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Fórum Econômico Mundial espantado com a brecha entre ricos e pobres

Maruf, de 12 anos, vive neste assentamento em Nayanagar, perto de Daca, capital de Bangladesh. Na oficina mecânica onde trabalha, conserta motores de automóveis de luxo por US$ 6 ao mês. Divide sua magra renda com sua família de quatro integrantes. Foto: Naimul Haq/IPS
Maruf, de 12 anos, vive neste assentamento em Nayanagar, perto de Daca, capital de Bangladesh. Na oficina mecânica onde trabalha, conserta motores de automóveis de luxo por US$ 6 ao mês. Divide sua magra renda com sua família de quatro integrantes. Foto: Naimul Haq/IPS

 

Washington, Estados Unidos, 21/11/2013 – A crescente desigualdade de renda ameaça a estabilidade social em países de todo o mundo. E quem diz isso não são revolucionários de esquerda, mas o Fórum Econômico Mundial (FEM). Segundo uma pesquisa mundial com especialistas acadêmicos, governos e o setor sem fins lucrativos, o informe do FEM diz que a desigualdade de renda é a segunda tendência global mais importante das dez com mais probabilidades de afetar a estabilidade social no próximo ano.

O aumento das tensões no Oriente Médio e o desemprego estrutural persistente são outras grandes ameaças internacionais, segundo o FEM, uma organização internacional com sede na cidade suíça de Davos, criada e mantida pelas principais corporações do mundo. Embora os resultados estejam voltados principalmente a destacar a desigualdade na renda dentro dos países, as fontes sugerem que também é preciso prestar atenção ao cenário mundial, no qual as fronteiras nacionais são um fator menos importante.

“Observar a desigualdade de renda dentro de um determinado país tem muito sentido, já que as políticas públicas afetam a forma como ali se vive”, apontou Christian Meyer, pesquisador associado do Center for Global Development (CGD), um centro de estudos em Washington. “Também há uma perspectiva internacional na qual, se tomarmos as pessoas e compararmos seus níveis de renda sem pensar nas fronteiras nacionais, veremos que a desigualdade é elevadíssima”, afirmou Meyer à IPS.

O informe se baseia nas respostas dadas por quase 1.600 especialistas que formam a Rede de Conselhos da Agenda Global (NGAC), uma comunidade de mais de 80 grupos, criados pelo FEM e que representam “líderes de opinião” de todo o mundo. “A crescente disparidade da riqueza afeta cada parte de nossas vidas”, diz o informe. “Repercute na estabilidade social dentro dos países e ameaça a segurança em escala mundial. Com vistas a 2014, é essencial criarmos soluções inovadoras para as causas e consequências de um mundo cada vez mais desigual”.

Segundo a NGAC, essa crescente desigualdade se converteu em importante ameaça tanto para o mundo em desenvolvimento como para os países desenvolvidos, incluindo a América do Norte, onde a pesquisa revela que a desigualdade de renda é o desafio número um. A “incrível riqueza gerada durante a última década” nos Estados Unidos “foi para uma parte cada vez menor da população, e a disparidade se deve a muitas das mesmas razões que existem nos países em desenvolvimento”, alerta o FEM.

Segundo a pesquisa, quase dois terços dos norte-americanos acreditam que o sistema econômico atual favorece os ricos. Em alguns países europeus, onde as pessoas estão se recuperando da crise econômica que deixou milhões sem trabalho, a porcentagem é muito maior. Na medida em que a brecha entre ricos e pobres aumenta, segundo medições nacionais e internacionais, os analistas temem que as pessoas sejam mais propensas a ocupar as ruas para expressar sua frustração com um sistema que só tem lugar para uns poucos privilegiados.

É provável que essa situação leve a uma maior instabilidade social, que pode pôr em risco a segurança mundial, alerta o informe. “O mal-estar subjacente nos desejos de mudança de um dirigente político após outro é uma manifestação da preocupação das pessoas com suas necessidades básicas”, diz o documento. No geral, são os jovens que estão mais dispostos a se expressar, já que consideram que “não têm mais nada a perder”, acrescenta.

“As pessoas veem que o 1% da população no topo do sistema continua acumulando riqueza. Percebem que algo está errado, que isso é uma forma de ‘sequestro da elite’”, pontuou Meyer do CGD. De fato, essa percepção de sequestro da elite, ou de falta total de mobilidade social, parece estar na raiz desse descontentamento generalizado.

“O problema com essa concentração da renda é que se perpetua de uma geração a outra mediante uma série de mecanismos, como a boa educação, mas também mediante o acesso a boas redes” de contatos pessoais, disse à IPS o chefe de pesquisa da organização humanitária Oxfam Grã-Bretanha, Ricardo Fuentes. “Essa perpetuação traz consigo a ideia de que a igualdade de oportunidades e que ‘todas as pessoas são iguais’ enfraquece gravemente”, apontou.

Esse fenômeno, segundo Fuentes, faz as pessoas acreditarem que o esforço pessoal e o mérito não os levará a parte alguma, e que seu governo só ouvirá as vozes dos ricos. “Mesmo nos países onde os governos são eleitos democraticamente, vemos cada vez mais que os ricos usam seu dinheiro para influir na administração e nos meios de comunicação por meio de grupos de pressão e outros mecanismos que os tornam particularmente influentes”.

O informe foi produzido enquanto dirigentes da NGAC analisam na Cúpula da Agenda Global, que aconteceu entre os dias 18 e 20, em Abu Dhabi, os temas que farão parte da cúpula anual do FEM, em janeiro, em Davos. “O maior desafio é a incapacidade do sistema de governança mundial para dedicar o tempo e a atenção necessários à construção de nosso futuro”, disse o fundador e presidente do FEM, Klaus Schwab, na abertura da reunião. Para alguns, o recente crescimento experimentado por países da América Latina pode indicar uma via para abordar a questão em outros lugares.

“Sabemos pela história que ter uma sociedade mais igualitária não é um objetivo utópico. Até a década de 1980, houve maior investimento no ensino público, um esforço consciente do Estado para fortalecer as redes de segurança social e um nível crescente de vida para os trabalhadores”, ressaltou Fuentes. Mais países, em particular na América Latina, estão adotando medidas fiscais que resgatam essas políticas, ao menos segundo certos indicadores, “e agora começaram efetivamente a reverter a desigualdade, assegurou. Envolverde/IPS