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Pediatras ambientais

Imagem ilustrativa. Foto: Divulgação

Buenos Aires, Argentina, 7/1/2013 – Há pouco mais de dez anos, um grupo de pediatras argentinos trabalha, de modo complementar, a favor do cuidado ambiental e na proteção da saúde infantil. A premissa parece básica, mas a tarefa é cada vez maior e complexa. “Não podemos sanear um rio ou dar a uma família uma nova casa, mas podemos ensiná-la a clorar a água”, disse à IPS a médica Stella Maris Gil, coordenadora da Unidade Pediátrica Ambiental (UPA) do Hospital Pedro de Elizalde, especializado em pediatria, no bairro Constituição, em Buenos Aires.

A UPA dá assistência sanitária com um olhar profundo sobre a questão ambiental, educa a população que frequenta o hospital, capacita médicos e realiza pesquisas, explicou Gil junto com outros pediatras da unidade. “A ideia surgiu com a crise de 2001”, conta a médica, se referindo ao colapso econômico e social do final daquele ano, quando a pobreza e o desemprego atingiram níveis sem precedentes neste país e o impacto também foi sentido na saúde.

“Víamos muita patologia relacionada com más condições de vida. Doenças respiratórias, gastroenterite, infecções na pele. Então, decidimos fazer cursos sobre o impacto da contaminação ambiental na saúde, e elaboramos um projeto com a intenção de cuidar do meio ambiente para proteger melhor a saúde infantil”, explicou Gil. O projeto, que desembocou na UPA, tem um componente assistencial “com um olhar profundo para o ambiental”, ressaltou a médica, acrescentando que “também apresenta um componente de educação para a população, outro de capacitação de nossos colegas e de nós mesmos, e, ainda, de pesquisa em temas ambientais”.

A direção do hospital aceitou a proposta e algum tempo depois, em 2005, o governo da Cidade Autônoma de Buenos Aires fez sua parte: criou a primeira UPA, uma modalidade que depois foi reproduzida em outros hospitais em diferentes partes do país. No começo, seus colegas olhavam com desconfiança, contam os integrantes da unidade, mas com a crescente difusão dos temas sobre mudança climática começaram a considerá-los e consultá-los.

Este tipo de unidade já existe em outros países, como Estados Unidos, Canadá, México ou Espanha. A Organização Mundial da Saúde a recomenda para focar a atenção sanitária no período da vida em que se registra maior vulnerabilidade ao impacto da contaminação. Os pediatras seguem a ideia de que crianças “não são adultos pequenos”. Seus órgãos estão em desenvolvimento e seu sistema fisiológico e metabólico é imaturo. E ainda mais no caso da vida intrauterina, quando os danos podem ser fatais ou irreversíveis, alertam.

Além de atenderem os pacientes e ajudarem em consultas quando os médicos suspeitam de patologias ou sintomas de exposição a contaminantes, os pediatras da UPA trabalham muito com a família quanto à prevenção. “Nos preparamos para trabalhar com a doença, mas o principal é prevenir. Nos últimos anos, houve uma mudança nesse sentido, antes a saúde era a medicina”, afirmou Graciela Masu, médica da equipe. Com esta ideia, a UPA realiza jornadas de capacitação para colegas, realiza reuniões com as famílias na sala de espera enquanto aguardam as crianças serem atendidas e impulsionam projetos como o da substituição de termômetros de mercúrio ou o uso mais cuidadoso dos exames que expõem os pacientes à radiação.

Os termômetros de mercúrio são muito contaminantes caso quebrem. A campanha serviu para substituí-los, primeiro no hospital, e depois nos demais. O governo de Buenos Aires deixou de comprá-los, afirmou Masu. De todo modo, nem sempre é fácil fazer mudanças. “Em nossa função, podemos assessorar as mães sobre quais são as melhores condições de vida para seus filhos se desenvolverem, sobre a importância da higiene, de não fumar, da limpeza das caixas d’água, do consumo e do lixo”, explicou  a médica. “Não pensamos em como erradicar os lixões porque isso não depende de nós. O que procuramos fazer é melhorar o ambiente interior”, destacou.

Outra campanha importante realizada, foi sobre a radiação ionizante proveniente do uso frequente de radiografias, radioscopias ou tomografias. “As crianças são mais vulneráveis a estas radiações e podem ficar com uma propensão maior para desenvolver leucemias ou câncer de tireoide”, alertou Gil. Também admitiu que não se pode prescindir destas ferramentas de diagnóstico, mas considerou necessário conscientizar sobre “o uso racional e sempre justificado” destes estudos quando se trata de neonatologia ou pediatria.

Também são feitas campanhas sobre o impacto da radiação ultraviolenta, tema crucial em um país afetado pela redução da camada de ozônio, que permite a passagem de radiações prejudiciais para a pele se não for usada a devida proteção solar, particularmente em crianças. No entanto, entre todos os contaminantes, o que lidera a lista das preocupações é a fumaça do cigarro, que polui o ar dentro de casa e provoca doenças respiratórias nas crianças. “O cigarro é o grande flagelo porque provoca nascimentos prematuros, baixo peso ao nascer e mortalidade infantil”, ressaltou Gil.

A seguir estão os temas manejo do lixo, que em bairros periféricos se acumula à intempérie e contamina o ar, o solo e as camadas de água, e o uso de pesticidas. “Vemos muitos parasitas, diarreias, infecções, doenças transmitidas por vetores como dengue ou hantavírus”, dizem as médicas. Em menor proporção se vê doenças mais graves. “Nem sempre se pode relacionar uma enfermidade grave com a contaminação, embora muitas vezes se encontre restos de chumbo, benzeno e outras substâncias no sangue, na urina ou nos cabelos. Por isto, é preciso buscá-los”, ressaltaram.

Gil disse que antes havia limites permitidos para a tolerância a determinados contaminantes, mas, atualmente em pediatria, se considera que qualquer exposição pode ter um impacto no curto, médio ou longo prazos. Atualmente, há no hospital sete casos de gastroesquistosomose, uma má formação congênita na parede abdominal que hoje é vista com mais frequência do que há alguns anos, apontou a médica, e que estaria relacionada com a exposição da mãe a contaminantes durante a gravidez.

A pediatra afirmou que para a unidade é essencial o trabalho do serviço de toxicologia que assessora na recomendação de exames complementares que podem ser feitos diante de determinados sintomas ou suspeitas. Outro problema vinculado ao meio ambiente e às condições de vida é o abuso de álcool e de drogas entre adolescentes grávidas, que expõe a criança e elas mesmas a maiores riscos de impacto no desenvolvimento futuro. Envolverde/IPS