A Cop 20 é crucial para um acordo climático global

climaO encontro no Peru, em dezembro, é a oportunidade para a América Latina contribuir de forma decisiva com o debate sobre o aquecimento global

Desde a Rio 92, longas e tortuosas negociações vem sendo travadas entre países sobre metas, responsabilidades e compromissos financeiros para redução das emissões de gases de efeito estufa. A perspectiva de consolidação de um acordo global para o enfrentamento das mudanças climáticas na COP 21 em Paris no ano que vem torna a COP de Lima (Peru), em dezembro de 2014, um momento crucial. É uma oportunidade para a América Latina oferecer ao mundo uma agenda que combine suas bem sucedidas políticas de enfrentamento da pobreza e inclusão social com uma nova visão sobre o uso sustentável de recursos naturais para a transição para economias de baixo carbono.

A Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) foi criada na Rio 92 com o objetivo de estabilizar as concentrações de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera em um nível que não ofereça perigo para o sistema climático. Desde então se estabeleceu um processo negociador por meio de Conferências das Partes (COPs) que aderiram à Convenção. A COP em Lima evidenciará os principais desafios, bloqueios e possibilidades existentes na trajetória de um complexo processo negociador que poderá levar, ou não, o sistema multilateral a contar com um acordo global à altura da crise climática em curso.

O processo negociador ainda se move com base em uma arquitetura institucional construída sob o pilar da divisão do mundo entre Norte e Sul, embora a realidade atual nos mostre que os grupos de países e interesses estão cada vez mais diversos. A inadequação deste tradicional recorte Norte versus Sul produz bloqueios e argumentos que dificultam a adoção de compromissos efetivos pelas partes e leva ao progressivo esvaziamento da governança multilateral sobre as mudanças climáticas.

A controvérsia central do processo negociador é, portanto, a diferenciação, o grau de responsabilidade e capacidade de cada país, como medi-lo, o que cada país teria condições e capacidade de fazer para contribuir para as ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas.

Os países do Norte buscam reduzir o peso de suas responsabilidades históricas e enfatizar as responsabilidades presentes e futuras dos países emergentes em virtude de sua recente e crescente participação nas emissões globais. Os países emergentes, liderados por China, Brasil e Índia argumentam que suas posições estão ancoradas no princípio das Responsabilidades Comuns Porém Diferenciadas definidas em Kyoto e parecem dar mais relevância a este do que à capacidade relativa dos países de ação.

De fato, os países do Sul não podem mais ser tratados como um bloco homogêneo. Apesar das desigualdades históricas quanto à responsabilidade pelas emissões de carbono, a Convenção não pode se manter alheia à complexidade das diferenças atuais entre os países. Não há dúvida de que cabe aos países desenvolvidos grande responsabilidade pelo corte de emissões e pela disponibilização de sua elevada capacidade técnica e financeira para facilitar a transição de outros países para uma economia de baixo carbono. Esta responsabilidade precisa ser cobrada durante as negociações.

Entretanto, é fundamental admitir que os países emergentes têm capacidade técnica, financeira e níveis de emissões de GEE muito maiores do que os países de menor desenvolvimento econômico ou países insulares. Logo, também não é razoável que esta diferenciação não seja feita no novo arranjo institucional.

Para ilustrar estas diferenças, o quadro abaixo mostra o peso relativo dos 15 países que mais contribuem para as emissões de GEE:

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A evolução das tendências das emissões também revela as diferenças na participação dos países emergentes neste cenário:

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Há uma evidente desproporção no volume de emissões entre os países do Anexo II (países desenvolvidos que pagam os custos para países em desenvolvimento), com destaque absoluto para os países do chamado bloco dos Brics.

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Este embate tem levantado dúvidas sobre a capacidade da atual arquitetura institucional da Convenção de produzir um acordo ambicioso e efetivo. A diferenciação binária, simplista e estática entre países do Anexo I (industrializados) e do Anexo II não reflete o contexto de crescentes níveis de emissões de GEE dos países emergentes e o papel dos países do Leste Europeu neste processo. Assim como China, Brasil ou Índia não podem se colocar no mesmo lugar que Bangladesh ou dos países insulares, Rússia e Polônia tampouco podem continuar protelando a assunção de maior responsabilidade nas ações de mitigação de CO2.

A disputa na Convenção está concentrada entre 15-20 países, na maioria desenvolvidos. Os mais de 200 países que quase nada poluem e que são e serão mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas têm pouca voz ou poder nas negociações.

A necessidade de se restabelecer a confiança no processo negociador requer uma sinalização concreta da disposição para assumir compromissos tanto dos países desenvolvidos como dos emergentes. É fundamental que haja uma atualização da arquitetura do processo negociador, na qual o peso do princípio das responsabilidades comuns mas diferenciadas seja mantido e reforçado, mas que também reconheça a capacidade de contribuição dos países emergentes.

As COPs costumam ser marcadas pelas características do país que a sedia, e em Lima não deverá ser diferente. Sua realização em um país andino, situado em uma região mega biodiversa com ecossistemas tropicais riquíssimos e fundamentais para o equilíbrio do sistema climático global, pode representar uma oportunidade estratégica para a América Latina colocar em pauta o debate sobre a necessária transição do seu próprio modelo de desenvolvimento para uma economia de baixo carbono.

A América Latina vive forte tendência de reprimarização de suas exportações e ocupa o elo mais fraco nas cadeias produtivas globais como fornecedora de recursos naturais. A exploração destes recursos resulta na elevação das emissões de GEE e na respectiva diminuição do patrimônio natural da região. A especialização na extração e exportação de combustíveis fósseis, o desenvolvimento de mega projetos de mineração, o modelo agrícola baseado em monocultivos de larga escala, com altos índices de desmatamentos e de uso intensivo de água, terra, fertilizantes e agrotóxicos. Todos estes exemplos contribuem para a elevação dos índices de emissão de carbono na região, o que mostra que o modelo de desenvolvimento latino-americano tem muito a avançar para se tornar menos intensivo em emissões de GEE.

Embora a região ainda responda por um volume pequeno de emissões vis-a-vis outros continentes, a necessidade premente de crescimento econômico baseado neste modelo extrativista tende a reforçar a trajetória de aumento das emissões e reduzir a predisposição a realizar uma transição sólida para uma economia de baixo carbono, que agregue valor aos abundantes recursos naturais da região.

Apesar dos importantes avanços dos últimos 15 anos, em que diversos países da região têm promovido amplos processos de inclusão social, combate à pobreza e redução de desigualdades, a região continua sendo um dos continentes de maior desigualdade social do mundo. A viabilidade destes processos de inclusão tem sido, direta ou indiretamente, viabilizados pelo crescimento econômico pautado na exploração de recursos naturais.

É grande, portanto, o desafio de avançar e ampliar o caminho da inclusão social que adote um modelo sustentável, menos dependente da exploração intensiva de recursos naturais e, por conseguinte, das flutuações dos preços internacionais das commodities agrícolas e minerais. Não há dúvida de que a reprimarização das exportações contamina e condiciona os modelos produtivos nacionais e a dinâmica dos mercados internos.

Neste cenário, a realização da COP em Lima pode e deve ser uma oportunidade estratégica para a região reavaliar seu modelo de desenvolvimento. A América Latina precisa construir uma visão que articule inclusão social, um modelo produtivo eficiente e sustentável, menos intensivo em emissões de GEE e que coloque seus recursos naturais a serviço da promoção de direitos coletivos e da transição para uma economia de baixo carbono.

O forte engajamento de povos indígenas e populações tradicionais da região na COP de Lima pode trazer uma esperança. Suas visões de longo prazo, sabedoria sobre os limites da natureza e capacidade de mobilização podem imprimir uma dinâmica de maior pressão por compromissos e resultados efetivos. Sua incidência pode provocar um olhar sobre as negociações articulado às questões estruturais do modelo de desenvolvimento e ajudar a legitimar junto à opinião pública e aos negociadores, a necessidade de se traçar um caminho de transição global para uma economia de baixo carbono.

* Ana Toni é sócia e diretora do GIP – Gestão de Interesse Público, presidente do Conselho do Greenpeace Internacional e integrante do GRRI. Foi diretora da Fundação Ford no Brasil.

** Publicado originalmente pelo Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais e retirado do site Carta Capital.