TERRAMÉRICA - Agricultura urbana brota nas favelas

Luiz Alberto de Jesus junto dos canteiros recém-plantados em seu terraço na favela Babilônia. Foto: Fabíola Ortiz/IPS

A agricultura orgânica marca tendência nas grandes cidades do mundo e da América Latina. E as favelas brasileiras não poderiam estar ausentes.

Rio de Janeiro, Brasil, 24 de setembro de 2012 (Terramérica).- Para praticar a horticultura não é preciso viver no campo. Sabem disso, desde Havana até Buenos Aires, centenas de milhares de pessoas que se dedicam à agricultura urbana. Agora a tendência chega às favelas do Rio de Janeiro. A horta pode prosperar no centro da cidade, em jardins, terrenos elevados, terraços, sacadas e varandas das casas de comunidades pobres do Brasil, as favelas. Uma iniciativa pioneira ganha força em duas delas. Babilônia e Chapéu da Mangueira, no bairro do Leme, zona sul da cidade do Rio de Janeiro.

A horta faz parte do programa Rio Cidade Sustentável, realizado pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), que hoje tem 16 moradores que se ofereceram como voluntários para aprender, durante cinco meses, as técnicas de cultivar um canteiro doméstico. A agricultura orgânica marca tendência nas grandes cidades, disse Marina Grossi, presidente do CEBDS. “Não só pela busca de uma alimentação orgânica, mas porque encurtam distâncias e geram renda”, acrescentou.

Em Cuba, a experiência tem mais de duas décadas e é um grande sucesso. No ano passado, sua colheita de hortaliças e ervas aromáticas superou um milhão de toneladas, enquanto o total nacional de produção hortense foi de 2,2 milhões de toneladas. O setor emprega cerca de 300 mil pessoas, e os produtos são vendidos sem intermediários. Também são criados animais de granja e a capacitação inclui melhoria do solo, gestão da água e manejo agroecológico de pragas. A partir de 2007, o governo cubano decidiu estender esta produção a áreas suburbanas, principalmente em pequenas propriedades organizadas em cooperativas.

O Brasil, com 192 milhões de habitantes, é uma potência agropecuária mundial, impulsionada por seu dinâmico agronegócio exportador. E há apenas 120 mil agricultores urbanos, e pouco mais da metade recebe apoio do governo para manter suas hortas e cobrir seu próprio consumo e mercados locais.

“Fizemos um levantamento para saber o que comem os moradores da Babilônia e do Chapéu da Mangueira. E decidimos por um sistema de produção contínua em agroecologia”, sem fertilizantes nem pesticidas, químicos, explicou ao Terramérica o coordenador do curso de agricultura orgânica, Suyá, Presta. Em um mesmo canteiro se consegue a máxima diversificação. “A cada semana são colocadas várias mudas para que nunca falte produção”, detalhou.

Luiz Alberto de Jesus, de 52 anos, morador da Babilônia, é um dos alunos do curso. Tem um terraço onde compartilha a horta com quatro vizinhos. “Quando ouvia falar de alimentação orgânica, não sabia do que se tratava. A produção não tem mistérios, em uma superfície mínima se pode fazer um canteiro. Eu pensava que era preciso um terreno grande para plantar”, contou. Em sua horta tem alface, rúcula, agrião, pimenta, alecrim, menta e tomate cereja. A primeira colheita será em fevereiro, e os aprendizes de agricultor a esperam com ansiosos. “Quero conscientizar as pessoas para que usem produtos orgânicos. Vou transmitir essa informação aos jovens e às crianças”, afirmou.

Em 1990, a Argentina inaugurou o programa Pró-Horta, de pequena agricultura orgânica urbana e rural de grande sucesso. Em 2005, a experiência foi implantada no Haiti e, graças a ela houve famílias que driblaram a fome quando o terremoto de 2010 demoliu a capital e outras cidades.

Entre as estratégias de soberania alimentar da Venezuela, grande importadora de alimentos, a tentativa começou em 2004. Não há dados consolidados do volume de alimentos das unidades de produção agrícola (UPA) urbana e periurbana, nem da quantidade de consumidores ou de pessoas que trabalham nelas. Mas os volumes nacionais de produção hortense para um mercado de 29 milhões de habitantes permitem estimar que a agricultura urbana abastece não mais do que alguns milhares, ou talvez, algumas dezenas de milhares, de famílias.

Diferentes dados oficiais indicam cerca de 20 mil UPA urbanas registradas, das quais 2.400 estariam consolidadas e outras quatro mil em processo de consegui-lo. Em 2011, o governo investiu neste setor US$ 2,5 milhões, segundo o Ministério de Agricultura e Terras. Na capital Caracas e em oito Estados, sobretudo do norte, planta-se hortaliças, ervas aromáticas e medicinais. Algumas incursionam em frutas – banana, papaia, laranja, tangerina – e em elaboração de adubo orgânico.

Mas, na equação venezuelana jogam outros fatores. O Banco de Desenvolvimento da Mulher da Venezuela (Banmujer) decidiu financiar este tipo de esforço para combater a feminização da pobreza e a perda das raízes agrárias das populações pobres que se mudam do campo para povoados ou cidades. Em 2010, 47% de seus microcréditos eram agrários e “muitos são urbanos e periurbanos”, disse sua presidente, Nora Castañeda, ao Terramérica.

“Já temos produtoras cujo trabalho é esse e o fazem com uma força incrível”, destacou a presidente do Banmujer. “Uma delas, uma camponesa violentada por mais de 20 anos por seu marido, veio dar um curso sobre produção de húmus”, contou. “Para ela, o mais importante não é ser a produtora que é hoje, mas ter superado a situação de violência, graças a uma base econômica que a fez forte e a valorizou, inclusive por si mesma”, explicou.

A autoestima também foi apontada pela carioca Reina Maria Pereira da Silva, de 58 anos, que se inspirou no curso do CEBDS e planeja uma horta em sua casa. “É um aprendizado novo. Nunca é tarde e isto até aumenta minha autoestima. Já me sinto mais capaz. É uma delícia colher alimentos saudáveis que eu mesma plantei”, afirmou. “Sempre gostei de plantar, mas não sabia como. Há técnicas e planejamento até da hora em que se deve colher no verão e no inverno. Tudo vai ser para consumo próprio e em doação para escolas”, disse ao Terramérica.

Em 2050, 90% da população da América Latina viverá em cidades. Hoje, 111 milhões de pessoas da região moram em bairros com um número grande de habitantes, como as favelas, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). A demanda por alimentos será maior e haverá menos gente produzindo nas zonas rurais. Assim, a horta citadina é uma “estratégia de emancipação e parte do eixo da curva social” para melhorar a qualidade de vida das cidades, afirmou o coordenador de agricultura urbana e periurbana da Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do Brasil, Hélio Tomaz Rocha.

Ele defende sua implantação em áreas ociosas de regiões metropolitanas, que, quando não são aproveitados, acabam acumulando escombros, lixo e assentamentos informais, ou se tornam alvo de especulação imobiliária. Contudo, admite que a agricultura urbana não se consolidou como política pública. “Sabemos que funciona, há espaço nas cidades, mas não está formalizada. Embora siga o caminho da sustentabilidade, requer fomento inicial”, opinou. O governo federal começou a financiar estes projetos em 2003, e muitos beneficiários estão incluídos no programa de transferência de renda Bolsa Família.

Até 2010 foram investidos quase US$ 20 milhões, mediante convênios com prefeituras e governos estaduais que beneficiaram 74 mil pessoas que trabalhavam em hortas urbanas. Dos projetos, 38% se concentram em Estados do sudeste, 30% no sul e o restante se divide em outras regiões, exceto norte e nordeste. Este ano serão investidos aproximadamente US$ 5 milhões em 42 iniciativas selecionadas em uma convocação anual. A maior parte estará no nordeste, onde 17 municípios se inscreveram. Envolverde/Terramérica

* A autora é correspondente da IPS. Com colaborações de Humberto Márquez e Estrella Gutiérrez (Caracas), e Patricia Grogg (Havana).

 

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Fundação para a Capacitação e Inovação em Apoio à Revolução Agrária, em espanhol

Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.