao lado daqueles que sofrem as perdas materiais e humanas. A união do público e do privado, do pobre e do rico, dos jovens e adultos, das diferentes religiões e ONGs, dos artistas e jogadores, em favor da população sofrida da Região Serrana, tem sido algo admirável e consolador. A segunda se refere aos cuidados que devemos ter em relação ao frágil equilíbrio de nossos ecossistemas de encostas. Medidas mitigatórias são importantes para evitar futuros acidentes, sobretudo diante de um cenário de mudanças climáticas nos próximos anos, onde esses fenômenos serão mais frequentes e com previsões preocupantes. O tema da Campanha da Fraternidade da CNBB de 2011: “Fraternidade e Vida no Planeta”, nos trará subsídio importante para uma reflexão sobre esta problemática socioambiental.

* Pe. Josafá Carlos de Siqueira Sj é reitor da PUC-Rio.

** Publicado originalmente no site da revista Eco21.