O perfume da Amazônia

Máquinas antigas e uma ideia nova: motor a vapor move os equipamentos que extraem óleo da folha de pau-rosa

Aproveitamento de folhas e galhos amplia em 25% a produção de óleo de pau-rosa.

Em Maués, cidade do interior do Amazonas agora com um padre recém-eleito como prefeito, recomeçou a extração de óleo de árvores de pau-rosa, usado em perfumes. Há uma novidade: são aproveitados não apenas o tronco da Aniba rosaeodora, como antes, mas também os galhos e as folhas, como resultado do trabalho de especialistas de centros de pesquisa e universidades de São Paulo, Pará e Amazonas em conjunto com os produtores. O aproveitamento de folhas e galhos fez a produção aumentar em 25% sem nenhum gasto adicional em matéria-prima, em equipamento ou em ajustes nas técnicas de produção, exatamente as mesmas adotadas para extrair óleo a partir dos troncos das árvores de pau-rosa. Portanto, não foi preciso desenvolver novos materiais ou técnicas de produção. A tarefa difícil, que consumiu 10 anos, foi construir os argumentos capazes de convencer os produtores a fazer o que, embora simples, nunca havia sido feito: aproveitar um material antes descartado.

A possibilidade de uso ampliado do pau-rosa está estimulando o cultivo e reduzindo o corte de árvores da floresta, até há poucos anos a única fonte de matéria-prima. Durante quase um século o corte de árvores nativas foi intenso a ponto de causar o desaparecimento dessa espécie das áreas mais acessíveis e motivar a criação de uma rigorosa legislação regulando o corte e a exploração do pau-rosa, usado predominantemente para a produção de óleo aromático, por causa da madeira macia, desconsiderada para outros usos.

A retomada da produção de óleo de pau-rosa pode reacender o interesse dos grandes produtores de perfumes, que deixaram de incluir esse componente em seus produtos por causa do fornecimento irregular ou de pressões de consumidores, preocupados com a possibilidade de desaparecimento dessa espécie de árvore da Amazônia. “O Chanel n° 5 tinha pau-rosa, mas não tem mais já há alguns anos”, diz o perfumista Olivier Paget, da Mane, empresa produtora de fragrâncias. Desde 1990 ele próprio não incluía esse óleo em suas formulações – e nem o tinha à mão. Os colegas mais velhos diziam que a qualidade dos lotes era irregular, tanto quanto o fornecimento. Agora Paget está considerando o óleo de pau-rosa novamente. A pedido da Chamma da Amazônia, empresa de Belém que produz perfumes e banhos a partir de plantas da região, ele desenvolveu uma colônia masculina com 5% de óleo de folhas de pau-rosa em meio a outros 37 componentes, entre eles tomilho, noz-moscada e gerânio. Se avançar, a Eau de l’Amazonie será um dos primeiros produtos nacionais com óleo de folhas de pau-rosa.

“Estamos há três anos tentando lançar”, relata Fátima Chamma, diretora da empresa. Um dos maiores obstáculos é a legislação, em especial a Medida Provisória 2.186, que impõe regras rigorosas sobre o acesso à biodiversidade e o compartilhamento de benefícios. Apresentada em junho na Rio+20, a colônia pode entrar em produção experimental em 2013, à medida que o fornecimento de matérias-primas se regularizar e a legislação permitir. “Vamos respeitar os limites liberados pelos órgãos do governo”, diz ela. Para complicar, em 2010 o pau-rosa entrou na lista de produtos controlados pela Convenção sobre Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Fauna e Flora (Cites) e, a partir daí, a exportação de óleo começou a ser monitorada e certificada de acordo com os padrões internacionais que assegurem a continuidade da espécie.

A todo vapor

Agora as coisas parecem estar nos eixos. No final de outubro, tão logo recebeu a autorização do Ibama para iniciar o corte de pau-rosa cultivado desde 1989, os Magaldi, uma das famílias mais tradicionais de Maués, ligaram os equipamentos da usina de produção, situada no final da avenida que acompanha a orla, ao lado das praias de areia branca, só visíveis nesta época do ano, quando o rio está baixo, com apenas cinco quilômetros de largura.

Os equipamentos são simples, antigos e potentes. Usando a água do rio, uma caldeira resgatada de um rebocador que afundou há décadas produz o vapor que alimenta um motor, também retirado do rebocador. A saída do vapor excedente produz um som intenso e ritmado, como o de uma locomotiva a vapor. Por meio de correias, o motor move uma serra circular, que corta os troncos, um moinho que tritura as toras e galhos em segundos, e as esteiras que levam o material triturado até os seis destiladores acoplados a condensadores e separadores.

“Agora aproveitamos até o pó do corte dos troncos”, comemora Carlos Magaldi, um dos responsáveis pela produção. “Não perdemos mais nada.” Seu pai, Zanoni Magaldi, 77 anos, que herdou a usina do pai, Francisco Magaldi, e a reformou a partir da década de 1960, instalando os equipamentos atuais, reitera: “Esse é o caminho”. Hoje eles são os únicos produtores em Maués (e um dos poucos no estado do Amazonas), já que as outras empresas locais de extração de óleo de pau-rosa fecharam por falta de madeira ou do crescente rigor da legislação. Depois de um dia de destilação a vapor, o mesmo método usado para produzir óleo de eucalipto, menta e outras plantas aromáticas (ver infográfico), já se pode coletar o líquido espesso verde-claro. A manipulação da madeira e das folhas e a coleta do óleo deixam no ar um cheiro cítrico e adocicado que, para um portador de olfato rudimentar, lembra o de erva-cidreira.

Como passaram quase um ano sem produzir, à espera da autorização do Ibama, agora os Magaldi têm pressa. De um estoque de 11 mil árvores, que começaram a plantar em 1989 prevendo que a madeira poderia faltar nos anos seguintes, querem aproveitar 200 árvores inteiras e os galhos e folhas de outras mil.

Eles sabem que poderiam extrair apenas de galhos e folhas, contribuindo ainda mais intensamente para a recuperação dessa espécie, mas estão produzindo uma mistura de óleo de madeira do tronco e o de galhos e folhas por duas razões. A primeira é que há uma demanda contida, já que a produção esteve parada até agora, enquanto não recebiam o sinal verde do Ibama, essencial para assegurarem a certificação da origem do óleo e poderem vender o óleo. A segunda é que eles acreditam que o blend é mais aceito pelos clientes. “O cheiro do óleo só de folhas não é tão bom”, assegura Zanoni.

Até fevereiro de 2013, eles pretendem produzir 10 tambores (cada tambor contém 180 quilogramas (kg)); a primeira produção aproveitando folhas e galhos, realizada no final de 2011, rendeu 14 tambores. O óleo deve ser vendido de US$ 160 a US$ 200 o quilograma para empresas dos Estados Unidos, da Europa e do Japão, que por sua vez revendem para os produtores de perfumes.

“Não precisamos mais da madeira da floresta”, assegura Carlos Magaldi, com base na área cultivada, de 14 hectares, dividida em quadras com árvores de idades diferentes, e no plano de plantar 10 mil mudas, que por enquanto descansam à sombra em um viveiro ao lado do galpão.

A retórica da ciência

Hoje os argumentos a favor do aproveitamento parecem óbvios, mas não eram até poucos anos atrás. “As folhas e galhos contêm 1,8% de óleo, enquanto a madeira do tronco, no máximo 1%”, informa o químico Lauro Barata, pesquisador associado do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professor visitante da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), em Santarém, no Pará. Ele levantou a possibilidade de aproveitar as folhas, em 2000, em um mapeamento do mercado produtor e consumidor para a Chanel. Aproveitar as folhas foi um dos cenários possíveis que ele apresentou como forma de manter a produção de óleo e silenciar as acusações de organizações ambientalistas de que a empresa francesa de perfumes estaria contribuindo para a extinção dessa espécie de árvore da Amazônia. No início, seu único argumento para tirar óleo de folhas era um artigo de 1957 do químico tcheco naturalizado brasileiro Otto Gottlieb indicando essa possibilidade. Nos anos seguintes, Barata foi a campo, colheu folhas de plantações experimentais em Belém, Santarém e Manaus e aos poucos viu que sua hipótese tinha sentido.

“Não é fácil, mas temos de nos expor”, diz ele. “Vendi a ideia em congressos onde empresários e perfumistas, não os cientistas, eram o público predominante.” Nas apresentações que fazia e nos intervalos dos congressos, ele abria um vidrinho com óleo de folhas diante dos empresários e perfumistas, que, depois de sentirem o novo aroma, lhe diziam que acreditavam na viabilidade comercial do óleo de folhas de pau-rosa.

Em 2005 ele já havia caracterizado quimicamente o óleo de folhas e o da madeira (ver Pesquisa FAPESP nº 111), mas o trabalho de convencimento ainda não havia terminado. Em 2009 Barata passou por outra prova, ao se encontrar com Zanoni Magaldi, que conhecera anos antes, quando fazia o levantamento para a Chanel. Zanoni ouviu desconfiado, já que essa possibilidade nunca havia sido cogitada antes, mesmo que parecesse tão simples, e resolveu conferir. Como primeiro passo, ele pediu para seus fornecedores, que traziam as toras da floresta, recolherem e trazer também os galhos com as folhas. Sim, saía óleo de boa qualidade e, melhor ainda, os clientes gostaram. Eles avaliaram também a rebrota da árvore. “O que nos animou a continuar foi ver a rebrota rápida, após a poda”, conta Carlos Magaldi. “Já pelamos uma árvore e ela rebrotou totalmente.”

Estudos feitos na Unicamp, na Ufopa e no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus, indicaram que a partir de três anos o pau-rosa já pode ser podado, tendo em vista a extração de óleo. Além disso, o óleo de árvores com 4, 10 e 15 anos se mostraram quimicamente equivalentes. As análises realizadas na Unicamp indicaram que o óleo é uma combinação de 53 substâncias. A predominante, que lhe confere o aroma peculiar, é o linalol, cuja concentração pode chegar a 87% na madeira e a 90% nas folhas. Encontrado também em outras plantas, como Croton cajucara, um arbusto conhecido na Amazônia como sacaca, o linalol tem sido usado experimentalmente para combater fungos e larvas de mosquitos como o da dengue.

Por enquanto, o óleo de pau-rosa provém apenas da Amazônia brasileira – na década de 1960 foi o terceiro item regional mais exportado, depois da borracha e da castanha –, mas já se comenta que países vizinhos estejam cultivando essa árvore para disputar um mercado mundial estimado em 40 toneladas anuais.

Barata acredita que o cultivo de pau-rosa pode ser uma alternativa econômica para a soja e o milho, que se expandem em grandes propriedades da Amazônia. “Se meus cálculos estiverem certos, uma área pequena, de 20 hectares, pode produzir uma tonelada de óleo por ano e render US$ 100 mil ou US$ 5 mil por hectare, o dobro do milho e da soja”, ele diz. “Portanto, 2 mil hectares plantados seriam suficientes para abastecer todo o mercado consumidor.” Seu argumento é que o pau-rosa sairá da lista de plantas ameaçadas de extinção à medida que for mais cultivado e valorizado economicamente. Isso já ocorreu, lembra ele, com o açaí, antes derrubado para a extração do palmito e depois preservado e cultivado para a produção dos frutos largamente consumidos em Belém.

“Se eu tivesse dinheiro, investiria em pau-rosa”, afirma o engenheiro florestal Paulo de Tarso Sampaio, pesquisador do Inpa e professor da Universidade Estadual do Amazonas que trabalha com essa árvore há 20 anos. “Acredito no cultivo, não no extrativismo.” Há oito anos ele distribui as mudas que cultiva em um viveiro no Inpa para agricultores e representantes de organizações não governamentais, que as plantam em áreas degradadas. O plantio mais recente, ele conta, foi feito em Presidente Figueiredo, a 125 quilômetros de Manaus, em conjunto com agricultores, que ocuparam cinco hectares com pau-rosa e outras três espécies de árvores, copaíba, andiroba e cumaru, que também produzem óleos essenciais de valor comercial.

Enquanto conta o que tem feito, Sampaio coloca sobre a mesa de um dos laboratórios em que trabalha uma garrafa de vinho quase cheia com óleo verde-claro, colhido de folhas e galhos de pau-rosa com cinco anos de idade cultivado em Maués, que Patrícia Sayuri Takeda, de sua equipe, extraiu e analisou. Por meio de estudos de campo, feitos em cultivos comerciais como o dos Magaldi e em uma reserva florestal de 10 mil hectares (ou 100 quilômetros quadrados) próxima a Manaus, Sampaio observou que o pau-rosa é uma árvore muito sensível à luz e à competição com outras plantas durante o primeiro ano de vida, mas depois se mostra generosa e aos 3 anos de idade fornece 16 kg de galhos e folhas. Segundo ele, uma das maiores limitações do cultivo de pau-rosa é a produção de sementes, muito predadas por tucanos enquanto estão na árvore e, depois de colhidas, muito atacadas por insetos.

O grupo do Inpa está examinando a distribuição geográfica da diversidade genética das populações nativas, métodos para identificar a origem das sementes e mudas, as melhores formas de controle de pragas, adubação e cultivo de pau-rosa. Em Maués, os Magaldi testaram várias possibilidades e concluíram que o melhor espaçamento entre as árvores é de 2,5 metros entre cada árvore e 3 metros entre as fileiras de árvores.

O conhecimento adquirido está sendo disseminado não só em artigos científicos, mas também em publicações de amplo alcance como o Manual de sementes da Amazônia – Pau-rosa (Editora Inpa, 2011), do qual Sampaio é um dos autores, e o Guia de propágulos e plantas da Amazônia (Editora Inpa, 2008, Prêmio Jabuti 2009), coordenado pelo ecólogo e pesquisador do Inpa José Luís Camargo.

As erveiras de Belém

A articulação entre pesquisadores, empresários, consumidores e representantes do governo talvez ajude a ampliar o uso tradicional de plantas para a produção de perfumes, banhos, chás, pomadas ou remédios, evidente no mercado Ver-o-Peso, no centro histórico de Belém. Ali, em dezenas de bancas, as erveiras – geralmente são mulheres – vendem cascas de árvores, folhas, raízes e vidros de perfumes de nomes curiosos – Chama Freguês, Pega Mulher, Chora aos Meus Pés, Dinheiro em Penca –, o clássico Cheiro do Pará, o Banho de Amor e pomadas como a de andiroba, indicada para artrite, artrose e dores musculares. Um dos destaques, que as vendedoras anunciam quase sempre, é o Viagra Natural, uma mistura de marapuanã, arranca-toco, embiriba, ginseng, guaraná, moleque-seco e jucá; o rótulo, além da composição, traz a recomendação: “Tomar três vezes ao dia”. A sobreposição de cheiros agradáveis e desagradáveis e de vozes cria uma atmosfera inebriante.

“Vocês conhecem alguma mulher mais bonita do que eu?”, uma mulher baixa, morena e alegre pergunta a quem entra em um dos corredores de bancas de ervas e perfumes. É Clotilde Melo de Souza, a dona Coló, com galhos de arruda presos nos brincos em formato de pimenta-vermelha. Ela tem 58 anos e há 33 anos está ali, com uma banca que exibe um São Jorge à frente dos vidros de perfumes, pomadas e banhos. Dois filhos e uma filha têm bancas no mesmo corredor, quase em frente à dela. “Aqui é minha casa, é meu trabalho”, ela se orgulha. “Daqui só saio quando morrer.”

Outra vendedora é igualmente atenciosa, mas desconfiada: “Vocês não vão prejudicar a gente, não é?”. Em 2005 as erveiras se sentiram lesadas e acusaram judicialmente uma empresa nacional de cosméticos que produziu perfumes a partir das informações que elas forneceram, sem lhes oferecer nenhuma retribuição. A implantação e disseminação das novas técnicas para extração do óleo de pau-rosa talvez indiquem como aproveitar uma planta nativa sem levá-la ao extermínio e com benefícios compartilhados.

Barata tem 70 anos e sabe que ainda há muito por fazer. Como se deu com o pau-rosa, os avanços exigirão muita pesquisa e retórica. Ele conta que convenceu um plantador de soja de Santarém a ceder uma área de dois hectares para fazer um plantio experimental de um capim nativo da Amazônia, a priprioca (Cyperus articulatus), cujo rizoma, vendido no Ver-o-Peso por R$ 5 por unidade, é usado na produção de perfumes e pode propiciar um retorno financeiro em apenas um ano, bem menos que os cinco da soja. Outro plano para 2013 é iniciar os testes do óleo de macacaporanga (Aniba parviflora), uma árvore cujas folhas também produzem óleo aromático.

No Inpa, Adriana Manhães, pesquisadora da equipe de Sampaio, conduziu um estudo que indicou a diferença da composição do óleo das folhas e ramos da preciosa (Aniba canelilla), que também era cortada para extração do óleo. Estima-se em 350 o total de espécies de plantas aromáticas da Amazônia, mas apenas 10 são aproveitadas comercialmente em perfumes, medicamentos, cosméticos ou produtos capazes de deixar um cheiro agradável no corpo, na roupa ou nas casas.

* Publicado originalmente no site Revista Fapesp.