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Guerreiros climáticos bloqueiam o maior porto de carvão do mundo

Um ativista rema rumo a um navio no porto de carvão de Newcastle, na Austrália, para chamar a atenção sobre o impacto da mudança climática nas ilhas do Pacífico. Foto: Dean Sewell/Oculi para 350.org
Um ativista rema rumo a um navio no porto de carvão de Newcastle, na Austrália, para chamar a atenção sobre o impacto da mudança climática nas ilhas do Pacífico. Foto: Dean Sewell/Oculi para 350.org

 

Nações Unidas, 21/10/2014 – Trinta ativistas contra a mudança climática oriundos de 12 pequenos países insulares do Oceano Pacífico bloquearam com suas canoas, junto com centenas de australianos em caiaques e pranchas de surf, o maior porto de exportação de carvão do mundo, em Newcastle, na Austrália. Organizado com apoio do grupo ecologista 350.org, com sede nos Estados Unidos, o ato, realizado no dia 17, atrasou a saída de oito dos 12 navios que passaram pelo porto durante as nove horas de bloqueio.

A intenção foi chamar a atenção para as consequências da mudança climática nesses países. Os ativistas, que se autodenominam Guerreiros Climáticos do Pacífico, eram de 12 países insulares do Pacífico, incluindo Fiji, Tuvalu, Tokelau, Micronésia, Vanuatu, Ilhas Salomão, Tonga, Samoa, Papua Nova Guiné e Niue. “Queremos que a Austrália recorde que faz parte do Pacífico e que somos uma família, e ter esta família significa que permanecemos juntos. Não podemos permitir que um dos irmãos mais velhos destrua tudo”, declarou à IPS Mikaele Maiava, um dos ativistas.

A Austrália é o quarto maior produtor de carvão no mundo. “Assim, queremos que a comunidade australiana, especialmente os líderes da Austrália, pensem em algo mais além de seus bolsos… na humanidade, não apenas para o povo australiano, mas para todos”, acrescentou Mikaele, nascido em Tokelau.

Ao discursar na inauguração de uma mina de carvão no dia 13, o primeiro-ministro australiano, Tony Abbott, disse que “o carvão é bom para a humanidade”. Porém, Mikaele discorda. “Falamos de humanidade. A humanidade tem a ver com as pessoas perderem sua terra? Sua cultura e identidade? Tem a ver com viver com medo de que as futuras gerações já não possam viver em uma ilha bonita? Essa é a resposta para o futuro?”, questionou o ativista.

Mikaele afirmou que ele e seus companheiros estão conscientes de que sua luta não se limita ao Pacífico, e que a mudança climática também afeta outros países do Sul em desenvolvimento. “Estamos conscientes de que essa luta não é só pelo Pacífico. A mensagem que queremos passar, sobretudo aos governantes, é que somos seres humanos. Essa luta não se trata só de nossa terra, mas é pela sobrevivência”, ressaltou.

Mikaele contou como seu país já sofre as consequências da mudança climática: “Vemos mudanças nos padrões climáticos e também vemos a ameaça para nossa segurança alimentar. É difícil gerar um futuro sustentável se a terra já não é tão fértil e os cultivos não crescem devido à invasão da água salgada”.

Mikaele Maiava, de Tokelau, com outros ativistas da Guerreiros Climáticos do Pacífico no porto de carvão de Newcastle, na Austrália. Foto: Dean Sewell/Oculi para 350.org
Mikaele Maiava, de Tokelau, com outros ativistas da Guerreiros Climáticos do Pacífico no porto de carvão de Newcastle, na Austrália. Foto: Dean Sewell/Oculi para 350.org

 

A costa de Tokelau sofre erosão. “A linha costeira está mudando. Há 15 anos, quando ia para a escola, podia caminhar em linha reta. Agora tenho que andar por uma linha torcida porque a praia sofreu a erosão”, contou Mikaele. Tokelau se converteu no primeiro país do mundo a utilizar 100% de energia renovável quando adotou a energia solar em 2012 para abastecer sua população, de aproximadamente 1.400 pessoas.

Mikaele e seus companheiros ativistas construíram com as próprias mãos as canoas que trouxeram para a Austrália para o protesto, o meio tradicional de transporte e pesca em seus países. Outra “guerreira” climática, Kathy Jetnil-Kijiner, das Ilhas Marshall, fez chorar o público presente na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em setembro, ao ler um poema escrito por sua pequena filha, Matafele Peinam.

“Ninguém se mudará, ninguém perderá sua terra natal, ninguém se converterá em um refugiado da mudança climática. Ou deveria dizer ninguém mais. Aos ilhéus de Carteret, em Papua Nova Guiné, e aos de Taro, em Fiji, aproveito este momento para pedir-lhes desculpas”, afirmou Jetnil-Kijiner, se referindo aos que são considerados os primeiros refugiados climáticos do mundo.

O Fórum das Ilhas do Pacífico qualificou a mudança climática como “maior ameaça para os meios de vida, a segurança e o bem-estar dos povos” da região. Segundo Jetnil-Kijiner, “a mudança climática é uma ameaça imediata e grave para o desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza em muitos países insulares do Pacífico, e para a própria sobrevivência de alguns”.

“Entretanto, esses países estão entre os menos capazes de se adaptar e responder a esta mudança, e as consequências que enfrentam são desproporcionais em relação à sua minúscula contribuição coletiva para as emissões mundiais” dos gases-estufa, ressaltou Jetnil-Kijiner. As autoridades das ilhas do Pacífico redobraram suas cobranças e desafiaram o governo australiano a não demorar mais na adoção de medidas contra a mudança climática.

“A Austrália é um país do Pacífico. Ao optar por desmantelar suas políticas climáticas, se retirar das negociações internacionais e seguir adiante com a expansão de sua indústria de combustíveis fósseis está totalmente em desacordo com o resto da região”, afirmou Simon Bradshaw, da organização Oxfam. “Os vizinhos mais próximos da Austrália identificam sistematicamente a mudança climática como seu maior desafio e prioridade absoluta. Portanto, é inevitável que as ações recentes de Canberra repercutam em sua relação com as ilhas do Pacífico”, acrescentou.

“Uma pesquisa recente encomendada pela Oxfam mostra que 60% dos australianos acreditam que a mudança climática tem consequências negativas na capacidade da população dos países mais pobres para cultivar alimentos e ter acesso a eles, chegando a 68% entre a faixa etária de 18 aos 34 anos”, destacou Bradshaw. Envolverde/IPS