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Diplomacia petroleira da Venezuela pode desamparar países dependentes

A refinaria cubana de Cienfuegos, reativada com fundos venezuelanos para convertê-la em petroquímica. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

 

Rio de Janeiro, Brasil, 19/3/2012 – A crise econômica da Venezuela, mais do que a incertezas sobre sua sucessão presidencial, ameaça a diplomacia do petróleo utilizada pelo falecido mandatário Hugo Chávez, colocando em risco o bem-estar de diferentes povos. Cuba é o caso mais evidente. O petróleo que Caracas lhe envia cobre metade de seu consumo de combustíveis, uma conta que colocou a Venezuela em primeiro lugar entre os sócios comerciais dessa ilha do Caribe.

O comércio exterior cubano aumentou mais de quatro vezes entre 2005 e 2011, chegando a US$ 8,325 bilhões neste último. E a participação venezuelana saltou de 23%, em 2006, para 42% em 2011, segundo artigo publicado na internet pelo economista cubano Carmelo Mesa, residente nos Estados Unidos. Essa dependência ativa o temor de que se reiterem as brutais carências de bens essenciais que Cuba sofreu, incluindo prolongados apagões, no “período especial” da década de 1990, após o colapso da União Soviética em 1991.

No entanto, o economista cubano Pável Vidal, professor da Pontifícia Universidade Javeriana de Cali, na Colômbia, lida com outros dados. “A Venezuela representa hoje cerca de 20% do intercâmbio total de bens e serviços de Cuba, enquanto com a União Soviética a dependência chegava a 30%”, disse à IPS por correio eletrônico. Dessa forma, o risco atual é menor, mas ainda assim “uma redução, ainda que gradual, dos vínculos com a Venezuela provocaria uma recessão”, destacou.

Seu modelo econométrico aponta, simulando cenários, uma contração de até 10% do produto interno bruto, em uma recessão de dois ou três anos, devida a uma redução na entrada de divisas, depressão dos investimentos, restrições financeiras externas e importações mais caras, sem facilidades de pagamento da conta do petróleo. Tal crise exigiria um ajuste “complexo e doloroso”.

A dependência tecnológica não é tão grande como com a União Soviética, o comércio externo cubano se diversificou e Cuba agora conta com turismo, antes quase inexistente, e novos instrumentos para o manejo macroeconômico. Mas o país perdeu algumas condições para aguentar uma sacudida. “Os assalariados e pensionistas estatais sofreram e pagaram o ajuste diante da crise” nos anos 1990, mas não podem fazê-lo hoje, pois seu poder aquisitivo “é apenas 27% do existente em 1989”, alertou Vidal.

Além disso, o Estado, pressionado por “uma elevada dívida externa”, reduziu seu orçamento da área social e isso se reflete na deterioração dos serviços de saúde e educação. Neste quadro, é difícil identificar “quem poderia pagar o custo de uma nova crise”, concluiu o economista. Porém, o pesquisador Carlos Alzugaray acredita que as relações econômicas bilaterais continuar firmes, porque “foram institucionalizadas, com benefícios para as duas partes”, e a oposição venezuelana não seria “tão irresponsável” a ponto de destruí-las, diante de um improvável triunfo nas eleições presidenciais de 14 de abril, afirmou.

Em contrapartida ao petróleo, mais de 50 mil cubanos trabalham na Venezuela. Apenas a exportação de serviços médicos, com cerca de 30 mil profissionais, rende US$ 1,2 bilhão ao ano. Um súbito regresso de tanta gente a Cuba é outro risco, no momento, de pura especulação. Analistas cubanos avaliam que mais seis anos de governo chavista seriam vitais para que Cuba buscasse novos fornecedores de petróleo dispostos a acordos semelhantes ao venezuelano, como Angola e Argélia, avançasse na produção própria de hidrocarbonos e ampliasse reformas já iniciadas.

Na Nicarágua, outro país beneficiado pelo petróleo venezuelano, não são esperadas mudanças drásticas após a morte de Chávez, vítima de câncer, no dia 5. O fornecimento, que desde 2007 equivale a US$ 500 milhões por ano, permitiu a esse país centro-americano estabilizar sua economia e sanear velhos déficits financeiros, segundo o economista independente Adolfo Acevedo. Essa fortaleza, alcançada também pelo cumprimento das recomendações de organismos financeiros internacionais, permitiria suportar bem qualquer mudança em Caracas, declarou à IPS.

A cooperação – que representou aportes venezuelanos de US$ 2,56 bilhões entre 2007 e junho de 2012, segundo o Banco Central nicaraguense – não seria afetada, pois se baseia em acordos anteriores à chegada de Chávez ao poder, em 1999, concordaram Baiardo Arce, assessor econômico da Presidência da Nicarágua, e o embaixador venezuelano em Manágua, José Arrúe.

O Acordo de San José, que estabeleceu o fornecimento brando de petróleo do México e da Venezuela para apoiar o desenvolvimento de países centro-americanos e caribenhos, foi assinado em 1980, recordou Arrúe. Entretanto, Chávez ampliou drasticamente essa cooperação com a criação da Petrocaribe em 2005. Na Nicarágua também se duvida de que avance o financiamento de uma refinaria, em mais de US$ 5,6 bilhões, se não for mediante uma renegociação com as novas autoridades venezuelanas.

Quanto ao Brasil, que não depende do petróleo venezuelano, a crise do país vizinho afeta as exportações, que aumentaram seis vezes nos últimos dez anos, e os investimentos de empresas transnacionais. O comércio com a Venezuela representa 1,3% do que o Brasil comercializa com o mundo, mas é importante devido ao seu rápido crescimento e pelo superávit, que foi de US$ 4,059 bilhões no ano passado, superado apenas pelo obtido pela China, lembrou Rubens Barbosa, embaixador brasileiro aposentado e atual presidente do Conselho de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

A crise venezuelana pode afetar interesses brasileiros, porque “algumas medidas terão de ser adotadas” por Caracas diante da elevada inflação e pelo déficit público, incluindo iniciativas impopulares, como elevação de impostos e do preço da gasolina, afirmou Barbosa à IPS, descartando um colapso econômico enquanto forem mantidos altos preços para o petróleo.

Barbosa estima em US$ 20 bilhões o valor dos projetos executados por construtoras brasileiras na Venezuela e em US$ 7 bilhões anuais a quantia do petróleo subsidiado e da assistência financeira que Caracas presta a Cuba. Os interesses econômicos são um dos fatores que aproximam o Brasil da Venezuela, acima de qualquer adversidade política, além da proximidade, da Amazônia compartilhada e do destaque na integração regional, afirmou outro embaixador aposentado, Marcos Azambuja.

Com Nicolás Maduro, virtual sucessor de Chávez, deverá ocorrer um governo “mais racional”, sem danos para o Brasil. “A economia venezuelana é um subproduto do petróleo” e Caracas poderá “continuar cometendo imprudências” sem afundar enquanto o barril de petróleo custar mais de US$ 100, opinou Azambuja. Porém, o Brasil já sofre perdas por essas “imprudências”. A refinaria Abreu e Lima, em construção no Estado de Pernambuco, tem atraso de três anos, pelo menos, e custos oito vezes maiores do que o orçamento original.

Parte desses problemas se devem a um acordo não cumprido pela estatal Petróleos da Venezuela, que deveria responder por 40% dos investimentos. A crise sepultou essa associação e “para a Petrobras é melhor assim”, afirmou Adriano Pires, economista especializado em energia e diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura. O atraso na construção, que deverá estar terminada em 2016, tem outros custos para o Brasil, que deve importar grande quantidade de gasolina e diesel a altos preços, mesmo produzindo petróleo que exporta a preços inferiores. Envolverde/IPS

* Com as colaborações de Patricia Grogg (Havana) e José Adan Silva (Manágua).