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Viver à sombra de desastres naturais no Nepal

Uma família muçulmana na aldeia de Habrawa, no distrito de Banke, oeste do Nepal, cuja situação de pobreza impede que contem com os recursos para se recuperar após um desastre natural. Foto: Naresh Newar/IPS
Uma família muçulmana na aldeia de Habrawa, no distrito de Banke, oeste do Nepal, cuja situação de pobreza impede que contem com os recursos para se recuperar após um desastre natural. Foto: Naresh Newar/IPS

 

Nepalgunj, Nepal, 13/8/2014 – A pequena localidade de Jure, a 60 quilômetros de Katmandu, se converteu em um trágico exemplo de como as comunidades rurais mais pobres do Nepal são as primeiras vitimas e as que mais sofrem os desastres naturais. No dia 2 deste mês, uma ladeira de quase dois quilômetros de comprimento, que se eleva a 1.350 metros sobre o rio Sunkoshi, desmoronou arrasando cerca de cem casas e deixando 155 pessoas mortas nessa pequena localidade de dois mil habitantes, no distrito ocidental de Sindhupalchowk.

A Sociedade da Cruz Vermelha do Nepal, a maior agência humanitária do país, informou que o número de mortes deixado por esse episódio o coloca entre os piores da história deste país, com especial propensão às catástrofes naturais. Diante do temor de que um lago artificial, criado para bloquear o rio, transborde e inunde os povoados vizinhos, especialistas pedem urgência ao governo no sentido de considerar seriamente identificar as zonas de perigo em todo o país e integrar a gestão de desastres naturais no plano nacional de desenvolvimento econômico.

Uma iniciativa desse tipo marcaria a diferença entre a vida e a morte para as comunidades mais pobres do Nepal, frequentemente obrigadas a se assentarem nas zonas mais vulneráveis. Os mais pobres sofrem as piores consequências.

As empinadas ladeiras, as ativas zonas sísmicas, as chuvas de monções entre julho e setembro e a topografia montanhosa convertem o Nepal em um dos lugares mais propensos para ocorrência de desastres, segundo o Banco Mundial. Mais de 80% dos 27,8 milhões dos habitantes do país vivem em zonas rurais, e um quarto deles subsiste com menos de US$ 1,25 por dia.

Os mais pobres, que dependem em grande parte da agricultura, costumam viver em áreas escarpadas sob o constante medo de deslizamentos de terra, ou em zonas alagáveis, e virtualmente não têm recursos para se recuperar após uma calamidade derivada de alterações climáticas, segundo um informe do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

A maioria das moradias na aldeia nepalesa de Holiya, propensa a inundações, fica vazia quando chegam as monções, mas as famílias são obrigadas a retornar uma vez passado do desastre. Foto: Naresh Newar/IPS
A maioria das moradias na aldeia nepalesa de Holiya, propensa a inundações, fica vazia quando chegam as monções, mas as famílias são obrigadas a retornar uma vez passado do desastre. Foto: Naresh Newar/IPS

 

O Consórcio para a Redução do Risco de Desastres do Nepal, que reúne organizações locais e internacionais que trabalham com o governo, promove há tempos a incorporação de medidas paliativas nos planos de redução da pobreza para melhorar a vida dos setores mais vulneráveis e “minimizar o impacto dos desastres”, explicou Moira Reddick, coordenadora do grupo.

“A maioria das vítimas de desastres naturais quase sempre é das comunidades mais pobres e o trágico acidente em Jure nada mais é do que uma recordação disso”, afirmou à IPS Pitamber Aryal, diretor nacional do Programa Integral de Gestão do Risco de Desastres das Nações Unidas no Nepal.

Nas últimas três décadas, os deslizamentos de terra deixaram 4.511 vítimas e arrasaram 18.414 moradias, deixando 555 mil atingidos, segundo dados oficiais. Com pouca ajuda do governo, a sociedade civil tem dificuldades para oferecer a ajuda necessária às populações afetadas.

Dinanath Sharma, coordenador de redução do risco de desastres da não governamental Practical Action, explicou à IPS que sua organização fez várias tentativas de reassentar comunidades, mas seus esforços foram em vão pela falta de um plano global que garanta uma moradia segura e um sustento decente. “Não iremos a lugar nenhum se o governo não encontrar um lugar com terra fértil e bom para viver”, disse à IPS um agricultor muçulmano do afastado povoado de Habrawa, no distrito de Banke, 600 quilômetros a sudoeste de Katmandu e cuja capital é Nepalgunj.

A mesma reclamação se repete em várias áreas do Nepal, especialmente entre os que vivem nas margens do rio Rapti, um dos maiores do país e responsável por muitas inundações na última década. Os transbordamentos fluviais afetaram mais de 3,6 milhões de pessoas nos últimos dez anos, segundo o Informe Nacional de Desastre de 2013, mas os moradores locais regressam por causa de suas terras férteis e da água, com os quais mal conseguem ganhar a vida.

O Ministério de Assuntos Internos indica que as inundações e os deslizamentos de terra causam cerca de 300 mortes por ano e os prejuízos econômicos chegam a US$ 3 milhões, o que agrava a já precária situação em que se encontra o Nepal, onde cerca de 3,5 milhões de pessoas carecem de segurança alimentar, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

Para as pessoas familiarizadas com as vulnerabilidades do Nepal, a falta de disposição do governo para criar um programa de gestão do risco de desastres é incompreensível. Por exemplo, o Centro Internacional para o Desenvolvimento Integrado das Montanhas estudou e analisou o frágil ecossistema de uma vasta zona do Himalaia há 30 anos.

Uma de suas observações incluiu a vulnerabilidade do vale do Sunkoshi a problemas causados pela água devido à frágil formação geológica e à abrupta topografia, que piora com as frequentes e copiosas chuvas. A falta de um monitoramento adequado e de um sistema de alerta derivou em uma tragédia no dia 2 deste mês, o que poderia ter sido evitado facilmente, segundo especialistas.

Como resposta, o governo criou uma comissão de alto nível para buscar soluções à preparação de desastres no longo prazo, informaram funcionários. “Atualmente há uma forte discussão sobre como reduzir a vulnerabilidade das comunidades pobres e a única forma de fazer isto é reassentando-as com um programa econômico integral”, declarou à IPS o diretor-geral do Departamento de Hidrologia e Meteorologia, Rishi Ram Sharma.

Para garantir a segurança das populações rurais, o governo deve realizar estudos geológicos intensos para fazer um mapa com as zonas mais perigosas, o que também poderia ajudar a identificar os lugares seguros para reassentar aldeias inteiras, explicou Sharma, que dirige a Comissão para a Preparação de Desastres.

Trabalhadores humanitários disseram à IPS que a resposta de emergência do governo, com participação da polícia e do exército sob supervisão do Ministério do Interior, foi eficiente, mas os funcionários têm problemas para chegar a povoados de difícil acesso devido ao terreno escarpado e às fortes chuvas. Envolverde/IPS