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Subdivisão de terras ameaça a segurança alimentar na África

Mary Wanjiru é uma agricultora do condado de Nyeri, no centro do Quênia. Os especialistas afirmam que a subdivisão da terra se converte em uma ameaça significativa para a segurança alimentar. Foto: Miriam Gathigah/IPS
Mary Wanjiru é uma agricultora do condado de Nyeri, no centro do Quênia. Os especialistas afirmam que a subdivisão da terra se converte em uma ameaça significativa para a segurança alimentar. Foto: Miriam Gathigah/IPS

 

Nairóbi, Quênia, 12/9/2014 – Quando Kiprui Kibet imaginava seu futuro como produtor de milho em um fértil condado de Uasin Gishu, na região do Vale do Rift, no Quênia, tudo o que vinha à sua mente era um terreno cada vez menor. “Tive 40 hectares, mas agora só me resta 0,8. Meu pai teve dez filhos e todos quisemos ter um pedaço de terra. A subdivisão come as terras aráveis”, observou à IPS. “Das 3.200 sacas que costumava produzir, agora só consigo 20, e às vezes menos”, acrescentou.

Inúmeros especialistas concordam que a subdivisão de terras se converte em ameaça significativa para a segurança alimentar na África. Estatísticas da Organização para a Alimentação e a Agricultura (FAO) mostram que a maioria dos agricultores africanos cultiva em menos de um hectare. Segundo a FAO, nos últimos dez anos a proporção entre terra e trabalhadores agrícolas no Quênia diminuiu de 0,264 para os atuais 0,219. Isto é, o número de pessoas com pelo menos um hectare neste país diminuiu 17% na última década. No mesmo período, o número de pessoas com um hectare cultivável caiu 13% em Zâmbia e 16% em Uganda.

Allan Moshi, especialista em políticas de posse da terra na África subsaariana e residente em Zâmbia, pontuou à IPS que, apesar de os investidores correrem para a África subsaariana e oriental para adquirir vastas extensões de terras, esse fenômeno “reduz o espaço disponível para a população local e o que lhes resta ainda é subdividido por questões de herança”.

A subdivisão da terra aumenta pelo crescimento da população e pelos direitos hereditários, “bem como por uma mudança na posse tradicional para a propriedade individual, baseada na crença de que assim as pessoas podem explorar com maior eficácia o potencial produtivo da terra”, explicou Moshi. Segundo o estudo da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) de 2012, Emerging Land Issues in África (Problemas Emergentes Relativos à Terra na África), 25% dos jovens de áreas rurais não herdavam nada porque não restava nada para herdar.

“A gente quer ter um título de propriedade ainda que signifique subdividir a terra em porções que não são economicamente viáveis, enquanto aos grandes investidores interessam os cultivos de grande valor, especialmente a horticultura, o que limita os terrenos disponíveis para o cultivo de alimentos”, acrescentou Moshi.

Os pequenos produtores africanos respondem por pelo menos 75% da produção agrícola, segundo a FAO. “Esses pequenos agricultores produzem mais do que as grandes explorações, que costumam permanecer inativas, pois os investidores as ocupam com fins especulativos e raramente cultivam”, afirmou à IPS o especialista Isaac Maiyo, da organização Schemers, do Quênia. Em Botsuana, 93% dos agricultores são de subsistência, acrescentou. “Têm menos de 8% das terras aráveis e ainda assim concentram quase 100% da produção de milho do país”, ressaltou.

Em Zâmbia, 41,9% das propriedades têm menos de um hectare, e pelo menos 75% dos pequenos agricultores trabalham em menos de dois hectares. Perto de 617 mil propriedades de menos de um hectare, em média, produzem cerca de 300 mil toneladas de milho. Por outro lado, há 6.266 com dez a 20 hectares que produzem 145 mil toneladas de milho.

Anthony Mokaya, da organização queniana Lands Alliance, disse à IPS que muitos países africanos ainda devem aprovar leis para regular a subdivisão de terras cultiváveis. África do Sul e Quênia contam com leis para regular a subdivisão, mas, segundo Mokaya, “são bastantes ineficazes”.

A Lei de Agricultura do Quênia estabelece de forma inequívoca que as terras aráveis não serão subdivididas abaixo de 0,8 hectare, mas Kibet afirmou que “muitos agricultores não conhecem a lei”, e explicou que “a dividimos, não com base na lei, mas segundo o número de descendentes interessados em um pedaço de terreno, especialmente quando se trata de herança”.

A Lei de Terras Agrícolas da África do Sul proíbe a “subdivisão até o ponto em que as novas parcelas criadas sejam tão pequenas que a agricultura se torna economicamente inviável”. Os proprietários agrícolas sul-africanos são proibidos por lei de dividir a terra sem aprovação do Ministério de Agricultura, Silvicultura e Pesca. Mas, como em muitos outros países africanos, a subdivisão de terras aráveis não foi feita segundo a lei, indicou Moshi.

Amos Thiong’o, da Agri-ProFocus Kenya, uma rede de organizações dedicadas à agricultura industrial, afirmou à IPS que as muitas subdivisões também afetam a mecanização do setor. “As pequenas propriedades exigiriam tecnologia para fazer uma produção muito intensiva, como a hidroponia, em que as plantas são cultivadas em uma solução mineral, em lugar de ser cultivada no solo”, afirmou. Algumas produtoras de flores em Naivasha, no Vale do Rift, já usavam essa tecnologia, “mas exige muita água”, destacou.

Titus Rotich, responsável de extensão agrícola na região queniana do Vale do Rift, disse que “as propriedades estão ficando tão pequenas que com o tempo já não serão economicamente viáveis”. Segundo ele, “as famílias que, há dez ou 20 anos, tinham cerca de 40 hectares, agora devem se arrumar com menos de um. Ou seja, a terra só é usada para construir uma casa e cultivar no quintal dos fundos algumas verduras e criar umas galinhas”.

Segundo Rotich, um agricultor produzia entre 28 e 38 sacas de 90 quilos em apenas 0,4 hectares. “Cada uma é vendida entre US$ 35 e US$ 50, segundo a região. Mas agora muitos agricultores têm sorte se conseguem produzir 20 sacas, pois também têm sua casa, suas vacas, seus frangos, etc. em 0,4 hectare, em lugar de só cultivar”, enfatizou. Envolverde/IPS