TERRAMÉRICA - Acidez oceânica confunde os moluscos

Um caranguejo em plena caça do molusco loco (Concholepas concholepas). Cortesia: Patricio Marínquez

Quando o dióxido de carbono que os oceanos absorvem se dissolve na água marinha, surge o ácido carbônico e diminui a disponibilidade de carbonato, vital para a formação de partes duras de muitos organismos marinhos.

Monterey, Estados Unidos, 1 de outubro de 2012 (Terramérica).- A mudança climática alterará o olfato dos caracóis marinhos do Chile, que possibilita que fujam de seu arqui-inimigo, um caranguejo predador, afirmam cientistas desse país, que apresentaram suas descobertas em um simpósio nesta cidade californiana do oeste dos Estados Unidos. Pesquisadores da Austrália revelaram que, na medida em que os oceanos se acidificam, alguns peixes se tornam hiperativos, se confundem e se aproximam de seus predadores, em lugar de se afastar deles.

“As condições oceânicas estão mudando cem vezes mais rápido do que em qualquer outro momento do passado”, explicou ao Terramérica o pesquisador Jean-Pierre Gattuso, do Laboratório de Oceanografia de Villefranche, na França. As mudanças climáticas deixam os mares mais quentes e mais ácidos. “Estamos começando a entender o que ocorrerá. Creio que podemos esperar o pior”, advertiu.

Gattuso é um dos quase 600 cientistas de todo o mundo que apresentaram suas pesquisas entre 24 e 27 de setembro no terceiro simpósio The Ocean in a High-CO2 World: Ocean Acidification (O Oceano em um Mundo com Elevado Dióxido de Carbono: a Acidificação Oceânica). Há apenas uma década, a ciência descobriu que a queima de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás) deixa as águas dos oceanos 30% mais ácidas do que no começo da Revolução Industrial.

Os oceanos absorvem um terço do dióxido de carbono (CO2) derivado de atividades humanas. Quando o CO2 se dissolve na água do mar, forma-se o ácido carbônico. Este fenômeno, conhecido como acidificação oceânica, reduz a disponibilidade de carbonato, tornando mais difícil a formação de partes duras de muitos organismos marinhos, que para isso necessitam de carbonato de cálcio. A combinação de maior acidez e menor concentração de carbonato na água também tem consequências nas funções fisiológicas de numerosos seres vivos. Isto é química oceânica básica e irrefutável.

A acidificação aumentará, já que continua sendo liberado dióxido de carbono, segundo os cientistas reunidos em Monterey. A acidez crescente já afeta os arrecifes de coral, certos moluscos e outras espécies com partes duras, como conchas ou esqueletos, detalhou Gattuso. Os pterópodes, moluscos nadadores muito pequenos, estão ficando “nus”, sem suas conchas protetoras, devido ao aumento da acidez. Esta espécie é alimento de muitas outras e constitui um elemento importante no Oceano Antártico, entre outros, afirmou.

Mais surpreendentes são os efeitos subletais, como as mudanças de conduta documentadas nos últimos tempos. Em um sofisticado experimento, cientistas chilenos expuseram o abalone chileno (Concholepas concholepas), um caracol marinho de carne muito apreciada, às concentrações de acidez que, se prevê, os oceanos terão antes do final deste século.

Este animal “é um alimento de grande importância social e econômica” no Chile, disse ao Terramérica o pesquisador Patricio Marínquez, do Instituto de Ciências Marinhas e Limnológicas da Faculdade de Ciências da Universidade Austral, desse país. O principal predador do abalone chileno é o Acanthocyclus hassleri, um caranguejo carnívoro. Os abalones podem sentir o cheiro dos caranguejos e fugir para não serem comidos.

Marínquez e seus colegas construíram tanques especiais onde regularam a acidez da água marinha. Coletaram larvas de abalones no norte, centro e sul do Chile e as criaram nos tanques durante cinco a seis meses, em diferentes condições de acidez, explicou o cientista ao Terramérica. Mais tarde, os pesquisadores colocaram caranguejos nos tanques onde estavam os caracóis, para estudar como interagiam predador e sua presa em diferentes graus de acidez.

Assim, observaram que em águas com acidez correspondente a uma concentração atmosférica de dióxido de carbono entre 390 partes por milhão (ppm), como a atual, e 750 ppm, os abalones imediatamente tentavam se afastar o mais possível dos caranguejos. Em níveis de acidez superiores, correspondentes a mil e 1.200 ppm de dióxido de carbono na atmosfera, os caracóis ficaram confusos, com deslocamentos erráticos e frequentemente em direção aos caranguejos. Isto é bom para os caranguejos, mas nem tanto para os caracóis, ponderou Marínquez.

Se não houver reduções drásticas das emissões contaminantes, essas elevadas concentrações de CO2 poderão ser alcançadas no final deste século. “Não foram registradas mudanças no ritmo de crescimento nem no tamanho dos caracóis”, observou o cientista. Porém, estão sendo feitos pelo menos dez estudos adicionais sobre o efeito da acidez em cascas e larvas, entre outros aspectos. Atualmente, dez cientistas e 35 estudantes de diferentes disciplinas investigam os impactos da acidificação oceânica no Chile, país com extenso e rico litoral marinho.

Entretanto, persiste o desafio de fazer com que suas descobertas sejam publicadas em revistas científicas arbitradas, enfatizou Marínquez. “Frequentemente questionam nossos métodos e perícia”, apontou, se referindo aos árbitros das revistas que julgam as pesquisas antes de serem publicadas. Marínquez se queixou de que esse tratamento para trabalhos chilenos vai além do aceitável, o qual não experimentou quando se apresentou para colaborar com uma instituição pesquisadora britânica.

Do outro lado do Pacífico, cientistas australianos descobriram que a acidez oceânica afeta o comportamento de alguns peixes de arrecifes tropicais. A acidez da água também leva à acidificação dos tecidos internos desses peixes. Embora estas espécies suportem a mudança, “concluímos que há efeitos subletais”, afirmou no simpósio o pesquisador Philip Munday, da Escola de Biologia Marinha e Tropical da Universidade James Cook.

O grau de acidez oceânica previsto para depois de 2050 altera o sistema nervoso central de alguns peixes de arrecifes de coral, modificando seus sentidos do olfato, da audição e da visão, além de sua conduta, explicou Munday. “Aumenta o nível de atividade, comportamento e ousadia. Se tornam mais ativos e adotam condutas mais perigosas”, afirmou. Em consequência, em um meio mais ácido duplicam as probabilidades de acabarem no sistema digestivo de algum predador.

No entanto, os predadores também são afetados, e são menos eficientes para pegar suas presas. Por exemplo, “os predadores se dirigiram a presas diferentes, algo que não esperávamos. Será difícil prever todos os impactos de uma acidez oceânica maior”, opinou Munday. Entretanto, a comunidade científica reunida em Monterey concorda que a pesca excessiva, especialmente a de arrasto, é a principal ameaça imediata aos ecossistemas costeiros.

A acidificação e o aquecimento das águas são as principais preocupações para os próximos anos. Contudo, esses problemas são mais complexos e levará mais tempo para resolvê-los, indicou Gattuso. Contudo, existem evidências suficientes para aconselhar os governos a atuarem já para reduzir as emissões de dióxido de carbono e proteger os oceanos para o futuro, concluiu. Envolverde/Terramérica.

* O autor é correspondente da IPS.

 

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Laboratório de Oceanografia de Villefranche, em francês

Instituto de Ciências Marinhas e Limnológicas – Chile, em espanhol

Projeto Anillo sobre acidificação oceânica – Chile, em espanhol

Escola de Biologia Marinha e Tropical – Austrália, em inglês

 

Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.