Paraíba do Sul, um rio que desperta para sua importância

As cidades brasileiras estão, em sua maioria, de costas para seus rios. No Vale do Paraíba essa realidade começa a mudar e o rio assume a centralidade em um debate que vai além da simples distribuição de suas águas em partilhas políticas

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Rio Paraíba do Sul.

O Paraíba do Sul é o caudatário da vida em uma extensa região que desde os tempos do Império tem importância vital para o Brasil e serve como elo entre as duas maiores regiões metropolitanas da América do Sul. Além disso, é o manancial de água que abastece cerca de 15 milhões de brasileiros em três estados. Nos últimos tempos tem sido foco de um intenso debate político em relação à partilha de suas águas, mas sem a contrapartida de garantir a qualidade e a quantidade da água que corre de São Paulo em direção ao Rio de Janeiro.

Esse debate burocrático, travado em gabinetes longe das encostas da Mantiqueira, serra que a tudo assiste, não leva em conta a necessidade de preservação e recuperação de matas e áreas de recarga do rio e de seus afluentes. Para reverter esse quadro a organização Corredor Ecológico Vale do Paraíba reuniu cerca de 80 pessoas, em 31 de maio, no campus da Univap, em São José dos Campos, para dialogar e propor caminhos para uma ação efetiva de recuperação da qualidade e volume das águas do rio Paraíba do Sul.

Com a participação de organizações como a SOS Mata Atlântica, TNC (The Nature Conservancy), Agência Nacional de Água, Comitê de Bacias do Paraíba do Sul, INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e do Instituto Ethos, o seminário “O Futuro do Presente das Águas do Paraíba do Sul” conseguiu reunir atores já engajados em diversas militâncias relacionadas às causas ambientais e sociais da região para lançar foco na questão central, o rio. Para José Luciano Penido, presidente do Conselho da Fibria e conselheiro da organização Corredor Ecológico, a qualidade da gestão da bacia hidrográfica do Paraíba do Sul se reflete diretamente no desenvolvimento social e econômico da região. “Empresas que atuam na região precisam de garantias em relação ao recurso, caso contrário migram para regiões onde o abastecimento seja estável”, explicou. Isso, segundo Penido, se reflete diretamente na manutenção da qualidade de vida na região, que depende de bons empregos, que por sua vez precisam de pessoas com boa formação e vivendo em ambientes saudáveis. “É um círculo virtuoso”, explica.

Penido falou a uma plateia com cerca de 200 pessoas sobre o trabalho que o Corredor Ecológico vem fazendo com a interligação de manchas florestais na região, uma forma de preservar fauna e flora local. “Já plantamos 600 campos de futebol de florestas e vamos chegar a 6 mil hectares, o que permitirá a interligação de 160 mil hectares de florestas”, explicou. Para ele isso vai significar mais qualidade de vida, mais água e mais desenvolvimento econômico para o Vale do Paraíba.

O pesquisador do INPE, Gilvan Sampaio, fez uma palestra de inspiração na abertura do seminário, onde alertou para alguns dados já comprovados em relação às mudanças climáticas, como a redução da frequência de dias frios na região sudeste do Brasil, assim como o aumento de noites e dias quentes. Ou seja, as temperaturas mínimas e máximas estão mais altas com forte impacto sobre a atividade agrícola e sobre a presença de insetos vetores de doenças como a dengue. Sampaio destacou que as chuvas estão diminuindo no inverno e aumentando no verão. “Tempestades não ajudam na preservação dos mananciais, porque as enxurradas arrastam sedimentos e comprometem as calhas de rios e represas”, explicou o pesquisador. Ele contou que chuvas maiores do 50 mm praticamente não existiam antes dos anos 50 em São Paulo, e que chuvas com essa intensidade aconteceram 22 vezes na região de São José dos Campos entre 1970 e 1985 e que em 2010 chegou-se a 45 eventos desse porte.

O seminário prosseguiu com a realização de duas mesas de diálogos, a primeira com o tema “Preservação e produção das águas do rio Paraíba do Sul”, medida pelo jornalista Julio Ottoboni, e a segunda sobre “Ações e diretrizes voltadas para a conservação”, com a mediação de Sergio Esteves da AMCE Negócios Sustentáveis. Ao final o gerente de políticas públicas do Instituto Ethos, Caio Magri, buscou consolidar tudo o que foi dito com a formação de um Grupo de Trabalho para propor ações concretas de preservação e uso sustentável das águas do rio Paraíba do Sul. A  condução dos trabalho foi da jornalista Maria Zulmira, da Planetária, que atuou como mestre de cerimônia,  e o evento teve como patrocinadores a Fibria e o banco Santander.

Para o diretor de mobilização da SOS Mata Atlântica, Mario Mantovani, um dos principais problemas é a priorização de obras de infraestrutura em detrimento da realização de trabalhos de preservação e contenção da degradação das áreas de proteção e recargados rios. “Os 5 metros previstos no novo Código Florestal não garantem nada, sequer dá para planta uma árvore”, explica. Para ele é importante que as cidades da região avancem em direção a uma garantia de preservação de ao menos 30 metros nas margens dos rios como forma de garantir a qualidade das águas.

Essa distância também poderia ajudar a manter uma vazão adequada ao rio, uma vez que a partilha com as cidades e estados depende de uma vazão mínima. Para André Luis de Paula Marques, da AGEVAP (Agência de Bacias do Paraíba do Sul), em 2014 estamos vivendo a maior seca na região desde que as medições foram iniciadas, maior que a de 1955 e o volume médio do rio está 33% menor do que naquele ano. Para ele essa vazão pode comprometer ao atual modelo de partilha, que prevê uma vazão mínima de 119 metros por segundo para o Rio de Janeiro.

A pesquisadora da Agência Nacional de Águas (ANA) Cristianny Villela Teixeira alertou para a necessidade de se implantar mecanismos eficazes de pagamentos por serviços ambientais, e citou o exemplo do Nova Iorque, onde mais de 20 anos atrás foi criado um modelo de gestão que garantiu a qualidade das águas que abastecem a cidade a partir de um pactos com as regiões onde estão as nascentes dessas águas. Seus dados mostram que quanto maior o volume de chuvas em uma região em um período de tempo pequeno, menor é a capacidade de aproveitamento e reservação. “O Brasil vive um grande problema de perda de solo e assoreamento dos cursos d’água por conta das chuvas muito fortes”, explicou a pesquisadora.

Este cenário, segundo o professor Wilson Cabral, do ITA e da Rede Vale, é causado por um padrão civilizatório incapaz de uma solidariedade com as próximas gerações. Ele disse que normalmente os economistas são pessimistas e os estudiosos da economia ecológica são mais pessimistas ainda. “Extraímos o pior de duas grandes revoluções da humanidade, a industrial, da qual endeusamos o consumismo, e a francesa, onde liberdade, igualdade e fraternidade se tornaram uma ode ao individualismo”, explicou. Para ele uma das iniciativas que deveriam regular essa degradação é o Plano Diretor de todas as cidades, mas  “ao invés de regular a ocupação e uso do solo, as novas leis servem apenas aos interesses mesquinhos do mercado”, disse o professor.

Uma das iniciativas consideradas importantes para a reversão do cenário de degradação é o Pagamento por Serviços ambientais, tese defendida por Samuel Barrêto, da TNC.  Para ele as questões de segurança hídrica, segurança alimentar e segurança energética  estão interligadas e o grande desafio á conseguir mostra isso para a sociedade de forma a construir um grande pacto para a proposição de ações. “A Cantareira perdeu 70% de sua cobertura florestal nos últimos anos e o avanço da degradação continua”, disse. E alertou para a necessidade de ações que consigam escala no diálogo com a sociedade.

O representante do Comitê de Bacias do Paraíba do Sul, Nazareno Mostarda, foi enfático ao dizer que é preciso que os entes envolvidos nesse processo de gestão sejam solidários e capazes de dialogar, entre si e com a sociedade. “A água é um bem fundamental e nossa crise civilizatória está ameaçando a nossa própria sobrevivência”, explicou.

Foram feitas muitas críticas ao código florestal e à gestão ambiental em todos os níveis, mas uma coisa boa foi lembrada. José Luciano Penido lembrou que um dos fatores de degradação é a insegurança fundiária em diversas regiões e que o Código Florestal aprovou o Cadastro Ambiental Rural (CAR), que permite a construção de um banco de dados sobre todas as propriedades brasileiras. “Desde que implantado em todo o país”, alertou Mário Mantovani.

Ao final do evento o diretor de políticas públicas do Instituto Ethos, Caio Magri, fez um trabalho de facilitação para a criação de um Grupo de Trabalho para propor ações concretas em defesa do Paraíba do Sul.  Magri detalhou quatro pontos para a atuação do GT:

  • Formulação e proposição de um conjunto de políticas públicas que incentivem a implementação do desenvolvimento sustentável;
  • Medidas para enfrentamento das mudanças climáticas;
  • Conservação, restauração e fortalecimento da resiliência dos ecossistemas do rio Paraíba do Sul;
  • Participação da sociedade civil em um novo modelo de governança da água;

Com apoio dos participantes no debate de 31 de maio, o GT terá uma agenda com a primeira reunião em 18 de junho, quando as ações e propostas deverão começar a tomar forma para, em seguida, convidar candidatos a governo, prefeitos e secretários municipais da região para conhecer os diagnósticos e propostas para um futuro sustentável para o rio Paraíba do Sul e os ecossistemas adjacentes. (Envolverde)