É fato intuitivo que o “futuro” é influenciado pela visão que hoje temos dele.

Há poucas semanas todos presenciamos isso. Bastou que os transportadores de combustíveis fizessem uma greve – que, com toda probabilidade, não duraria mais do que dois ou três dias – para que os estoques de álcool e gasolina nos postos, que normalmente são suficientes para o suprimento de uma semana, esgotassem imediatamente.

Esse fenômeno é uma manifestação da “profecia ou, talvez melhor, da ‘previsão’ que se autorrealiza”, de Robert Merton (1948), uma aplicação do aforismo de W. I. Thomas (1928): “quando as pessoas definem uma situação como real, ela é real em suas consequências”. A profecia (ou “previsão”) autorrealizável é a que induz a comportamentos que tendem a validá-la.

A “previsão autorrealizável” se aplica, obviamente, só ao comportamento humano. Se todos os agentes econômicos acreditassem nas “expectativas racionais” e agissem segundo tal hipótese, suas previsões se autorrealizariam…

Quando a prevalência do pensamento único torna-se, por meio da comunicação, uma espécie de “oráculo” e tem a capacidade para “definir o que é a situação real, ela será real em suas consequências”. Quando, por motivos político-ideológicos, explora-se, na busca pelo poder, a complexidade da situação com argumentos de pessimismo infundado, de derrotismo oportunista e de eventual ingovernabilidade do “presidencialismo de coalizão”, isto pode ter consequências reais.

É natural, pois, que a presidente Dilma tente cooptar o setor privado mostrando:

1º) que os estímulos até agora dados à demanda terão de contemplar mais a oferta;

2º) aos sindicatos e ao funcionalismo público que há um limite: os aumentos dos salários reais não podem ser permanentemente maiores do que os aumentos reais da produtividade do trabalho e que isso não impedirá o avanço cuidadoso da inclusão social com programas bem focados;

3º) aos empresários (especialmente ao setor manufatureiro) que as ações do governo e as deles mesmos ajudarão a criar a demanda e a oferta para produzir um crescimento de 4% ao ano;

4º) ao setor financeiro que a expansão cuidadosa do crédito e a redução dos spreads podem ser feitas, pois o BC tem musculatura para sustentar eventuais problemas externos.

O governo necessita continuar a tomar medidas pontuais no curto prazo, apoiadas no programa de aumento da produtividade geral, que deve dar frutos em dois ou três anos. Por que não dar ao Congresso o que fazer, propondo-lhe as reformas macro e microeconômicas que o Brasil tanto precisa?

* Delfim Netto é economista, formado pela USP e professor de Economia, foi ministro de Estado e deputado federal.

** Publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo e retirado do site EcoD.