Jonas Campos, um repórter apaixonado pela Amazônia

Jonas Campos, repórter da RBSTV – Foto: Arquivo Pessoal
Jonas Campos, repórter da RBSTV – Foto: Arquivo Pessoal

 

Um jornalista que carrega no coração duas paixões, o rádio e a Amazônia. Assim é Jonas Campos, repórter da RBSTV desde 2013. Com a experiência de quem já trabalhou no Pará e no Mato Grosso para a Rede Globo, ele defende nesta entrevista uma cobertura permanente e séria na região da Amazônia, onde sonha voltar a trabalhar um dia. Jonas Campos é jornalista há 20 anos.

Formado pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) em São Leopoldo (RS), começou sua carreira na Rádio Gaúcha de Porto Alegre. Já atuou no SBT Curitiba, TV Liberal, TV Centro América e TV Iguaçu. No Pará e no Mato Grosso, atuou em coberturas de repercussão nacional, como ele mesmo conta nesta entrevista exclusiva, concedida em meio à correria da cobertura da Copa do Mundo em Porto Alegre.

Por que você escolheu ser jornalista?

Jonas Campos – Eu escolhi o jornalismo para aproveitar um talento que eu acho que meu pai, minha mãe e Deus me deram que é a minha voz. Eu adoro rádio desde pequeno. Achei que minha voz tinha qualidade para essa profissão. Nas leituras das missas dominicais, eu participava da liturgia lendo a primeira e a segunda leitura sempre. Os velhinhos que ficavam no fundo da igreja ao final da missa diziam “ô rapaz hoje a gente conseguiu ouvir a palavra, porque você realmente lê alto, claro, não fala com a voz na barriga”. Eu ficava feliz com os comentários. Então vi que era um lance interessante buscar o Jornalismo. Gostava de assistir jornais, das transmissões esportivas, então isso serviu de base. Comecei a fazer uma pesquisa sobre qual a profissão que eu iria escolher. O Jornalismo surgiu como a primeira opção mesmo. Todos me alertavam naquela época, em 1990, que era uma profissão que pagava pouco, que tinha plantão no final de semana, feriado, mas eu adorava estar no meio, era curioso, gostava de saber o que estava acontecendo e como acontecia.

O Jornalismo possibilita trabalhar em vários meios de comunicação, qual você se identifica mais?

Jonas Campos – Dos meios eu gosto mais do rádio, adoro rádio, sou apaixonado por rádio. Eu comecei no rádio, na Rádio Gaúcha em 1992, como estagiário. Foi pela Rádio Gaúcha que eu comecei no Jornalismo. Eu também gosto muito da televisão. Ela te oferece um futuro mais interessante para você crescer na profissão, mas o rádio é apaixonante em todos os aspectos.

Como foi a experiência de trabalhar na Amazônia?

Jonas Campos – Eu só posso agradecer a Deus por eu ter tido a oportunidade de ir para a Amazônia. Lá eu conheci outro Brasil, amadureci e aprendi a conviver com situações que aqui no Sul a gente não tem. Eu trabalhei no Pará seis anos, depois eu voltei aqui pro Sul por três anos e em 2008 fui para o Mato Grosso, onde voltei a ter contato com a Amazônia. Eu sou um apaixonado pela Amazônia, pelas coisas de lá, pelo povo que lá vive, são mais de 20 milhões de pessoas. Quando eu cheguei em 1999 no Pará, eu fui fazer uma reportagem sobre trabalho escravo, assunto que aqui no Sul eu nunca tinha ouvido falar. Lembro que quando cheguei lá parecia um filme passando na minha cabeça. A localidade ficava a mil quilômetros de Belém. Religiosos da Comissão Pastoral da Terra me passaram o mapa de uma fazenda onde 140 pessoas eram escravizadas. Que coisa é essa? Eu perguntava para os padres. Tem gente armada? Eles estão amarrados? Acorrentados? E os padres me explicavam que tinha gente armada e que só o isolamento já poderia ser considerado uma forma de escravidão. Você pega 140 trabalhadores e leva para uma fazenda que fica a 300 quilômetros da cidade mais próxima, isso aí é uma forma de aprisionamento, uma forma de escravidão. Eles são obrigados a comprar uma bota com preço superfaturado, comprar um quilo de feijão somente lá na cantina da fazenda, então cheguei e convivi com aquela situação, fiz várias reportagens sobre trabalho escravo, denunciando a exploração do trabalhador, onde a dignidade não existe.

E a questão ambiental?

Jonas Campos – Foi outra situação que a Amazônia me mostrou. Esta preocupação com o meio ambiente eu levei muito da educação do Sul, a preocupação com a árvore em pé. Lembro quando eu entrava naquelas estradinhas com minha equipe de reportagem e a gente ouvia o barulho da motosserra. Aquele barulho tinha dois significados, a transmissão de um som de uma vida que estava se indo e a transmissão de um som aterrorizante, porque eu sabia que era perigoso estar ali mexendo com um interesse tão forte que é a indústria madeireira. Ao denunciar uma exploração ilegal é uma cadeia toda que vai sendo comprometida. Você tem que ter cuidado. Para denunciar a derrubada ilegal da floresta tem que ir a regiões isoladas, longe das cidades, dos grandes centros da Amazônia.

Teve algum episódio que te marcou?

Jonas Campos – Em uma destas reportagens estávamos indo cobrir uma pauta envolvendo sem-terra. Percorríamos a estrada até uma parte que havia árvores do lado direito e do lado esquerdo. Então eu ouvi um barulho de motosserra. Estava com uma equipe muito querida de cinegrafista e motorista, e disse vamos entrar para ver o que estão derrubando. Encontrei o primeiro cara que estava operando a motosserra. Ele derrubou a primeira árvore e a gente filmou aquela árvore caindo, aquele barulho era o som de uma vida que se ia, uma árvore centenária. Junto foram mais umas três ou quatro pequenas, que ainda tinham muito a crescer. Eu perguntei para ele: “mas está árvore derrubou outras três?”. Ele disse que era assim mesmo que funcionava. Em questão de uma hora, aquele grupo de trabalhadores de oito pessoas derrubou mais de uma dezena de árvores. Tudo isso me ensinou muito no Jornalismo. Além da questão da perda de árvores, você tem a corrupção de políticos. Lá eu fui ameaçado.

Sofreste represálias?

Jonas Campos – Fui ameaçado pela turma do Jader Barbalho. Na época ele era o presidente do Senado. Eu espero um dia voltar para a Amazônia. É um lugar que precisa de um jornalismo ativo, porque o povo de lá sofre muito e a imprensa, na medida em que se afasta dos grandes centros, é cada vez mais coronelista, está dominada pelos interesses coloniais. Então às vezes um grande escândalo pra ele sair de lá, mesmo com advento da internet, tem um tempo de maturação, tem um tempo para ficar fermentando só que muitas vezes é um assunto urgente. Por isso é importante ter um jornalismo tipo o dos grandes veículos na Amazônia, e hoje, por exemplo, você não tem. Tem as afiliadas da Rede Globo, que tem repórteres credenciados para fazer as matérias para o Jornal Nacional. A Revista Veja tirou os repórteres dela de lá, a Folha de São Paulo tirou também seus repórteres da Amazônia. A grande imprensa só vai pra Amazônia em situações especialíssimas, quando se mata uma religiosa americana (referência à Dorothy Stang assassinada em 2005 no Pará).

Quando tem uma crise?

Jonas Campos – Exatamente, quando tem uma crise a grande imprensa vai para a Amazônia e não deveria ser assim, deveria cobrir essa parte do território brasileiro com mais atenção.

Você não ficava com medo?

Jonas Campos – Naquela época eu era muito gurizão, a gente vai, vai pelo que está acontecendo ali. E cada vez quer mais e mais, descobrir mais. E hoje seria da mesma forma que antes, só que talvez com um pouco mais de cuidado, mas faz parte do Jornalismo. O jornalista é assim, vai onde está a notícia. Muitas vezes precisa de uma declaração importante pra segurar uma matéria. E essa declaração é uma prova que o jornalismo investigativo busca que pode estar a mil quilômetros de distância e você tem que ir lá, porque a televisão é um meio que a equipe tem que estar presente. Não da para fazer por telefone.

Como é o acesso à Amazônia?

Jonas Campos – O acesso é muito ruim, às vezes leva dois dias pra chegar num lugar, às vezes eu passava dois dias dentro de um barco pra cobrir um acontecimento na ilha de Marajó, região do Brasil com o IDH mais baixo, mais podre, mais miserável. Muitas vezes dormia na estrada, em condições precárias, às vezes quebrava o carro e outra vez ia até de cavalo. Em algumas reportagens não tinha como ir de carro, nem de barco. Só que helicóptero e avião são caríssimos. Isso é um detalhe importante: o jornalismo na Amazônia é caro. Você precisa ter um bom orçamento para chegar a alguns lugares. Uma viagem para você voltar com uma matéria de 1 minuto e 30 segundo chega a custar 2 mil reais. Tem que ter dinheiro.

A preservação ambiental ajuda ou atrapalha o cidadão que mora na Amazônia a viver melhor?

Jonas Campos – Para quem está distante a resposta é óbvia. Vai dizer que ajuda. Agora ela tem que ser feita de uma forma sustentável, de uma forma que se preocupe com o ser humano que está lá. Não adianta de uma hora para outra os órgãos ambientais chegarem lá e fecharem todas as madeireiras em uma cidade, causando assim um desemprego de duas, três mil pessoas que não têm onde trabalhar, pessoas que precisam daquilo para comer, todas têm a carteira assinada e fazem o recolhimento da contribuição previdenciária corretamente, elas pagam seus impostos em dia. Então se o governo tá falhando na fiscalização, deixando que madeiras de lugares sem autorização cheguem às madeireiras, o IBAMA tem que se aprimorar, criando métodos para chegar com o crime acontecendo a fim de evitá-lo. O fiscal geralmente só chega a uma área devastada depois que todas as árvores já caíram e estão mortas.

Pode citar uma reportagem que fizeste sobre isso?

Jonas Campos – Eu fiz uma reportagem que foi exibida pela Rede Globo durante a Rio+20 (Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável realizado em 2012 no Rio de Janeiro). Esse projeto custou só de investimento de jornalismo 30 mil reais, e foi para ar no Jornal Hoje. A ideia era pegar uma área que estava sendo devastada por quadrilhas de ladrões de toras, entrar nesta área tomada por ladrões de madeira, abrir as toras que lá estavam jogadas no chão e colocar os chips de rastreamento. A partir daí ver aonde estas toras iriam para mostrar o seguinte: depois que um caminhão entra na madeireira, aquela carga que ele carrega se torna legal, pois eles botam um documento que esquenta aquela carga roubada, então é necessário que você pegue antes que ele chegue à madeireira, até ele chegar à madeireira ainda há uma chance, mesmo muito reduzida, de descobrir o crime. Na verdade você tem que pegar o crime antes de sair da floresta, olha só a dificuldade, o caminhão sai de uma área de 400 ou 500 quilômetros de distância da serraria. E o Ibama tem que pegar o crime antes do caminhão sair da floresta. E como conseguir isso? Tem que ter inteligência. Com este rastreamento, derrubamos uma quadrilha de 30 pessoas. A reportagem teve como consequência o fechamento de uma serraria. Revelamos a existência de uma quadrilha que estava devastando uma área importante da Amazônia, no norte do Mato Grosso. Até hoje o Ibama não conta com sistema de rastreamento igual ao que nós usamos.

A preservação ambiental não pode ser vista só pelo radicalismo do ambientalista. Não podemos esquecer que lá na Amazônia tem 20 milhões de pessoas que precisam viver, precisam comer, precisam de educação, precisam de renda.

Na tua opinião, o Jornalismo brasileiro cobre pouco os problemas da Amazônia?

Jonas Campos – Claro que cobre pouco. O Jornalismo brasileiro vive de fuxico. Você tem aí um ano eleitoral, se um repórter lá da Amazônia oferecer uma matéria dizendo “olha eu peguei um flagrante de uma derrubada de mil árvores”, você vai ter o editor do Rio de Janeiro e São Paulo dizendo que não quer, porque o jornal e a revista estão cheios com matérias de política de Brasília. Já existiu um espaço muito grande, mas hoje estão reduzidos, os grandes veículos não cobrem bem a Amazônia brasileira, cobrem em cima de clichês. Em muitas vezes uma redação na Avenida Paulista estabelece em uma reunião de pauta e bota seu repórter em campo para comprovar a tese, que foi levantada em uma reunião de pauta no ar condicionado, então a Amazônia sobre o olhar da grande mídia é esquecida, não adianta você valorizar Amazônia só quando você tem uma enchente que deixa 2 ou 3 mil desabrigados, você tem que valorizar a Amazônia em tudo que ela significa, não pode deixar acontecer biopirataria, desrespeito aos direitos humanos, o desrespeito ao direito do trabalhador, desrespeito com a preservação das espécies, desrespeito com as grandes histórias dos vencedores daquele lugar, desrespeito com os seres humanos que todos os dias saem pra trabalhar e também lutam para preservar a floresta e são ameaçados.

E ainda há as inúmeras pessoas na Amazônia que por abraçar a bandeira ambiental são ameaçadas de morte. Quando eu entrevistava um sindicalista ou uma liderança comunitária que dizia que estava sendo ameaçada e sete meses depois a pessoa era assassinada isso não foi um caso, foram vários, tendo como ponto mais nevrálgico o assassinato da Dorothy Stang, a missionária americana. Quantas vezes eu a entrevistei e quantas vezes ela disse que foi ameaçada. Para você ter uma ideia vinte dias depois dela me dar uma entrevista revelando os nomes de quem a ameaçava ela foi assassinada. Então quando eu vi tudo isso acontecendo eu pensei: eu tenho uma filha, que na época tinha dois anos. Então decidi recuar um pouco. Voltei para a região, desta vez no Mato Grosso, em 2008.

Quando que um sindicalista ameaçado vai ser notícia na grande imprensa se não for um famosão, não tiver uma ONG por trás dele? Nunca. Agora se você tiver um repórter lá em Belém, Manaus, Macapá, um repórter atento, um repórter que não se corrompe… Tem outro detalhe importante, o que acontece muitas vezes é de um repórter ser abraçado pelo sistema que lá existe, participa das festas, das solenidades e se sente uma personalidade porque um jornalista famoso passa a ser uma personalidade lá em cima. Assim ele não vai ver todo este problema que acabei de narrar ou vai ver com outros olhos.

A conscientização ambiental parte da imprensa, o jornalista tem essa força?

Jonas Campos – Eu acho que a sociedade toda, governantes, órgãos ambientais, todo mundo tem que participar. Eu estou passado por uma fase crítica em relação à imprensa, eu acho que a imprensa tem que fazer uma autorreflexão do que ela está fazendo, para o que está servindo, muitas vezes ela faz uma leitura dos fatos que não bate com a realidade, uma leitura que só vê um lado, uma leitura que só tem uma visão do cara que nasceu em berço de ouro, do cara que está no ar condicionado decidindo o que vai virar manchete ou não. Eu acho que se o cidadão vive só da conscientização da imprensa ele vai ter um nível de conscientização não completo dos fatos, então hoje ele tem que se informar de tudo que é jeito, ele tem que se interessar e ir atrás do que ele acha importante para sua vida, para formar sua convicção. A imprensa é um dos meios de informação, mas ele precisa buscar outros.

Não é o principal?

Jonas Campos – Talvez seja o principal, eu acho que dentro da imprensa você tem a grande imprensa e você tem imprensa que não é grande, então para você entender toda a realidade é necessário que você leia a grande imprensa e a imprensa que não é grande para assim formar uma ideia do que esta acontecendo.

* Entrevista realizada no dia 12 de junho de 2014 em Porto Alegre (RS) pelo aluno Anderson Furtado para a disciplina de jornalismo ambiental do curso de Jornalismo da UniRitter de Porto Alegre (RS), com edição do professor Roberto Villar Belmonte.

** Publicado originalmente no site Jornalismo Ambiental.