Cadeias de valor mundiais e desenvolvimento

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Genebra, Suíça, agosto/2013 – O discurso atual sobre cadeias de valor mundiais por parte dos principais proponentes e também da secretaria da Organização Mundial do Comércio (OMC) é que os países em desenvolvimento deveriam liberalizar bens e serviços e concluir um acordo de facilitação comercial.

Alguns também sugerem que se deveria eliminar toda restrição às exportações, por exemplo retirar alguns impostos sobre matérias-primas.

Segundo esse discurso, essas estratégias ajudariam o mundo em desenvolvimento a se integrar mais profundamente às cadeias de valor mundiais, já que poderiam importar a preços menores e, portanto, exportar de maneira mais competitiva.

Entretanto, olhando de perto, o panorama não é tão simples.

As cadeias de valor mundiais não são um conceito novo. São parte do comércio desde a colonização, quando os países em desenvolvimento eram os provedores de matérias-primas para o mundo industrializado para que fossem usadas de vários modos, incluída a produção de mercadorias sofisticadas.

É verdade que atualmente estas cadeias de valor estão se expandindo, simplesmente devido à proliferação por todo o planeta das corporações transnacionais, a maioria delas com sede em países ricos. Também há algumas originárias de nações em desenvolvimento, que usam fornecimentos de todo o mundo para realizar suas várias funções.

Porém, os países em desenvolvimento se colocam de um modo diferente nas cadeias de valor mundiais. Alguns têm parte nas seções de alto valor agregado, mas não a maioria.

Nem todos os atores podem se beneficiar equitativamente de sua participação nestas cadeias de valor.

Tudo depende de como um país se alinha em termos de capacidades tecnológicas, da profundidade de suas capacidades manufatureiras, de quanto são desenvolvidos seus setores de serviços, o tamanho de suas empresas, sua perícia em matéria gerencial e sua capacidade de atender os padrões dos mercados internacionais, para citar uns poucos critérios.

Devido a estas e outras limitações, os países em desenvolvimento podem abrir-se e integrar-se mais, mas a qualidade de sua integração pode não ser realmente benéfica.

Como diz Rashmi Banga em seu estudo Measuring Value in Global Value Chains (Medindo o Valor das Cadeias de Valor Mundiais), apresentado em maio, os países podem estar vinculados, mas isso não necessariamente significa que obterão lucro.

Nestas cadeias, hoje o valor é capturado na fase conceitual e de projeto, onde ter a tecnologia é importante, assim como nas vendas finais e no mercado. Porém, a maioria dos países em desenvolvimento não se situa neste ponto.

Geralmente estes Estados estão no setor de menor valor manufatureiro da cadeia de valor e, mesmo assim, isto ocorre com alguns, não com todos.

A mera liberalização não modernizará as capacidades de fornecimento tecnológico ou de serviços.

Um acordo de facilitação comercial, acelerando a entrada de importações por meio de uma variedade de procedimentos aduaneiros, alguns dos quais são muito caros e administrativamente intensivos, tampouco será a fórmula mágica para catapultar os países em desenvolvimento para a competitividade em escala mundial.

Em resumo, não há atalhos.

Em todo caso, a pergunta central para o Sul não tem a ver com entrar nestas cadeias a qualquer custo. A pergunta real é como pode aprofundar suas capacidades de produção, a fim de poder conseguir uma maior parte do valor agregado. Para consegui-lo, deve-se seguir o caminho do desenvolvimento da indústria, da agricultura e dos serviços.

Necessitamos uma transformação estrutural na indústria se queremos que nossas capacidades de manufatura possam ir além de serem linhas de montagem, maiores capacidades de produção em uma variedade de setores de serviços e um setor agropecuário mais dinâmico, especialmente em países com grandes populações rurais.

Não se pode passar por cima do setor agrícola se uma grande parte da população participa dele e dele depende como fonte de emprego. Com ocorre nos postos na manufatura, é preciso dar à população preços e salários justos. Isto é crucial para criar poder aquisitivo interno e para alimentar a demanda interna e, assim, a demanda de crescimento das indústrias locais.

Não se comprometer com uma transformação estrutural e com o aprofundamento das capacidades de produção pode significar que os países fiquem presos no fornecimento de matérias-primas e como sítios para tarefas de manufatura de escasso valor agregado.

Muito frequentemente os mercados interno ou regional oferecem aos países em desenvolvimento melhores oportunidades do que as cadeias de valor mundiais, em termos de obter uma parte maior do valor agregado.

As políticas comerciais devem ser usadas estrategicamente para apoiar o desenvolvimento industrial dos setores mais importantes, e deveria focar-se de modo dinâmico, mudando com o tempo, enquanto algumas indústrias amadurecem e outras se desenvolvem. Nesse contexto, a liberalização geral não ajudará.

Concluindo, as cadeias de valor mundiais, como observou o embaixador da África do Sul junto à OMC, Faisal Ismail, não fornecem um contexto para ajudar os países pobres a se desenvolverem além de suas atuais vantagens comparativas.

A última análise da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) de dados do comércio de mercadorias com valor agregado também mostra que mais exportações não significam mais exportações com valor agregado.

O discurso das cadeias de valor mundiais vem do desejo de aliviar mais as operações, o movimento e o acesso das corporações transnacionais nos mercados mundiais, com perigos reais para as empresas e as indústrias dos países em desenvolvimento.

A prioridade para os países em desenvolvimento é criar suas capacidades de produção. Para isso, é preciso o uso flexível e dinâmico dos instrumentos de políticas comerciais (tarifas alfandegárias, regulações governamentais) que apoiam a industrialização, o desenvolvimento agrícola e dos serviços, complementados com normas comerciais mais justas. Envolverde/IPS

*  Aileen Kwa é coordenadora do Programa de Comércio e Desenvolvimento do South Centre.