Responsabilidade social e consumo consciente – o outro lado da moeda

De qual forma a responsabilidade social praticada pelas empresas impacta nosso dia a dia? O que o consumidor percebe destas ações praticadas pelas empresas? Faz alguma diferença na opção de compra do consumidor final o modo como a companhia se comporta em relação às dimensões ambientais e sociais de seu negócio? Como o comportamento de compra impacta no desenvolvimento sustentável de nossa sociedade? Qual o papel do governo, das corporações e do consumidor?

A pesquisa Responsabilidade Social das Empresas & Percepção do Consumidor Brasileiro, elaborada pelo Instituto Akatu e pelo Instituto Ethos, no final de 2010, busca compreender e monitorar a percepção do consumidor brasileiro sobre a responsabilidade social das empresas (RSE). A ideia também foi buscar indicações de como tornar mais efetivas as estratégias utilizadas para a sensibilização e mobilização deste consumidor, para que ele possa utilizar seu poder de compra como forma de “pressão” para que as empresas transformem suas atividades incorporando diretrizes alinhadas às boas práticas sociais e ambientais de um negócio. Da mesma forma, busca sinalizar tendências das ações das empresas no campo da responsabilidade social, de forma a estimular a ampliação desse movimento no meio empresarial.

Uma das informações mais relevantes da pesquisa mostra que, em relação aos dados obtidos em 2006, houve um aumento de consumidores “indiferentes” ao consumo consciente (de 25% para 37% do total), ao mesmo tempo em que o percentual de consumidores “conscientes” manteve-se inalterado no patamar de 5%. Para avaliar a evolução das práticas de consumo consciente pela população foram analisadas mais de uma dúzia de comportamentos utilizados para classificar os consumidores em quatro grupos indicativos de maior ou menor grau de assimilação: os indiferentes; os iniciantes; os engajados e os conscientes.

Considerando o aumento populacional do período, 5% equivalem a cerca de 500 mil consumidores aderindo a valores e comportamentos mais sustentáveis, o que pode ser avaliado como bastante positivo. Com o crescimento e a estabilização da economia brasileira, o aumento da renda dos trabalhadores e o acesso a crédito, as classes mais baixas se viram capazes de almejar bens e serviços aos quais antes não tinham acesso, inclusive de itens que são usados tradicionalmente para qualificar a classe social de uma família. A classe média brasileira já teve, nos últimos anos, um avanço significativo e passou de 18% para 30% da população total no período entre 1990 e 2004. A classe C tem 46% da renda nacional e a tendência é continuar crescendo e chegar a cerca de 60% em meados do século, aproximando-se do patamar dos países desenvolvidos.

Foram analisadas também práticas que fornecem dados sobre adesão aos comportamentos de consumo consciente que podem ser agregadas em quatro grupos: práticas de economia (de benefício direto ao indivíduo, focando o não desperdício com retorno de curto prazo); práticas de planejamento (otimização racional de recursos que são melhor aproveitados com retorno de médio e longo prazos); práticas de reciclagem (ligadas ao descarte, reutilização e reaproveitamento de materiais com retorno imediato ou não); e práticas de compras sustentáveis (indicam consumo consciente e mobilização pelas causas ligadas à sustentabilidade e à responsabilidade social empresarial). Os grupos de comportamento economiaplanejamento tendem a gerar mais impacto direto para o indivíduo, enquanto os comportamentos associados aos grupos de compra sustentávelreciclagem tendem a gerar impactos mais amplos e pressupõem maior nível de comprometimento com a causa. Os dados da pesquisa mostram que não houve mudanças significativas desde 2006. Vale destacar, entretanto, que o comportamento de economia é praticado todos com percentuais acima de 60% de consumidores que “sempre os adotam”. Em contraposição, os comportamentos que pressupõem maior nível de consciência, ligados ao grupo de compras sustentáveis têm todos menos de 30% de consumidores que os praticam “sempre”.

Outro ponto que merece destaque no relatório é o baixo interesse sobre o tema de RSE. Além disso, e como decorrência desse fato, também se constata um percentual baixo de consumidores que buscam informações sobre o tema: apenas 16%, principalmente consumidores pertencentes às classes A e B.

Alternativamente, ecologia e meio ambiente despertam um interesse muito maior que RSE, e, mais ainda do que o “indecifrável” tema da sustentabilidade. Concretamente, 84% dos consumidores não conhecem, ou não sabem definir, ou apresentam uma definição incorreta para o termo sustentabilidade. Apenas 16% dos consumidores têm alguma ideia do seu significado, que se aproxima mais das dimensões ambientais da sustentabilidade.

O terceiro ponto interessante do relatório são os resultados da análise feita sobre as expectativas dos consumidores em relação às ações desenvolvidas pelas empresas. A grande maioria acredita que as companhias devem ultrapassar as demandas de compliance, ou seja, ir além do que está estabelecido pela legislação vigente. Boa parte deste grupo (60% do total) acredita que a atuação das empresas deve ser pautada também pelos potenciais benefícios que a sua atividade gera para a sociedade como um todo, além dos óbvios benefícios que busca obter para si. Outro grupo bastante representativo (25%) também acredita que as empresas devem ir além do estabelecido na lei na medida em que os benefícios destas ações possam ser repassadas aos clientes.

Mesmo assim, embora a expectativa seja grande, a percepção do consumidor sobre o que a empresa diz que faz está aquém do desejável. Quase a metade dos consumidores consultados (44%) não acredita no que as empresas divulgam sobre suas ações de RSE. Outros 40% acreditam que depende de qual corporação ou qual o meio de divulgação da informação. As empresas e suas marcas estão constantemente presentes no dia a dia do consumidor e são percebidas e valorizadas por ele, ou não. A satisfação de um consumidor em relação ao seu fornecedor de produtos e serviços varia conforme a sua expectativa prévia, que pode estar fundamentada na satisfação de um desejo impulsivo, no valor do status que o bem ou serviço proporciona ou na satisfação de uma necessidade básica.  As marcas e suas empresas estão presentes no cotidiano da comunicação, na TV, nas mídias impressas, nas redes sociais. Parece crucial divulgar as ações desenvolvidas pelas empresas de forma ética e transparente.

A análise da expectativa dos consumidores quanto ao papel das empresas também merece destaque. De forma geral, o consumidor espera que haja imposição de responsabilidades para as empresas, e não apenas um estímulo a uma ação de adesão voluntária. Do total de entrevistados, pouco mais de 60% consideram que o governo deve obrigar as empresas a tornar a sociedade um lugar melhor para todos; que devem ser criadas leis que exijam que as fabricantes forneçam instruções claras sobre uso e descarte dos produtos, e que é importante que o consumidor pressione as organizações para que evitem danos ao meio ambiente. Em relação ao processo de escolha de produtos e serviços, a pesquisa indica que as razões que influenciam com mais intensidade a decisão de compra estão ligadas à preocupação com a segurança do uso dos produtos para saúde (59%), a existência de programas de melhoria da educação e da saúde (53%), e com o fato da empresa não fazer propaganda enganosa (53%). Os aspectos de maior impacto são os mesmos quando a pergunta se refere a ações que reduziriam o interesse em marcas de algum produto ou serviço.

Ao que parece, mesmo tendo pouco conhecimento sobre o tema em sua abordagem mais teórica, há uma expectativa clara de um posicionamento mais firme tanto de governos quanto das empresas no que se refere a mudanças de comportamento, principalmente nos temas ligados à saúde e à segurança do uso de produtos, preocupação com os impactos ambientais do negócio e transparência na divulgação de informações. Mas o que as empresas fazem está alinhado com as expectativas do consumidor? Qual é a percepção do consumidor sobre a prática de responsabilidade social das empresas?

Para tentar responder a esta pergunta, foi solicitado aos consumidores que assinalassem uma relação de 56 tipos distintos de práticas desenvolvidas pelas empresas, ordenadas de acordo com a percepção de importância do consumidor para que uma corporação seja considerada socialmente responsável. As 56 práticas apresentadas foram divididas em seis dimensões: “Direito das Relações de Trabalho”, “Proteção das Relações de Consumo”, “Meio Ambiente”, “Relacionamento com seus Públicos”, “Ética e Transparência” e “Governança Corporativa”.

Notadamente, em praticamente todas as dimensões (exceto Governança Corporativa), é maior o percentual de consumidores que valoriza as práticas que o percentual de empresas que as pratica. Vale ressaltar também que as três dimensões mais importantes são as mesmas para os dois públicos. “Meio Ambiente” aparece em terceiro lugar. Foram destacadas as 11 maiores prioridades do público pesquisado e, como esperado, seis das práticas mais importantes estão ligadas ao tema “Direito das Relações de Trabalho” e duas remetem à racionalização do uso de água e energia, ligadas ao tema “Meio Ambiente”. As outras três estão ligadas ao tema da “Proteção das Relações de Consumo”, principalmente nas áreas de saúde e segurança do consumidor e a outra está relacionada à divulgação de informações sobre os impactos sociais e ambientais do consumo.

Concluindo, o relatório apresenta vários dados que podemos considerar bastante positivos. Neste caso, vale ressaltar o crescimento do número absoluto de consumidores conscientes, a familiaridade com os temas de ecologia e meio ambiente, o reconhecimento das ações mais concretas e tangíveis, além do alto nível de expectativas sobre o impacto das ações das empresas e do papel do governo neste cenário.

Alternativamente, o grande crescimento do segmento de consumidores indiferentes ao tema, resultado da crescente explosão de consumo, o caráter hermético e conceitual da responsabilidade social e da sustentabilidade, a falta de confiança em relação às fontes e aos conteúdos da informação divulgada sobre RSE, e o baixo alinhamento das expectativas do consumidor com as ações das empresas dificultam a disseminação do consumo consciente e de práticas de responsabilidade social.

Do ponto de vista das corporações o mais importante é desenvolver novas tecnologias e novos processos produtivos capazes de criar produtos e serviços inovadores, rentáveis e de baixo impacto social e ambiental, conhecer melhor as expectativas dos seus consumidores e divulgar mais e melhor as ações, de forma ética e transparente, buscando promover uma transformação efetiva do comportamento de compra do consumidor.

Do ponto de vista dos governos, existe a expectativa de que haja mais do que mero estímulo à adesão voluntária das empresas para a implantação de diretrizes e programas de responsabilidade social, o que demanda uma atuação mais firme do poder público tanto no desenvolvimento de leis quanto na implantação de políticas públicas de longo prazo.

Vale a pena destacar o fato de que a explosão do consumo promovida pela ascensão social de grupos menos favorecidos significa, para as empresas, uma oportunidade de ampliação de mercados e de volume de negócios. Significa também para os consumidores o acesso a bens e serviços que representam a tal almejada “vida melhor” desfrutada pelos mais ricos. Mas, quais as possibilidades de compatibilização do desenvolvimento sustentável com o consumo consciente, dado este novo contexto econômico e social? Certamente não serão considerações racionais ou apelos a comedimento no consumo que impedirão a “nova classe média” de comprar bens e serviços a que hoje têm acesso. Além do mais, seria leviano afirmar que a responsabilidade pelo comportamento insustentável do consumismo desenfreado é responsabilidade única e exclusivamente desta fatia da população.

A questão que hoje se coloca é como desenhar um modelo de desenvolvimento que, segundo Fritjof Capra, significa definir “modos de vida, tecnologias, e instituições sociais que prestigiam, apoiam e cooperam com a capacidade inerente da natureza de sustentar a vida humana na terra”. E esta não é uma questão recente e nem um dilema da primeira década do novo milênio. O Relatório Bruntland, de 1987, já apontava que “a humanidade tem a capacidade de fazer o desenvolvimento sustentável e assegurar que atenda as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atenderem suas próprias necessidades”.

Além da elaboração e implantação de políticas públicas e da busca por soluções tecnológicas inovadoras que reduzam os impactos da explosão de consumo, é necessário mudar o mindset da sociedade como um todo. É preciso desconectar felicidade e realização do consumo desenfreado, caso contrário buscar “inclusão social com sustentabilidade” se tornará uma meta inatingível. Somente assim, reconhecendo a responsabilidade e a possibilidade de contribuição de cada um dos setores da sociedade brasileira, será possível contribuir para a construção de um modelo de progresso econômico e social que permitirá que todos os brasileiros atinjam boas condições de vida — sem comprometer as condições de sustentabilidade.

Fontes de pesquisa

“Responsabilidade Social das Empresas & Percepção do Consumidor Brasileiro” – Instituto Akatu e Instituto Ethos (2010).

“Classe C chega ao Nível de Consumo da A e B, mas Crescimento Pode Parar” – Folha de São Paulo (09/02/2010).

“Nosso Futuro Comum” – Relatório Brundtland da Comissão Global da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1987).

“Guia de Sustentabilidade” – Aron Belinky na Revista Exame (2008)

* Melissa Porto Pimentel é especialista em Investimento Social Privado, com 17 anos de sólida carreira na área sem fins lucrativos. É formada em Biologia pela USP, com pós-graduação em Administração de Empresas pela FGV e mestrado em Gestão de Organizações Não Governamentais pela London School of Economics/UK. Iniciou sua carreira na área trabalhando no Cenpec – Centro de Estudos e Pesquisas em Educação Cultura e Ação Comunitária, onde esteve por quase cinco anos. Após o mestrado, foi convidada a implantar a área de Investimento Social Privado do Grupo Camargo Corrêa e, em 2001, assumiu a Superintendência do Instituto Camargo Corrêa. Em 2008, teve como desafio formalizar e incrementar as atividades da RedEAmérica no Brasil, onde atuou como Secretária Executiva até o início de 2009. Atualmente, é consultora na DBM, especializada em Terceiro Setor, e sócia da Gestão Origami, uma nova consultoria de gestão de negócios com um vetor de atuação com base no conceito da sustentabilidade.

* Conteúdo cedido pelo Sesi e publicado originalmente no site do Mercado Ético.