A devastação do gesso

É fácil perceber quando você chega à região do Araripe, no coração do sertão, na fronteira tríplice entre Pernambuco, Ceará e Piauí. A mata fechada da caatinga, espinhenta como arame farpado, de repente desaparece. No seu lugar, a terra poeirenta exposta, seca, cada vez mais parecida com areia. No horizonte, nuvens brancas saem de chaminés. É pó de gesso, finíssimo. Em alguns lugares, o pó recobre a mata e a terra, esbranquiçando tudo. A região é onde a caatinga está mais ameaçada e é um núcleo importante de desertificação.

Também é fácil notar a prosperidade nas cidades do Araripe. Muitos 4 X 4, muitas lojas. Na praça central de Trindade, uma agitação de motos e operários se concentra em acertar os últimos detalhes antes da abertura da 2a Expogesso. O setor tem mais de 600 empresas, entre minas, fábricas e fornecedores. Emprega 80 mil pessoas, movimenta mais de 1 bilhão de dólares por ano. Está crescendo como chinês neste momento do boom da construção civil. 95% do gesso consumido no Brasil vem de lá. Lá perto, as obras da ferrovia Transnordestina anunciam que em breve o Araripe será diretamente conectado ao porto de Suape e ao mercado internacional. Mais prosperidade pela frente.

Para fazer o gesso, o primeiro passo é escavar a gipsita, que é abundante lá. A rocha é então moída e levada a um forno, onde as altas temperaturas desidratam o minério. O produto é o cal.

O maior problema ambiental do gesso é que os fornos são alimentados a lenha. Isso, além de emitir carbono, gera desmatamento. Hoje o Sebrae local está incentivando a adoção de madeira de manejo: o que resolveria o desmatamento mas não a emissão de gases. O Ibama eventualmente aparece na região e fecha uma ou outra empresa irregular – no ano passado 56 fábricas foram autuadas e fechadas, mas muitas reabriram desde então depois de pagar multa. O uso de madeira ilegalmente extraída ainda é generalizado, segundo os produtores que estão regulares.

A mineração também é muito impactante, como costuma ser. Vimos um surreal “canyon artificial” lá, criado pelo rasgo que fizeram no solo a dinamite e picareta. Outros problemas têm a ver com o pó de gesso, que é muito fino e tende a se espalhar. Muita gente tem problemas respiratórios e áreas de caatinga estão sendo sufocadas pela fina camada branca. A modernização do processo produtivo, com máquinas seladas que não deixam escapar tanto pó, melhorariam bastante a situação.

Além de maior produtor de gesso do Brasil, o Araripe é o quarto maior produtor de mel. Se a caatinga acabar, acaba o mel.

*Publicado originalmente no !sso Não é Normal.