IV CBJA: Rios da cidade de São Paulo são enterrados vivos

José Bueno durante apresentação da oficina Rios e Ruas. Foto: Ricardo Bielel

Quando um paulistano é questionado sobre quais são os rios da cidade de São Paulo que ele se lembra, na maioria das vezes as respostas são Rio Tietê ou Rio Pinheiros; poluídos, sujos e mal cheirosos, os dois são sinônimos de anos de descaso com a natureza e o bem-estar da população, porém são visíveis na cidade e lembrados graças às enchentes frequentes que acontecem nas suas margens. José Bueno, organizador da oficina Rios e Ruas do IV Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental, arquiteto e urbanista carioca radicado em São Paulo há muitos anos, responde sem pestanejar, surpreendendo a plateia, que há 1.500 quilômetros de rios, riachos e córregos espalhados pela maior metrópole do país, a maior parte deles foi enterrada viva e se tornou invisível aos olhos.

Embora sua oficina aborde a natureza urbana, que engloba rios, ruas, árvores, pessoas e a intrínseca relação desses fatores, o destaque da apresentação de José Bueno são os rios, pois ele se empenhou pessoalmente em desvendar os rios paulistanos. Ele brinca que seu sonho, praticamente utópico, é que os dez milhões de habitantes da cidade conheçam esses rios, mas, para isso, o paulistano terá que treinar seu olhar para enxergar além de onde os olhos alcançam. Algumas vezes, o cidadão terá até que levantar tampas de bueiros, pois a maior parte desses rios está escondida, canalizada sob ruas e avenidas.

“São Paulo esconde a natureza e possui um relevo totalmente distorcido. Rios tiveram seus cursos modificados, foram canalizados e vales foram aterrados, transformando a paisagem da cidade, a ponto de o paulistano achar que se acabaram os rios. Em São Paulo eles são cobertos, mas a pior cobertura é a dos olhos, que nos impede de ver os rios ao lado de casa”, apontou Bueno. “Para cuidar dos rios, é preciso vê-los. Certamente há um rio a 200 metros de cada casa, sem que as pessoas saibam”, completou.

As avenidas 23 de Maio e Nove de Julho, por exemplo, duas das principais avenidas de São Paulo, foram construídas sobre rios canalizados, que desembocam no Rio Tietê. O Vale do Anhangabaú, no centro da cidade, tem esse nome devido ao Rio Anhangabaú, cuja nascente está localizada a duas quadras da Avenida Paulista, um dos símbolos do desenvolvimento da capital paulistana, que teve sua história demolida assim como as casas centenárias localizadas na avenida e que deram lugar a prédios e estacionamentos.

“Os rios em São Paulo estão sendo presos e torturados sem direito a defesa e o caos que São Paulo enfrenta com as enchentes é uma resposta da natureza para essa violência.” Segundo o arquiteto, o descaso vem de longe; os portugueses construíam suas casas com os fundos virados para os rios, pois o lixo, esgoto e tudo de sujo e feio era despejado neles. Bueno organizou uma expedição por três afluentes do Rio Pinheiros, os córregos do Sapateiro, Caaguaçú e Uberaba, onde teve a oportunidade de apontar os aspectos tecnológico, científico, ambiental e político, que são necessários conhecer para que se possa proteger o rio. “O córrego do Sapateiro, por exemplo, chega ao Parque do Ibirapuera poluído pelo esgoto clandestino e lixo; é tratado e despejado no Lago do Ibirapuera com a água limpa, mas quando sai do Parque volta a ser contaminado”, conta José Bueno.

As nascentes de alguns rios em São Paulo estão localizadas nas periferias da cidade. O sonho secreto de Bueno é que a população dessas áreas se torne a guardiã dessas nascentes.

* Publicado originalmente no site do IV Congresso de Jornalismo Ambiental.