Economia

Desenfreado aumento de desigualdade e concentração de riqueza

Uma menina come um sanduíche no novo abrigo de sua família, no acampamento Proteção dos Civis III, perto da Casa da ONU, em Juba, capital do Sudão do Sul. Foto: UN Photo/JC McIlwaine
Uma menina come um sanduíche no novo abrigo de sua família, no acampamento Proteção dos Civis III, perto da Casa da ONU, em Juba, capital do Sudão do Sul. Foto: UN Photo/JC McIlwaine

São Salvador, Bahamas, janeiro/2015 – Diariamente recebemos dados surpreendentes, que deveriam gerar alvoroço e desencadear ações. No entanto, a vida transcorre como se esses dados nada tivessem a ver com nossas vidas.

Um bom exemplo é a mudança climática. Bem sabemos que nosso tempo está acabando. É nada menos do que nosso planeta que está em jogo. Mas algumas grandes companhias energéticas são capazes de escapulir, em meio ao silêncio ensurdecedor da humanidade.

Recentemente, recebemos outros dois dados surpreendentes. Desde o começo da crise financeira, em 2008, os grandes bancos pagaram a assombrosa quantia de US$ 178 bilhões em multas.

As novas gerações enfrentam um destino muito pior do que o de seus pais. Atualmente, 79% da população mundial possui apenas 5,5% da riqueza mundial. Sua participação diminuiu em US$ 750 bilhões em quatro anos.

Os bancos norte-americanos pagaram US$ 115 bilhões e os europeus US$ 63 bilhões. Mas, como escreve o analista Sital Patel, do Market Watch, essas penalizações são consideradas parte do custo de existirem negócios. Em parte, porque nenhum banqueiro é incriminado a título pessoal.

Outros dados arrepiantes procedem da Oxfam, uma organização não governamental com sede na Grã-Bretanha, que atua como uma confederação internacional integrada por 17 organizações que trabalham em cerca de 90 países na busca de soluções para a pobreza e a injustiça.

Se nada for feito, em dois anos o 1% mais rico da população mundial possuirá uma riqueza maior do que a dos restantes 99%. A uma velocidade sem precedentes, os mais ricos estão ficando ainda mais ricos e os pobres mais pobres, afirma a Oxfam.

No último ano, o que este 1% possui aumentou de 44% para 48% da riqueza mundial. Portanto, em 2016 terão mais do que a soma dos 99% restantes.

Os 80 multimilionários que encabeçam a lista aumentaram sua riqueza em US$ 600 bilhões nos últimos quatro anos, uma quantidade equivalente à soma dos orçamentos de11 países do mundo com população coletiva de 2,3 bilhões de pessoas.

Essa enorme e rápida concentração tem um impacto mundial. O desempenho de 40% dos jovens em vários países é o alerta desta sucção ao vazio.

As novas gerações enfrentam um destino muito pior do que o de seus pais. Atualmente, 79% da população mundial possui apenas 5,5% da riqueza mundial. Sua participação diminuiu em US$ 750 bilhões em quatro anos.

Pode ser que passe algum tempo até esses números entrarem na consciência coletiva. Entretanto, o certo é apostar que não provocarão nenhuma reação, como no caso da mudança climática.

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, é o único líder mundial que anunciou um aumento de impostos para os ricos, que provavelmente será rejeitado pela maioria legislativa do opositor e direitista Partido Republicano.

Podemos considerar o ex-presidente norte-americano Ronald Reagan (1981-1989) como um precursor desses tempos, com sua famosa declaração: os ricos produzem riqueza, os pobres geram pobreza, por isso se deve permitir que os ricos paguem menos impostos.

De fato, o Instituto Americano de Tributação e Política Econômica diz, em seu informe divulgado há alguns dias, que em 2015 os impostos a serem pagos pela quinta parte mais pobre dos norte-americanos equivalerão a 10,9% de sua renda, o que será pago pela quinta parte do centro equivalerá a 9,4%, e o famoso 1% pagará tão somente 5,4%.

Agora, 20% dos multimilionários mais ricos estão vinculados ao setor financeiro. Deve-se recordar que este cresce mais do que a economia real e tem apenas regulamentações nacionais. Em nível mundial, as finanças são a única atividade que está livre de um organismo internacional de regulamentação, ao contrário do trabalho, das comunicações, etc.

Em nível nacional existem tíbias tentativas para regular as finanças. Entretanto, vejamos o que ocorre nos Estados Unidos.

A nova regulamentação, chamada Dodd-Frank, é tão débil que não chegou a restaurar a divisão entre os bancos de depósito, onde o dinheiro das contas dos cidadãos não pode ser usado em especulações, e os bancos de investimentos, especializados em especulações financeiras.

Essa separação foi abolida na administração de Bill Clinton (1993-2001), e a decisão foi considerada o fim do sistema bancário a serviço da economia real.

De todo modo, os grupos de pressão de Wall Street estão tentando diluir, pouco a pouco, a lei Dodd-Frank.

Há uma certa esquizofrenia quando observamos as relações entre o capital e a política. A Suprema Corte de Justiça dos Estados Unidos eliminou todo limite para as contribuições das empresas às eleições políticas, declarando que as companhias têm os mesmos direitos que os indivíduos.

Segundo o jornal The New York Times do dia 16 deste mês, em 2013 as contribuições privadas para o sistema político foram de US$ 1,2 bilhão. A última eleição custou US$ 2 bilhões.

A democracia garante que todos os cidadãos podem ser candidatos aos cargos públicos. Mas atualmente não se pode postular o cargo de senador sem contar com pelo menos US$ 40 milhões.

Os bancos não são responsáveis apenas pela corrupção do sistema político e por atividades ilegais. Também são responsáveis por privilegiar os grandes investimentos e restringir o crédito para as pequenas e médias empresas.

Os esforços do presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, para que os bancos deem crédito às pequenas e médias empresas e a particulares praticamente não levaram a nada.

Mas uma nova e imaginativa iniciativa provém dos muito severos banqueiros holandeses. A partir de 2016, se exigirá de todos os banqueiros da Holanda que prestem juramento: “Juro que vou procurar manter e promover a confiança no setor financeiro. Que Deus me ajude”. Esta iniciativa preenche uma lacuna: coloca Deus como o regulador do sistema bancário holandês.

Durante a crise financeira, Lloyd Blankfein, presidente-executivo do banco de investimento Goldman Sachs, disse que os banqueiros estavam fazendo a obra de Deus.

Wall Street e a City londrina estão dispostas a aceitar a ideia de introduzir o juramento.

Provavelmente, somente essa classe de poder superior poderia mudar o rumo neste mundo de crescente desigualdade e carência de ética. Envolverde/IPS

* Roberto Savio é fundador da agência IPS e editor da newsletter Other News.