Rio 2016: capital mundial do barulho

Nas olimpíadas do barulho, Rio de Janeiro é medalha de ouro!

Ainda faltam quatro anos para os Jogos Olímpicos no Brasil, mas o Rio de Janeiro já é medalha de ouro na prova do barulho.

Os números falam por si (ou gritam): as queixas relacionadas a ruídos lideram o ranking de reclamações feitas por telefone por meio do número 190 do serviço de emergência da Polícia Militar. Apenas neste ano (dados coletados até 25/7) foram 68.389 queixas. Mais do que lesões corporais (59.272), rixa (53.539), conduta incoveniente (46.934) ou ameaça (46.573).

Há quem prefira ligar para o 1746, o telefone da Central de Atendimento ao Cidadão da Prefeitura do Rio. A informação por lá é a de que os ruídos respondem por 70% de todas as queixas endereçadas à Secretaria do Meio Ambiente.

No desespero, há quem ligue para o Disque-Denúncia (2253-1177). Dados fornecidos pelo serviço dão conta de que as reclamações por barulho só perdem para tráfico de drogas e violência doméstica. Há mais registros de ruídos incômodos do que de estelionato, consumo de drogas, roubo/furto de veículos, extorsão e homicídios. Nos últimos dez anos, os atendentes do Disque-Denúncia registraram 53.708 pedidos de ajuda contra toda sorte de barulhos. As queixas mais frequentes são contra bares e casas nortunas, bailes funk, shows, obras, cultos religiosos e carros de som.

O limite máximo de ruído permitido é de 50 decibéis durante o dia (este é o índice médio, considerando o zoneamento urbano e os limites estabelecidos para cada bairro) e 40 decibéis à noite. Existem nove técnicos da Prefeitura encarregados da fiscalização na cidade inteira e apenas sete decibelímetros, equipamentos usados para registrar os níveis de ruído. Se dividirmos o número de equipamentos pela população da cidade, daria um decibelímetro para cada grupo de 903 mil pessoas. É pouco. Sem o flagrante do ruído acima do permitido, não há como notificar o responsável nem dar sequência a um processo. Normalmente, quando se verifica barulho excessivo, os fiscais dão prazo de 72 horas para que o problema seja resolvido. Em caso de reincidência, multa. Se houver nova irregularidade, aplica-se o confisco da fonte geradora de ruído. Sinceramente, não me parece que a lei seja dura o suficiente com quem causa esse tipo de problema.

O curioso é que a Prefeitura não se responsabiliza pela fiscalização de carros de som ou de outras fontes móveis de ruído. Eles são proibidos por lei (não é permitido o uso de qualquer amplificador de som para vender produtos ou serviços), mas para fazer valer nossos direitos é preciso buscar ajuda em outro lugar. Quem ligar para o serviço de emergência da Polícia Militar (190) se decepciona com a resposta: “Só enviamos uma viatura se o carro estiver parado. Se estiver em movimento, é com o batalhão de área”. Liguei para o Batalhão da Polícia Militar da área e ouvi do plantonista que a corporação não possui decibelímetros, e que portanto, não há como fazer o flagrante. Nesses casos, ainda segundo o plantonista, envia-se uma viatura ao local e, “se o policial entender que o ruído é mesmo alto”, solicita-se ao responsável que resolva o problema. Não é estranho? Cada policial decide por sua conta e risco se o barulho em questão é incômodo ou não.

É evidente que o barulho da cidade – por mais incômodo que seja – não justificou ainda uma política pública que proteja efetivamente o cidadão dos excessos irresponsáveis. Especialistas denunciam que a exposição constante a certos níveis de ruído causam abalos importantes à saúde, especialmente ao sistema nervoso, com o agravamento de certas patologias, como a hipertensão. Um ex-fiscal da prefeitura, acostumado a notificar quem extrapola os limites estabelecidos na lei, resumiu da seguinte maneira a gravidade do problema: “Ninguém morre de poluição sonora. Mas há quem mate por barulho”. Alguém duvida?

O mais estarrecedor é constatar que a origem de toda essa sinfonia distorcida de ruídos indesejáveis é a falta de educação, o desrespeito profundo aos direitos de quem mora ou trabalha perto de nós. Quem faz barulho sem se importar com o direito dos outros exalta o próprio egoísmo. De nada adiantará melhorar a fiscalização ou criar punições mais severas a quem infringir a lei, se não educarmos as novas gerações para a vida em sociedade. Em última instância, estamos falando de paz. E não há paz onde impera o barulho.

* André Trigueiro é jornalista com pós-graduação em Gestão Ambiental pela Coppe-UFRJ onde hoje leciona a disciplina Geopolítica Ambiental, professor e criador do curso de Jornalismo Ambiental da PUC-RJ, autor do livro Mundo Sustentável – Abrindo Espaço na Mídia para um Planeta em Transformação, coordenador editorial e um dos autores dos livros Meio Ambiente no Século XXI, e Espiritismo e Ecologia, lançado na Bienal Internacional do Livro, no Rio de Janeiro, pela Editora FEB, em 2009. É apresentador do Jornal das Dez e editor-chefe do programa Cidades e Soluções, da Globo News. É também comentarista da Rádio CBN e colaborador voluntário da Rádio Rio de Janeiro.

** Publicado originalmente no site Mundo Sustentável.