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Fome de floresta e fauna no jovem setor privado de Cuba

Um carpinteiro organiza um carregamento de troncos de mogno, madeira preciosa apreendida pelas autoridades de Ciénega de Zapata. Foto: Jorge Luis Baños/IPS
Um carpinteiro organiza um carregamento de troncos de mogno, madeira preciosa apreendida pelas autoridades de Ciénega de Zapata. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

Havana, Cuba, 21 de abril de 2014 (Terramérica).- A ausência de mercados de matérias-primas e insumos para o novo setor privado de Cuba está aumentando a exploração ilegal de flora e fauna em perigo de extinção. A caça, a pesca e o desmatamento ilegais estão em auge também pela pobreza de comunidades rurais isoladas. Em 2010, o governo socialista de Raúl Castro deu luz verde à empresa privada em um número limitado de atividades, na maioria serviços.

No entanto, sem mercados atacadistas para prover esse setor de 455 mil privados, logo apareceram fenômenos não previstos, como a elevação da exploração da natureza. As florestas, que cobrem 28,6% do território desse país caribenho, está sofrendo as consequências.

“Pode-se tirar a licença de carpinteiro, mas ninguém facilita a matéria-prima. Também se pode construir mais ou melhorar as casas. As pessoas precisam de tábuas, janelas, de tudo, e para solucionar o problema vão à montanha e cortam”, contou ao Terramérica o carpinteiro Antonio Gutiérrez, que trabalha em uma serraria de Ciénaga de Zapata, o maior mangue do Caribe insular. No ano passado, o Corpo de Guardas Florestais aplicou 19.993 multas num total de US$ 125 mil e apreendeu 2.274 metros cúbicos de madeira.

Embora não haja dados de carregamentos confiscados em anos anteriores, as autoridades asseguram que esse crime está aumentando. “Isso é uma apreensão de mogno e carvalho”, explicou Gutiérrez, de 48 anos, mostrando uma pilha de troncos jovens. “Ainda demoram um mundo para serem madeira de verdade”, pontuou, sem deixar de apontar com o dedo os finos troncos empilhados no chão. É preciso vender mais madeira para a população a fim de resguardar a floresta do corte ilegal, ressaltou.

A diretora florestal do Ministério da Agricultura, Isabel Rusó, declarou aos jornalistas, em março, que a lei vigente desde 1998 estabelece multas que têm pouco resultado contra o corte ilegal e não contempla os negócios privados, que devem passar por complexos trâmites burocráticos para conseguir madeira de empresas estatais ou, então, comprar o produto no mercado negro. O projeto de nova lei florestal deverá ser apresentado ao parlamento em 2015. Porém, os problemas não se limitam às florestas.

No ano passado, as autoridades confiscaram 1.696 embarcações e registraram 2.959 casos de pesca ilegal. Em 2012, foram 1.987 e em 2011 apenas 996 casos. Na província de Pinar del Río, que possui ricas reservas naturais, foram apreendidas mais de duas toneladas de tartarugas marinhas, a maioria em risco de extinção. Também foram confiscadas 219 embarcações rústicas e aplicadas multas pelo uso de artes de pesca proibidas, captura de espécies protegidas ou tóxicas e vandalismo contra empresas pesqueiras estatais, entre outros crimes.

A caça da tartaruga cabeçuda (Caretta caretta) “é indiscriminada porque ocorre durante a noite e muitas vezes as fêmeas estão a caminho de desovar na areia”, contou ao Terramérica o pedreiro Pedro Fernández, de 62 anos e adepto da pesca há quatro décadas. “A matança, a limpeza e o despejo dos restos são feitos no mar”, acrescentou. “Por essa maneira de operar, é difícil controlar o problema e conhecer a magnitude real”, apontou esse morador da capital que garante jamais ter participado da caça ilegal. Segundo ele, para pegar as tartarugas, os pescadores colocam redes como armadilhas no fundo do mar durante um mês ou mais.

De maio a setembro, as tartarugas cabeçuda, verde (Chelonia mydas) e de pente (Eretmochelys imbricata) – entre outras espécies ameaçadas – põem seus ovos nas areias de praias cubanas. Muitas dessas praias estão protegidas, como as do arquipélago Jardins de la Reina, Los Cayos de San Felipe, Cayo Largo del Sur, Isla de la Juventud e a península de Guanahacabibes, em Pinar del Río. Mas isto não detém os depredadores. Tampouco as duras penas com que se pune o contrabando e os intensos controles policiais nesse país.

No mercado negro, a carne de diferentes animais, o pescado e os mariscos são cotados a preços astronômicos. Um quilo de carne de tartaruga cabeçuda ou de crocodilo custa entre U$ 5 e US$ 7. O salário médio de um empregado estatal equivale a US$ 19. Porém, há cubanos que conseguem rendas maiores por outras vias e podem pagar por esses luxos.

Neste negócio, porém, nem sempre há sorte. No mês passado, um jovem de Havana regressou de mãos vazias de uma viagem a Pinar del Río para adquirir filé de tartaruga cabeçuda. “Nenhum pescador me vendeu nada. Isso porque as pessoas compram rápido essa carne rica em proteínas, macia e saborosa”, disse à IPS este jovem, vendedor ocasional do alimento proibido.

Essas ilegalidades se multiplicam nas costas, florestas, mangues e pântanos, inclusive nas 103 áreas protegidas desse arquipélago. Os danos às espécies em perigo de extinção são a face mais sensível do corte, da caça e da pesca ilegais nesse país que tem 1.163 animais e 848 plantas ameaçados. As reduzidas populações de peixe-boi, golfinho, crocodilo, jacaré, tartarugas de pente e cabeçuda, coral negro, cobo (espécie de caracol), maritaca e o colorido molusco polimita são alvo dos depredadores.

Em geral, os infratores são homens, embora as mulheres participem do transporte e da venda dos produtos. As autoridades estão fortalecendo a vigilância e a inspeção, inclusive para evitar contrabando internacional, e a educação ambiental. “Mas falta encontrar alternativas de desenvolvimento para as populações que vivem perto ou dentro das reservas naturais”, destacou ao Terramérica o administrador da área protegida Laguna Guanaroca-Gavilanes, Carlos Roja.

Ali, a 11 quilômetros da cidade pesqueira e turística de Cienfuegos, no sudeste cubano, diminuíram esses crimes “por medo da lei, não por existir consciência ambiental”, afirmou Rojas. “Os projetos educativos ajudam, mas vemos que as pessoas ainda se sentem com o direito de pescar. Essas proibições criam conflitos na maneira de se ganhar a vida”, explicou.

Um passo positivo de sua administração foi engrossar seus quadros com pessoas das comunidades. Contudo, Rojas lamenta nunca ter sido implantado um projeto de pesca sustentável e acredita que o ecoturismo seria outra via de sustento amigável com o ambiente. O grande incentivo para a exploração de peixes e moluscos da lagoa é “a demanda”, afirmou Rojas. E há causas novas, como os colecionadores, que estão no auge, e a falta de mercados fornecedores para o setor privado, acrescentou.

“Foram entregues licenças para fazer artesanato e elaborar alimentos, mas ninguém sabe de onde saem algumas coisas que são vendidas”, afirmou Rojas. Há dois anos, a não governamental Associação Cubana de Artistas e Artesãos teve que tomar medidas rígidas contra os que vendiam objetos elaborados com corais, caracóis e moluscos como as polimitas, entre outras espécies vulneráveis. Envolverde/Terramérica

*A autora é correspondente da IPS.

 

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Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação apoiado pelo Banco Mundial Latin America and Caribbean, realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.