A União Europeia está em perigo

Lisboa, Portugal, maio/2013 – A crise econômica mundial começou nos Estados Unidos com a quebra do banco Lehman Brothers, durante o governo de George W. Bush, como uma clara consequência da globalização desregulada da ideologia neoliberal que, sem normas éticas, subordina o poder dos Estados aos mercados usurários, às empresas off-shore e ao lucro pelo lucro. Ignora as pessoas, que não são consideradas, apesar de estarem morrendo de fome.

Entre 2007 e 2009, publiquei alguns livros, entre eles Um Mundo em Mutação, Elogio à Política, Lutando por um Mundo Melhor e No Centro do Furacão, nos quais advertia para o risco de que o neoliberalismo contagiasse o euro e a própria União Europeia (UE).

O presidente norte-americano Ronald Reagan (1911-2004) e a primeira-ministra britânica Margareth Thatcher (1925-2013) foram os campeões da política neoliberal dos anos 1980, continuada depois pelo pseudotrabalhista Tony Blair, com as consequências desastrosas que já conhecemos.

Considerando a profunda ligação entre Estados Unidos e Europa, o neoliberalismo norte-americano contagiou, inevitavelmente, a União Europeia (UE). A partir de então, começou a crise europeia, especialmente na zona do euro, com a liderança da chanceler (chefe de governo) alemã Angela Merkel.

Merkel, originária da então Alemanha Oriental, foi militante comunista apesar de ser luterana. Depois da queda do Muro de Berlim, se declarou contrária à unidade alemã, uma fusão para a qual contribuíram os Estados europeus, Portugal inclusive.

Como é sabido, o primeiro país afetado pela crise do euro foi a Grécia, berço de nossa civilização, razão pela qual deveria ter sido melhor tratada. Mas não foi.

Merkel, aliada aos liberais ultraconservadores, embora se denomine democrata-cristã, reagiu exatamente como queriam os mercados.

A Grécia, onde os bancos alemães tinham um peso considerável, andou de mal a pior, até conseguir o suficiente para pagar os enormes juros exigidos pela “troika”, formada pela Comissão Europeia, pelo Banco Central Europeu (BCE) e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).

Ao mesmo tempo, os chamados Estados periféricos da zona do euro, com ou sem apoio financeiro, foram progressivamente entrando na crise. Primeiro a Irlanda, depois Portugal, Espanha, Itália (terceira economia europeia), Chipre, seguidos pelo surpreendente colapso da Holanda. A França é a mais recente a entrar na lista.

Tudo isso devido à política criminosa de austeridade imposta pela Alemanha, secundada pela Comissão Europeia, presidida por José Manuel Durão Barroso (com sucessivas e graves mudanças de opinião). Com maior direção, adotou a mesma política o presidente do BCE, o italiano Mario Draghi, e o FMI (que também mudou várias vezes de opinião a respeito da austeridade).

Ficou demonstrado que a austeridade apenas favorece os mercados usurários, e os que estão por trás deles, enquanto arrasa os Estados e seus respectivos povos. E não só os chamados países periféricos ou do Sul, como se deduziu prematuramente. Lance-se um olhar para Holanda, França e Alemanha. Era evidente que a crise também golpearia a Alemanha, como haviam previsto os prêmios Nobel de Economia Joseph Stiglitz e Paul Krugman, entre outros.

A Alemanha mostra cada vez mais sintomas de dificuldades devido à política de austeridade que promove, ao perder grande parte de seu mercado na Europa, que representa quase 50% de suas exportações. Se a política de austeridade se mantiver, também a Alemanha entrará em recessão.

A opinião pública europeia está começando a entender que é necessário e urgente mudar a política e os políticos atuais, que se revelaram incompetentes.

Os partidos governantes na Europa são quase todos ultraconservadores, incapazes de entender a situação atual. O fato é que os partidos que construíram a UE – como os socialistas, os social-democratas, os trabalhistas e os democrata-cristãos – hoje não estão no poder. As exceções são França e Itália, que acaba de reeleger seu excelente presidente Giorgio Napolitano, apesar de sua idade, e designar Enrico Letta como primeiro-ministro.

Tanto Letta quanto o presidente da França, François Hollande , se declaram abertamente contra a austeridade e querem restituir aos Estados o controle dos mercados, e não o contrário.

Por todas estas razões, os povos de todos os países europeus se manifestam ruidosamente contra a “troika”, os mercados, os pseudopolíticos e os governos empenhados na austeridade.

Deve-se destacar que os Estados sociais – um produto do pós-guerra –, a democracia tal como a concebíamos e o Estado de direito estão sendo questionados. O dilema é simples: ou se luta contra o desemprego, a pobreza generalizada e a recessão, e se garante o Estado social em todas as suas vertentes, enquanto ainda há tempo, ou a União Europeia cairá no abismo.

Isto também seria uma tragédia para os Estados Unidos (cujo único aliado fiel é a União Europeia) e para o resto do mundo.

Tenho a esperança de que isto não aconteça porque o mundo não pode querer que a União Europeia, o projeto político mais original e benéfico para os povos já concebido, simplesmente desapareça e que aumente o perigo de um novo conflito mundial.

Seria um retrocesso em termos de civilização que nos faria retroceder mais de um século. Que haja senso comum e coragem! Envolverde/IPS

* Mário Soares é ex-presidente e ex-primeiro-ministro de Portugal.