Delfim Netto. Foto: Divulgação

O programa de cooptação do setor privado para a ampliação dos investimentos em infraestrutura tem algumas novidades interessantes. E uma afirmação importante da postura do governo Dilma Rousseff mostrando que está definitivamente superada a desconfiança que em certos momentos existiu em relação ao empresariado. A boa-nova foi deixar de lado a ideia de que toda dívida é pecado, ao se autorizar o aumento do endividamento de 17 estados cujas condições financeiras e administrativas são adequadas para acelerar suas próprias obras de infraestrutura.

Isso é particularmente significativo no momento em que a administração é confrontada com fortes reivindicações por aumento de salário dos sindicatos de trabalhadores do setor privado e do funcionalismo sindicalizado. No caso dos servidores públicos, a qualidade das reivindicações é muito precária, diante do aumento real de 4,8% ao ano entre 2005 e 2012, ante 2,1% reais no setor privado.

Quanto aos trabalhadores privados, seus sindicatos preparam-se para reivindicar ganhos reais de salários de até 10%, o que pode se mostrar uma grande imprudência em termos de sustentação dos níveis de emprego, especialmente nos setores da manufatura onde a produtividade da mão de obra está em queda. O aumento real de salários faz parte do desenvolvimento natural da economia. A discussão é como se dividem os ganhos de produtividade entre o fator trabalho e o fator capital.

Se o ganho de produtividade é todo destinado ao fator trabalho, não há como ampliar os investimentos. E o trabalho vai ser desempregado no futuro. Se todo o ganho de produtividade vai para o capital, não haverá demanda no futuro, e o capital também não encontra aplicação. De forma que existe um equilíbrio entre o que pode ser concedido e o que não pode ser concedido para manter a economia funcionando.

Normalmente, supõe-se que um aumento do salário real correspondente a um aumento da produtividade física do trabalho é uma coisa bastante razoável. Diria mesmo ser algo justo, porque redistribui os ganhos de produtividade de maneira equânime, um pouco melhor do que a que é exercida sob um monopólio – ou das empresas ou dos sindicatos. A reivindicação de aumento salarial é perfeitamente natural. O que torna esse processo absurdo é quando se pretendem “aumentos reais de salário de até 10%” – o que pode ser de 1% ou 2%.

O certo é que esse aumento de salário real não deve ser maior ou muito diferente do aumento da produtividade física dos trabalhadores. A trágica verdade é que a produtividade física dos nossos trabalhadores está em queda e em determinadas ocasiões é negativa. Não é difícil entender as razões para essa perda da produtividade: houve redução do crescimento em alguns setores, particularmente da atividade no setor manufatureiro. Como os empresários da indústria costumam reter mão de obra na esperança de o crescimento se recuperar, a produção física da mão de obra por hora trabalhada é menor, resultando em que a produtividade seja negativa.

Se insistirmos em realizar ganhos de produtividade acima da produtividade física, vamos simplesmente repetir o que está acontecendo hoje no ABC paulista, onde os efeitos da crise já começam a se fazer sentir. As três cidades da região do ABC (Santo André, São Bernardo e São Caetano do Sul) são as que mais demitiram trabalhadores no estado de São Paulo, entre janeiro e maio de 2012. O que aconteceu em São José dos Campos serve de exemplo: não adianta exigir aumentos de salário reais muito superiores aos aumentos de produtividade, porque a indústria vai embora. A empresa tem de procurar lugares onde possa encontrar ambiente que ofereça um nível de salário mais ajustado à sua realidade.

Não há nada de errado em reivindicar melhora salarial. Pedir aumento de salário é absolutamente natural, todas essas reivindicações dos trabalhadores são justas, mas, por mais justas que sejam, não é possível conceder aumentos de salário reais acima do aumento da produtividade.

* Delfim Netto é economista, formado pela Universidade de São Paulo, professor de Economia, e foi ministro de Estado e deputado federal.

** Publicado originalmente no site Carta Capital.