Índia: Basta às corporações agroindustriais

Camponesas limpam um terreno abandonado por causa da seca na aldeia de Nachol, norte de Bangladesh. Foto: Naimul Haq/IPS
Camponesas limpam um terreno abandonado por causa da seca na aldeia de Nachol, norte de Bangladesh. Foto: Naimul Haq/IPS

Nova Délhi, Índia, julho/2012 – A privatização dos recursos da terra é uma receita para a escassez e a desertificação, para a violência contra as mulheres, a fome e, como ocorre na Índia, ao suicídio dos camponeses.

Até há pouco tempo, a água e a biodiversidade na Índia eram bens comuns utilizados pelas mulheres. Este é o sistema que está sendo ameaçado pela privatização.

O cuidado do solo durante gerações é parte de uma cultura segundo a qual os seres humanos têm a terra em custódia e a reconhecem como uma mãe que nutre a humanidade. Um bom uso agrícola melhora o solo e fabrica húmus, que é o xis da questão quanto à fertilidade da terra. Quando a terra é convertida em mercadoria, o solo pode desaparecer na imaginação e na realidade.

Um aviso da companhia construtora e imobiliária EMAAR-MDG, com sede em Dubai, nos Emirados Árabes, que se propõe “construir uma nova Índia”, diz: “Onde agora há campo, haverá casas, centros comerciais, clubes de golfe”. O que se esquece é que, onde há campos, há um solo, cultivos, populações e camponeses, especialmente mulheres agricultoras, que na Índia integram a maior parte do campesinato.

Quando o solo dá lugar ao concreto e moradias se convertem em selva de pedra, as comunidades dão lugar às corporações empresariais e aos consumidores, e as mulheres como produtoras às mulheres como sexo disponível.

A conversão da terra em mercadoria segue junto ao uso e abuso da química na agricultura. A Índia gasta anualmente US$ 2 bilhões em subsídios para fertilizantes químicos.

No solo vivente são introduzidos insumos externos como os fertilizantes sintéticos, que com o tempo destroem os processos pelos quais se cria a fertilidade da terra.

As mulheres são especialistas no uso de insumos internos na agricultura, já que trabalham com os produtos da própria terra para fertilizar o solo. Não fazem falta insumos externos. Os materiais orgânicos são reciclados e convertidos em compostagem, ou seja, em fertilizantes orgânicos, enquanto os cultivos de leguminosas fixam nitrogênio na terra.

O outro insumo externo na agricultura está constituído pelas sementes compradas. Na medida em que as sementes se convertem em propriedade das corporações, estas criam sementes “não renováveis” de modo que os agricultores são forçados a comprá-las todos os anos. As dívidas nas quais incorrem ao comprar estes e outros insumos externos são a principal razão para a epidemia de suicídios de agricultores, que, por sua vez, deixam viúvas endividadas e sem terra. Os agroquímicos contaminam a terra e nossos corpos, enquanto as sementes “não renováveis” das corporações agroindustriais atentam contra a biodiversidade e a liberdade dos camponeses.

O acesso às sementes está sendo obstruído por leis que tornam ilegal o manejo pelos camponeses das sementes como um bem comum e concedem ao Estado o poder de dar licenças às variedades, o que obriga os produtores a buscarem a aprovação do Estado por meio do registro das patentes. O pretexto é o controle da qualidade, mas os critérios usados para conceder as licenças, na realidade, negam aos camponeses o direito de utilizar suas próprias sementes tradicionais, forçando-os a adquirir as sementes das corporações agroindustriais.

O governo da Índia tentou introduzir tal lei na forma da Seed Act 2004. Porém, realizamos uma ampla e exitosa campanha de não cooperação e declaramos que economizar e compartilhar sementes era um dever, não um crime, bem como continuaríamos guardando e compartilhando nossas sementes e defendendo a biodiversidade.

No caso da biodiversidade, o desprezo dos bens comuns biológicos está ocorrendo por causa das patentes. As patentes sobre biodiversidade constituem o centro do artigo 27.3 (b) do Acordo sobre Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio da Organização Mundial do Comercio (OMC). Um problema associado com as patentes é o da biopirataria praticada pelas corporações, patenteando a sabedoria indígena e a biodiversidade, como ocorre no caso de patentes sobre trigo, o arroz basmati e outras espécies vegetais autóctones da Índia, como neem e haldi. Desde que uma patente concede um direito exclusivo para usar, produzir, vender os produtos patenteados e processá-los, as patentes sobre a biodiversidade e as sementes, na verdade, impedem o uso e o acesso às sementes como bem comum.

Uma agricultura estável só pode basear-se na vigência dos direitos, fundamentalmente dos direitos dos camponeses e do povo, não das corporações privadas. Envolverde/IPS

* Vandana Shiva é bióloga, ambientalista e escritora.