As empresas devem esperar pelo inesperado?

A KPMG Internacional, uma rede global de firmas independentes, lançou, no dia 14 de fevereiro de 2012, o estudo Expect the Unexpected: Building Business Value in a Changing World (algo como “Espere o Inesperado: Construindo Valor para os Negócios num Mundo em Mudança”), o qual identifica dez megaforças relacionadas à sustentabilidade que afetarão o crescimento das empresas.

A pesquisa parte do princípio de que o ambiente de negócios tem em sua base o surgimento de novas demandas de consumo e produção que vão causar escassez de recursos materiais e naturais, aumentar custos e promover maior controle e regulação por parte dos governos.

Vejamos quais são essas megaforças.

• Mudança do clima. É a megaforça global que afeta diretamente todas as outras discutidas neste relatório. As previsões de perdas de produção anual por causa das alterações climáticas estão entre 1% ao ano, se for feita uma ação forte e imediata, e pelo menos 5% ao ano, se não houver políticas de mudanças.

• Desmatamento. As florestas representam uma grande oportunidade de negócio. Entre 2003 e 2007, os trabalhos com madeira contribuíram com US$ 100 bilhões por ano para a economia global e os produtos florestais não madeireiros (principalmente alimentos) foram estimados em US$ 18,5 bilhões, só em 2005. No entanto, há previsões da ONU de diminuição das áreas florestais em 13% até 2030, principalmente no Sul da Ásia e na África, se não forem tomadas medidas para amenizar o problema. As indústrias madeireiras e demais setores, como o de papel e celulose, são vulneráveis à regulação potencial para diminuir ou reverter o desmatamento, mas já se encontram sob pressão crescente dos clientes para provar que seus produtos são sustentáveis.

• Declínio dos ecossistemas. Historicamente, o principal risco que as empresas enfrentam por deixarem um passivo de declínio da biodiversidade e dos serviços dos ecossistemas tem sido a reputação corporativa. No entanto, como os ecossistemas mundiais mostram sinais crescentes de desgaste, as empresas estão cada vez mais percebendo o quanto suas atividades estão dependentes desses ecossistemas. Seu declínio resulta em escassez de recursos naturais, que ficam cada vez mais caros e menos diversificados, aumentando os custos pelo uso da água e também os custos de setores como agricultura, pesca, alimentos e bebidas, produtos farmacêuticos e turismo.

• Crescimento da população. Se crescer em ritmo moderado, a população mundial deverá ser de 8,4 bilhões de pessoas até 2032. Este crescimento vai colocar pressão sobre os ecossistemas e sobre o fornecimento de recursos naturais e de alimentos. Empresas de energia, água e materiais podem esperar desafios de abastecimento e volatilidade dos preços como resultado. Esta é uma ameaça, mas, se forem feitas gestões responsáveis, também haverá oportunidades para aumentar o comércio, criar empregos e inovar para atender as necessidades das populações crescentes.

• Renda. A classe média global (definida pela OCDE como indivíduos com renda disponível entre US$ 10 e US$ 100 per capita por dia) está prevista para crescer 172% entre 2010 e 2030. O desafio para as empresas é atender a esse novo contingente num momento em que os recursos tendem a ser mais escassos e de preços mais voláteis. As “vantagens” que muitas empresas experimentaram nas últimas duas décadas, como mão de obra barata nos países em desenvolvimento, por exemplo, tendem a ser corroídas pelo crescimento e pelo poder de compra da classe média global.

• Urbanização. Em 2009, pela primeira vez, mais pessoas viviam em cidades do que em áreas rurais. Até 2030, todas as regiões em desenvolvimento, incluindo Ásia e África, deverão ter a maioria de seus habitantes vivendo em áreas urbanas. Todo o crescimento populacional nos próximos 30 anos ocorrerá nas cidades. Por isso, elas exigirão melhorias extensas em infraestrutura, incluindo abastecimento de água, construção e saneamento, eletricidade, controle de resíduos, transportes, saúde, educação e segurança pública.

• Segurança alimentar. Nas próximas duas décadas, o sistema global de produção de alimentos viverá sob crescente pressão das megaforças, incluindo crescimento populacional, escassez de água e desmatamento. Há estimativas feitas pelas bolsas de cereais e pela ONU de aumentos entre 70% e 90% nos preços globais dos alimentos, até 2030. Em regiões com escassez de água, os produtores agrícolas estão mais suscetíveis a essa pressão, pois terão de competir pelo abastecimento de água com outras indústrias intensivas, tais como concessionárias de energia elétrica e mineradoras, e com os consumidores em geral.

• Energia e combustível. Mercados de combustíveis fósseis tendem a se tornar mais voláteis e imprevisíveis por causa da alta demanda global de energia, das mudanças no padrão geográfico do consumo, das incertezas do fornecimento e da produção e das crescentes intervenções regulatórias relacionadas às mudanças climáticas.

• Escassez de recursos naturais. Como os países em desenvolvimento estão se industrializando rapidamente, a demanda global por recursos materiais deverá aumentar drasticamente. Os negócios deverão enfrentar restrições comerciais crescentes e competição global intensa por recursos materiais cada vez menos disponíveis. A escassez também cria oportunidades para desenvolver materiais substitutos ou a recuperação de materiais a partir de resíduos.

• Escassez de água. Prevê-se que, em 2030, a demanda mundial de água doce vai exceder a oferta em 40%. Empresas ficarão vulneráveis à escassez de água, ao declínio na qualidade da água e à volatilidade dos preços. O crescimento pode ser comprometido e os conflitos por abastecimento de água podem criar um risco de segurança para operações de negócios.

A estas dez megaforças apresentadas pelo relatório, eu acrescentaria mais duas.

• Mudança no padrão de consumo. Com a simplificação do modo de vida.

• Mudança de valores. Os valores passam a se relacionar à nova visão sobre o sucesso e à retomada das relações sociais e familiares como centro da vida em sociedade, e não mais ao quanto se pode consumir.

Como essas megaforças impactam os negócios?

De acordo com o relatório da KPMG sobre megaforças, os custos dos impactos ambientais duplicam a cada 14 anos e as companhias devem esperar por uma alta dos custos ambientais externos, que atualmente não são indicados nas demonstrações financeiras.

O documento define “megaforças” como os dez fatores externos já mencionados, que interagem entre si e afetam o andamento dos negócios em todo o planeta. Essas megaforças são responsáveis por bilhões em prejuízo a cada ano.

Ainda de acordo com o relatório, esses dez fatores elevaram os custos de produção, distribuição e comercialização das empresas em US$ 566 bilhões em 2002. Este custo adicional subiu para US$ 846 bilhões em 2011, e pode dobrar nos próximos anos.

O relatório deixa claro que as ações das “megaforças” já estão acontecendo. As companhias multinacionais de alimentos ilustram bem o problema: elas já estão sentindo a pressão do aumento veloz nos preços de suas matérias-primas, que chegaram a valores inimagináveis há apenas alguns anos. Apesar de todo o avanço das tecnologias de produção, o índice da ONU que mede preços dos alimentos subiu 40% apenas em 2007. No ano passado, o milho registrou um aumento de 80%, a aveia 70%, o trigo 54% e a soja 37%.

Proatividade

Para os analistas responsáveis pela pesquisa da KPMG, as empresas precisam ser mais ativas ao lidar com as “megaforças” e buscar maneiras de se adaptar e até aproveitar as oportunidades que podem surgir. Para isso, todas as companhias deveriam se preocupar com as palavras “substituição”, “adaptação” e “adequação”.

Outra palavra importante, segundo o documento, é a “sustentabilidade”, que ainda não é bem compreendida pelo empresariado. O relatório afirma que sustentabilidade não diz respeito apenas a ações verdes, mas a manter todas as áreas da empresa funcionando de uma maneira não destrutiva. Este deve ser o foco em todos os níveis da companhia, da produção à comercialização, e isso não é bem interpretado pelas empresas.

Por fim, as companhias devem estar atentas às parcerias estratégicas e novas oportunidades, como as tecnologias de baixo carbono e novos mercados que estão surgindo. Eles representam caminhos que podem facilitar a transição para um modelo mais sustentável.

O documento relata que é preciso garantir uma boa estrutura de leis e políticas estáveis, que removam barreiras protecionistas e criem condições favoráveis para o crescimento econômico.

* Publicado originalmente no site Instituto Ethos.