A crise ambiental e a crise do jornalismo

jornalismoambientalAs faculdades de jornalismo devem capacitar os jornalistas para que sejam capazes de abordar os temas ambientais além do senso comum e de maneira transversal, em qualquer editoria, não apenas nas seções de meio ambiente. A opinião é do presidente da Federação de Jornalistas da América Latina e do Caribe (Fepalc), Celso Augusto Schröder, 60 anos, que também é vice-presidente da Federação Internacional de Jornalistas (IFJ, na sigla em inglês) e presidente reeleito da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj).

Nesta entrevista exclusiva concedida em Lima, capital do Peru, na sexta-feira passada (27/09/13), Celso Schröder, que reside em Porto Alegre (RS), onde leciona jornalismo há 25 anos, na Famecos/PUCRS, fala também sobre a crise no jornalismo, que para ele é artificial. “O tempo do jornalismo não é e nem pode ser o mesmo tempo das redes sociais”, explica. Schröder trata ainda da volta da obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão noBrasil e defende a importância de um marco regulatório para as comunicações.

Seguindo o posicionamento da Fenaj, que no ano passado realizou um congresso nacional sobre a temática ambiental, a Fepalc promoveu em Lima, nos dias 26 e 27 de setembro, o seminário Crisis Ambiental: Los Desafíos del Cambio Climático para los Periodistas y sus Sindicatos, com patrocínio da Fundação Friedrich Ebert Stiftung, ligada a social democracia alemã, com apoio da IFJ e da Associación Nacional de Periodistas del Perú (ANP). Em 2014, Lima será sede de mais uma Cúpula do Clima (COP 20).

Celso Schröder encerra seminário em Lima sobre mudança do clima que reuniu dirigentes sindicais e jornalistas do Peru, Chile, Colombia, Panamá, Costa Rica, Brasil e República Dominicana
Celso Schröder encerra seminário em Lima sobre mudança do clima que reuniu dirigentes sindicais e jornalistas do Peru, Chile, Colombia, Panamá, Costa Rica, Brasil e República Dominicana

 

Blog do Villar: Qual foi a principal constatação do seminário da Federação de Jornalistas da América Latina e do Caribe (Fepalc) sobre os desafios da mudança do clima para os jornalistas e os seus sindicatos?

Celso Schröder: A compreensão geral foi de que a mudança do clima é uma pauta importante e que não estamos fazendo bem a cobertura. Apesar da existência de jornalistas especializados em meio ambiente. Precisamos produzir uma ação conjunta compartilhada entre as organizações de jornalistas, sindicais e não sindicais, para produzir compreensão. É preciso tratar o tema com a complexidade que ele tem através de jornalistas especializados, sem cair na armadilha de simplificações desnecessárias, mas também introduzir o meio ambiente no jornalismo como um todo para que este tema possa ir além de um público especializado e já convencido e mobilizado, e chegar ao outro público, o que tem uma sintonia com o meio ambiente, mas que está imerso no senso comum. Inclusive neste senso comum que é disputado em declarações equivocadas do tipo “como está esquentando a terra se tem neve onde não costuma nevar?”. Neste público está o agricultor preocupado com a sua produção, que se não compreender o impacto da mudança do clima no seu dia-a-dia não vai se preocupar com o tema, ou o empresário que ainda acha que isto é uma bobagem e que, portanto, mudanças no modo de produzir são desnecessárias. Temos que trabalhar para que todos os jornalistas consigam tratar destas agendas transversais.

Blog do Villar: Depois deste seminário da Fepalc, é possível que os sindicatos de jornalistas da América Latina e do Caribe comecem a tratar mais dos temas ambientais?

Celso Schröder: Acredito que sim, pois esta preocupação não surge agora com o seminário da Fepalc, de certa maneira já está presente entre as entidades profissionais. No ano passado, por exemplo, o Congresso Nacional de Jornalistas realizado pela Fenaj em Rio Branco (AC) foi pautado pela temática ambiental. É um tema que os jornalistas inauguraram nos anos 70. E ao longo do tempo houve uma amortização. Os interesses contrários vão produzindo anticorpos e produzem uma espécie de senso comum. E mesmo os jornalistas preocupados com o tema ambiental reduzem sua ação a um nível pessoal, separando lixo, economizando água, com uma adesão ideológica à causa, mas sem uma ação concreta no jornalismo. Acho que agora conseguimos construir uma tese que vai incidir de tal maneira que possamos incluir o tema ambiental nas demais editorias. Não será de uma hora para outra esta mudança de mentalidade, mas a Fenaj e a Fepalc querem contribuir com isso.

“E mesmo os jornalistas preocupados com o tema ambiental reduzem sua ação a um nível pessoal, separando lixo, economizando água, com uma adesão ideológica à causa, mas sem uma ação concreta no jornalismo”

Blog do Villar: A fragmentação e a superficialidade do noticiário ambiental apareceram em vários grupos de trabalho durante o seminário da Fepalc e entre as causas apontadas está a ausência do tema ambiental nos cursos de graduação de jornalismo. Com a reestruturação que será feita nas faculdades de jornalismo no Brasil devido às novas Diretrizes Curriculares Nacionais em Jornalismo homologadas recentemente pelo MEC é possível que a temática ambiental passe a fazer parte da formação dos jornalistas de modo que ele saia da faculdade entendendo o tema de forma transversal?

Celso Schröder: Eu não tenho dúvida. Se já constituímos cultura para acolher o ensino de um jornalismo esportivo, de um jornalismo econômico, de uma assessoria de imprensa na graduação, em relação ao meio ambiente é uma obrigação. Jornalistas que serão especializados em meio ambiente não pararão de estudar nunca, farão mestrado e doutorado sempre pautados por esta preocupação. E produzirão um conhecimento mais sofisticado e terão capacidade de extrair dos especialistas informações mais complexas. Mas isso não é suficiente. Acho que assim como todo jornalista deve saber diagramar uma página, fazer uma matéria para o rádio, enfim, dominar coisas práticas do jornalismo, e assim como tem que saber teorias do jornalismo, teorias da comunicação, noções básicas de legislação, noções profundas de ética, precisa também saber e estar treinado para encontrar fontes capazes de problematizar as questões ambientais.

Blog do Villar: Este conhecimento básico que caberia aos cursos de graduação seria ensinar os alunos a como se movimentar nos principais temas ambientais?

Celso Schröder: Sim, e isto está além do senso comum. O que seria um senso comum em mudança do clima? Atribuir a este problema uma dimensão relativa que ele não tem em função da gravidade dos fatos. Temos que nos mover dentro do debate do meio ambiente, obviamente crítico, com características que o jornalista tem que ter, de investigar, de duvidar, de questionar, mas acima do senso comum constituído sobre as questões ambientais. Este senso comum não é homogêneo, mas me parece que seu resultado é uma passividade frente à crise. Se isso é permitido para um cidadão, para um jornalista o senso comum é inadmissível. Sair da universidade com a compreensão que estamos imersos em uma crise, e que, portanto, temos que nos mover imersos nesta crise, e não por fora. Vejo em alunos e até em jornalistas uma certa resistência irônica e cínica, que é muito própria do jornalismo, e que às vezes é salutar, é boa, faz parte de um certo distanciamento que estabelecemos com os assuntos, mas na questão ambiental este cinismo esta a serviço de interesses muito claros, muito ativos e potentes. Isto é possível minimizar em um curso de graduação.

Blog do Villar: Um jornalista mais capacitado para lidar com a crise ambiental no curso de graduação ajuda a superar a crise atual do jornalismo?

Celso Schröder: Esta postura que ajudaria ao jornalista a ter um conhecimento sobre meio ambiente com um grau de razoabilidade suficiente para que ele possa transitar nesta área sem ser um especialista, mas produzindo um olhar crítico sobre qualquer matéria, ajudaria também aos jornalistas, a universidade e a sociedade a recolocar o jornalismo na dimensão que ele precisa ter. Passa por uma crise que a meu ver é artificial na medida em que não é do jornalismo, é do mau jornalismo. Um jornalismo que se torna obsoleto e desnecessário quando se confunde com os conteúdos produzidos em uma rede que não tem qualificação, cuja única vantagem que tem é de ser muitos e rápida. Isto significa o fim da mediação. Para ter uma informação todos temos que fazer, todos temos que ler. Temos que passar 24 horas circulando em uma rede. Isto é impossível, inadequado e indesejável.

Eu espero que os marceneiros continuem trabalhando, que os padeiros continuem fazendo pão, que a sociedade continue fazendo os seus afazeres e que alguns profissionais, que viverão disso, farão estas atividades. Imaginar que para eu ter informação todos tenhamos que produzir e todos tenhamos que consumir isso o tempo todo seria o colapso da humanidade. Então isso não é possível que aconteça, mas esta ideia da crise está interiorizada, inclusive por muitos jornalistas, na academia e nas organizações dos jornalistas. Muitas vezes se percebe um discurso que aponta para a necessidade de um novo jornalismo, a tal ponto novo que não é mais jornalismo, é uma outra coisa, fruto de uma ansiedade e de uma angustia, em uma disputa impossível de ser realizada de jornalistas disputando velocidade com as redes. Nós perderemos sempre. E temos que perder.

O jornalismo tem uma velocidade tal que exige tempo para se fazer apuração, para se escrever bem, para uma boa foto, um bom programa de televisão, um bom programa de rádio, este tempo é o tempo do jornalismo. O outro tempo é o tempo da conversa. As redes reproduzem com as suas virtudes e os seus defeitos o boteco. Aquilo que se realizou nos cafés da Europa que configurou o que (Jürgen) Habermas chamou de Esfera Pública é o que está acontecendo agora em uma esfera eletrônica. Com uma velocidade muito maior, mas com todas as suas características de injúria, difamação, calúnia…

Blog do Villar: Com um porém, os cafés aos quais o Habermas se refere só eram frequentados por homens cultos…

Celso Schröder: É verdade… A crítica produzida que configurou a opinião pública oriunda desta esfera era de homens esclarecidos que produziam um olhar sobre o Estado. Há uma certa diferença, tens razão. Estamos em um boteco mais desqualificado. Mas com tanta gente que de alguma maneira se produz os cafés daquele período, com todas as suas características de imprecisão, de interesses entremeados, de mentiras, de verdades, de calúnias, de difamações, de generosidades, de infâmias.

Blog do Villar: Já que estamos falando em crise do jornalismo, qual o teu conceito de jornalismo?

Celso Schröder? O jornalismo é uma mediação, é um relato que a sociedade precisa. Eu sempre digo que não foram os jornalistas e nem as empresas jornalísticas que inventaram o jornalismo. Quem inventou o jornalismo foi a sociedade, que precisou, em algum momento, o aval, validou, atribuiu a algumas pessoas esta tarefa de contar as coisas que os outros não viram. E para contar estas coisas que os outros não viram eu tenho que ter um contrato com estas pessoas para quem eu vou contar que eu estou dizendo a verdade. Este contrato é a base da profissão.

Blog do Villar: Um contrato tácito?

Celso Schröder: Sim, um contrato tácito. Por isso que nossa profissão é a única deontologicamente estruturada. É a única profissão que existe a partir de um compromisso moral. De um médico eu espero que ele diga à verdade secundariamente, o que eu espero é que ele acerte o diagnóstico, que ele me cure. O médico mentir ou não mentir, embora seja imoral, é irrelevante na relação que eu estabeleço com ele. Ele precisa me curar. Um engenheiro precisa fazer um bom cálculo estrutural. O que o jornalista precisa é dizer a verdade. Nossa profissão tem este elemento tácito, este contrato social indispensável. A não ser que nós imaginássemos que todas as pessoas estão dizendo a verdade quando entram na rede. Conversando com o Antônio Martins, criador do Le Monde Diplomatique Brasil, ele muito racionalmente e honestamente me dizia que o nosso papel hoje é outro, não é mais informar, mas sim o de fazer as análises profundas porque o relato está dado o tempo todo. E me deu um exemplo. Se há um cavalo na estrada, alguém vai nos avisar. Então caberá ao jornalista interpretar e descobrir por que o cavalo está lá, se é bom ou se não é.

Blog do Villar: Mas interpretar sempre foi a função do jornalista.

Celso Schröder: Sim, mas eu disse para ele que antes de interpretar eu perguntaria se o cavalo está realmente lá. Quem me disse que o cavalo está lá? É prerrogativa da audiência me garantir que o cavalo está lá? Alguém pode dizer que o cavalo está lá porque não quer que eu passe por lá. Esta é a primeira aula de jornalismo: as fontes tem interesses. Tem interesses privados, porque são entes privados, e cabe ao jornalista transformá-la em dimensão pública. Ou seja, nós vamos checar se o cavalo está lá. Antes mesmo da interpretação, que me parece que é prerrogativa do jornalista, o simples relato sobre “o cavalo está lá” exige um compromisso ético que está assentado na verdade.

O jornalismo é uma profissão indispensável e nada indica que ela será substituída. Pelo contrário. Em um mundo cada vez mais embebido, como diria o (Ignacio) Ramonet, num grau de iluminação, para usar uma metáfora do iluminismo, de uma exposição de informações que mais obscurece do que ilumina, mais brilha e me atrapalha a visão do que me permite ver, são necessários mediadores, em todos os níveis, inclusive na área da ciência. Na área do dado comum, da informação singular, eles serão fundamentais. Os jornalistas, apesar de uma certa confusão, inclusive entre os próprios jornalistas em relação ao seu papel, eu não tenho dúvida de que estão e estarão valorizados. Os jornalistas serão valorizados e o jornalismo será valorizado. Seja onde estiver, inclusive nas plataformas eletrônicas.

É impressionante como se confunde as plataformas eletrônicas com os conteúdos produzidos. É engraçado que não se fazia isso com o papel. Ninguém confunde uma folha de jornal com o jornalismo. Mas neste caso a dimensão de redução da informação a impulsos elétricos digitalizados confundiu. E nós ficamos aparvalhados. Numa sensação de que o que estamos fazendo é a mesma coisa do que os outros estão fazendo simplesmente transmitindo dados. Eu contar coisas, eu ter opinião, isso são dados. O que vai transformar isso em jornalismo é eu transformar isso em comunicação. É a interpretação, é a capacidade que eu tenho de checar, de contrapor posições e permitir que o leitor, telespectador, ouvinte, seja lá quem for, tenha possibilidade de constituir sua opinião a partir deste trabalho, sem reduzir isso a minha opinião. Que é uma outra armadilha que o jornalismo entrou, espero que de uma maneira não irreversível. O próprio Habermas já havia anunciado isso, que é uma espécie de refeudalização.

Blog do Villar: Como assim refeudalização?

Celso Schröder: Todos nós de novo, ao invés de falarmos para o grande público, falamos para os nossos, para as nossas tribos. Portanto voltando a uma situação anterior. Por isso o Dominique Volton (no livro Informar não é Comunicar) elogia o grande público. A sociedade contemporânea precisa compartilhar dados, não apenas dados importantes, mas também o jogo de futebol. Na segunda-feira o Brasil precisa discutir o jogo do Flamengo no Rio de Janeiro e o do Inter e do Grêmio em Porto Alegre. E faz isso a partir de quê? De informações compartilhadas massivamente pela comunicação social. Não apenas através das falas da televisão fechada e de grupos. É preciso, ao lado dos espaços privados e destas especializações que são inerentes das tecnologias pontuais, precisamos a difusão desta informação genérica que nos permite a conversa, a comunicação, a convivência e a sociabilidade.

Blog do Villar: Qual a expectativa da Fenaj em relação à volta da obrigatoriedade do diploma de jornalismo no Brasil?

Celso Schröder: Estou muito otimista. Tivemos uma vitória espetacular no Senado fruto de uma percepção que a opinião pública brasileira imediatamente teve ao ser decretado o final do diploma pela decisão de Gilmar Mendes no Supremo Tribunal Federal. O seu voto foi tão arrogante e obscurantista que inclusive jornalistas como o (Alberto) Dines contrários ao diploma reconhecem naquela ação elementos obscurantistas anti-civilizatórios. A prova que a sociedade reagiu é que o parlamento brasileiro, o Senado brasileiro, que não é o lugar mais progressista da política brasileira, endossa esta tese e em cinco meses a Proposta de Emenda Constitucional (PEC do Diploma) estava pronta para ser votada. Em dois anos votamos a PEC (33/2009) com uma vitória estrondosa, com 67 votos dos 81 senadores. O que demonstrou um certo consenso constituído. É inadmissível pras pessoas imaginarem que ao retirar um diploma universitário de uma profissão há uma melhora desta profissão. Nós vencemos no Senado e venceremos na Câmara dos Deputados.

Blog do Villar: Ainda este ano?

Celso Schröder: Espero que sim. Se ficar para o ano que vem ficará mais difícil em função das eleições. A minha expectativa é que agora consigamos fazer este debate. Ficamos um pouco temerosos que colasse o debate do chamado Mensalão, com as questões do Marco Regulatório (das Comunicações), que entram no debate da democratização da comunicação. Afastamos um pouco porque é uma outra coisa, nosso diploma nada tem a ver com este debate. Embora estejamos fazendo este debate em uma outra frente de ação. Este princípio da obrigatoriedade do diploma debatido aqui hoje é uma referência internacional. Atualmente este debate é compreendido e reivindicado por países que não tem esta tradição. Nossos companheiros sindicalistas da Inglaterra, por exemplo, que é um país de tradição liberal no tratamento desta questão, já se movimentam para uma situação parecida, principalmente depois da crise do (Rupert) Murdoch, demonstrando que esta profissão precisa ser resguardada e qualificada, e precisa ser garantido ao público que nós estamos fornecendo os melhores profissionais.

Luta pela democratização dos meios de comunicação

“Após os movimentos de junho, é muito forte a ideia, que nós tentamos evitar ao longo destes anos, de que democratizar a comunicação no Brasil seria construir uma Rede Globo de sinal contrário. Seria um equívoco imaginar que simplesmente ao pulverizar e garantir diversidade de vozes estas vozes seriam democráticas.”

Blog do Villar: E como está a luta pela democratização dos meios de comunicação?

Celso Schröder: Estamos em um período difícil, depois de um movimento inédito no mundo, diferente do que a Argentina e a Venezuela fizeram, que foi realizar a Confecom (Conferência Nacional de Comunicação), fruto da compreensão que este tema era tão difícil e tão aprisionado e sequestrado pelas empresas de comunicação, que se negam a debater qualquer tipo de regulação, que nós precisávamos constituir acordos para conseguir produzir uma lei que fosse efetivamente cumprida e respeitada por todos, inclusive e principalmente pelos meios de comunicação. Foram mais de 200 conferências pelo país, municipais e estaduais, uma conferência nacional com dois mil representantes de todo o Brasil. Embora a Rede Globo e seus aliados tenham sabotado e saído no meio da conferência, a Bandeirantes permaneceu com a Rede TV, assim como as empresas de telefonia, que estão entrando neste negócio e estavam lá, legitimando o processo. E o governo brasileiro, em que pese ter realizado este debate, em seguida, atemorizado e tímido, não produziu o marco relatório.

Temos denunciado este imobilismo e aí nos separamos do FNDC (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação), que é inclusive um fórum criado por nós nos anos 90 fruto do trabalho do Daniel Herz que promoveu uma compreensão de que nós precisávamos democratizar o sistema de comunicação no Brasil. Saímos da coordenação e estamos disputando numa tensão com o FNDC na medida em que o Fórum, no nosso entendimento, está capitulando para a tese governista. Ou seja, está sintonizado exageradamente com as não-políticas públicas do governo e produzindo uma emenda popular de comunicação. No nosso entendimento, isto desvia a atenção e o foco, que deveria ser o governo federal, passando a responsabilidade para o Congresso Nacional. Dá uma trégua de governabilidade para o governo Dilma para as próximas eleições, que eu espero que consigamos produzir um governo democrático e popular no país, mas que não é nossa responsabilidade neste momento dar conta disso. Precisamos exigir do governo um marco regulatório.

E também começa uma disputa muito preocupante que reduz democratização à posse dos meios. Após os movimentos de junho, é muito forte a ideia, que nós tentamos evitar ao longo destes anos, de que democratizar a comunicação no Brasil seria construir uma Rede Globo de sinal contrário. Seria um equívoco imaginar que simplesmente ao pulverizar e garantir diversidade de vozes estas vozes seriam democráticas. O que nós precisamos garantir é que quem exerça esse serviço tenha a obrigação de garantir a diversidade das vozes. De novo estamos apostando na mediação. Não é a quantidade simplesmente de veículos e de vozes que garantem que estas vozes sejam democráticas.

Blog do Villar: Por que a luta pela democratização dos meios de comunicação é sempre confundida com tentativa de censurar o jornalismo?

Celso Schröder: É porque os meios de comunicação no Brasil tem o mundo que pediram a Deus. É um dos países mais desregulamentados. Quando redemocratizamos o país, produzimos uma Constituição bastante boa em vários aspectos, inclusive meio ambiente. Mas na comunicação fomos derrotados. Aliás, foi o único capítulo que nós não conseguimos acordo dentro da comissão que o tratou, de Ciência e Tecnologia. Foi negociado no Plenário pelo então deputado federal Antônio Britto, que reproduziu interesses da Rede Globo naquele momento. Temos uma herança autoritária no sistema de comunicação do Brasil. É muito cômodo para as grandes redes brasileiras a não regulamentação porque reproduz os privilégios que tiveram ao longo destes anos.

Blog do Villar: Quais privilégios?

Celso Schröder: Por exemplo, a propriedade cruzada. Eu sempre digo que se aplicássemos o modelo dos Estados Unidos no Brasil nós faríamos uma revolução. Repito, o modelo norte-americano, não o argentino, não o chavista, não o da Coréia do Norte, nem o da China comunista. Se aplicássemos aqui o modelo dos EUA, quem tem rádio não poderia ter jornal nem televisão. Este impedimento da propriedade cruzada, que é básico para um sistema de concorrência capitalista inclusive, democrático, no Brasil não existe. Temos uma verticalização e uma concentração inédita no mundo e é óbvio que estes privilégios tendem a se manter. Propaganda, por exemplo, nem um dos seus itens está regulamentado. Impedimento de propaganda de tabaco e álcool para crianças, estas coisas todas que em qualquer país do mundo está regulado, aqui não está.

Blog do Villar: A justificativa é a existência da auto-regulação.

Celso Schröder: O auto-regulado teria que ser regulado por lei. A auto-regulação é interessante. Antes que a lei se aplique a mim eu me regulo. Se eu não me regular, alguém me regula. É igual ao trânsito. Eu sei que eu não posso passar dos 60 km/h. Se eu passar, serei multado.

“Acho que neste momento precisamos juntar forças para fazer a grande defesa do jornalismo. A democracia precisa mais do que nunca de um jornalismo atuante e responsável”

Blog do Villar: Como a Fenaj responde ao argumento de que o objetivo de todo este debate é simplesmente censurar a imprensa?

Celso Schröder: Eu sempre digo que basta olhar os editoriais e os tapes de 1º de abril de 1964 que nós vamos ver quem quer censurar quem. Esta acusação tem um viés quase ingênuo de tratar um tema e faz uma inversão que aposta no desconhecimento e na ignorância. A Fenaj quer, na verdade, é atribuir ao sistema de comunicação brasileiro a dimensão democrática. Que significa garantir concorrência, e, portanto, diversidade de propriedade, garantir que quem tem a propriedade precisa dar guarida a todos os temas relevantes de interesse público do país, significa que independente da posição religiosa desta ou daquela organização, dos credos econômicos, das simpatias políticas, eu preciso garantir o trânsito da informação.

Censura é jornalistas serem impedidos de fazer cobertura econômica de determinados assuntos se os atores não pagam para estar no jornal. Ou jornalistas que cobrem política serem constrangidos de fazer este ou aquele tipo de abordagem porque os candidatos ou políticos aos quais eles estão se referindo são simpáticos ou não ao dono do jornal. Isto sim é inibir as atividades jornalísticas. O jornalismo não é fruto do negócio do jornalismo, é fruto do trabalho do jornalista. Jornalistas terem que fazer 12 pautas por dia, não terem carro para trabalhar, terem que disputar telefone na redação, isto sim são elementos cerceadores do jornalismo.

Acho que neste momento precisamos juntar forças para fazer a grande defesa do jornalismo. A democracia precisa mais do que nunca de um jornalismo atuante e responsável, que investigue, cheque fontes, que compreenda os interesses que estão envolvidos, que traga informações de primeira linha, não um jornalismo de dossiês, que reproduz os interesses das fontes. Este é o jornalismo que nós todos temos que defender. Toda a sociedade sairia ganhando com isso.

* Roberto Villar Belmonte é jornalista e escreve sobre temas ambientais como repórter freelance para o jornal Extra Classe do Sinpro/RS desde 2005. O autor participou do III Fórum Internacional de Mídia, “Meio Ambiente, Caminho de Paz”, a convite da Associação Cultural Greenaccord.

** Publicado originalmente no Blog do Villar.