Arquivo

Europa e Estados Unidos, aliados em crise

Joaquín Roy. Foto: Cortesia do autor
Joaquín Roy. Foto: Cortesia do autor

Barcelona, Espanha, julho/2014 – Há poucas décadas, mesmo antes do final da Guerra Fria, antes e depois do triunfo de Ronald Reagan, aconteciam periódicas análises da decadência dos Estados Unidos. Outras vezes, o turno do pessimismo cabia à Europa, sobretudo quando não conseguia superar sua ambivalência diante do aprofundamento do processo de integração, especialmente pelo fracasso de seu projeto constitucional.

O Ocidente estava em crise. Agora o casal parece passar por uma época semelhante, na qual cada um tenta superar-se em inferioridade.

Os Estados Unidos parecem estar sumidos em horas baixas por causa da aparentemente errática política externa do presidente Barack Obama, que não parece ter feito bom uso da superação da herança da atuação de George W. Bush no Oriente Médio.

A agenda de Obama baseada em “liderar por trás” está lhe causando graves problemas, que seriam um sério obstáculo caso pudesse optar por outra reeleição.

Esse lastro pode pegar Hillary Clinton, caso decida, por fim, optar pela Presidência. O certo é que a indecisão na Síria, o desastre da desintegração do Iraque e o ainda sem resolução desafio de Rússia e Ucrânia, oferecem um diagnóstico dos Estados Unidos em decadência internacional.

A União Europeia (UE), por sua vez, não apresenta um cenário melhor e, somente se conseguir garantir sua trama institucional depois das eleições parlamentares de maio, poderá afirmar que superou o generalizado diagnóstico de um futuro problemático.

Pressionada pela ascensão do populismo e do neonacionalismo, propagada sua economia pela desigualdade e falta de crescimento sustentado, a UE está longe de se apresentar como alternativa de liderança e esperança para o resto do planeta, e como sócio idôneo para os Estados Unidos em superar a crise global.

Mas, curiosamente, este estranho casal, que pode ser incluído no que generosamente se chama Ocidente, pode presumir continuar desfrutando de um profundo capital e uma base não apenas de sua sobrevivência, mas de sua sustentada liderança para o resto do mundo.

Nos dois casos, uma sistemática tragédia humanitária revela sua mútua fortaleza e garantia de sobrevivência futura. Os dramáticos e repetitivos acontecimentos oferecidos pelos processos migratórios oferecem o grande capital com que, tanto Europa quanto Estados Unidos, contam em comparação com outras regiões.

Por um lado, milhares de adolescentes latino-americanos realizam uma invasão do território dos Estados Unidos, em busca de um futuro muito melhor do que o deixado para trás em uma América Central devorada pelo crime, pela pobreza e pela desigualdade.

Por outro, as costas da Itália recebem o doloroso impacto da imigração dos desesperados lançados por traficantes, que resulta em naufrágios e mortes por asfixia. Em outro cenário semelhante e diferente, a tentativa de assalto da fronteira espanhola nos enclaves de Marrocos já deixou de ser notícia.

O que revelam esses aparentemente cenários diferentes?

Simplesmente que a fortaleza desses sócios em crise está baseada em seu comparativamente imponente poder de atração para a imigração.

Por muitas dificuldades que numerosos países europeus sofrem atualmente, a perspectiva de vida na Europa é comparativamente muito melhor do que na África ou Ásia, e inclusive na América Latina, apesar do fato do retorno de numerosos imigrantes para seus países de origem.

O futuro (e o presente, como sempre foi no passado) dos Estados Unidos continua unido à reserva da imigração. Daí os setores norte-americanos contrários à reforma migratória não estarem apenas destinados a fracassar, mas no momento estão prestando um fraco serviço ao país.

Nas duas regiões, esses dois sócios agora envolvidos na exploração de um Acordo de Livre Comércio e Investimentos (TTIP), estão destinados a superar em nível de vida e expectativas de futuro outras regiões do mundo.

O que não está claro é se as desavenças, ambivalências e competências dos dois lados do Atlântico deixarão cada vez mais distante a consecução de um acordo mais necessário do que nunca.

Os dois sócios continuam sendo aliados naturais em liderar o planeta na superação da crise. Ambos têm seu futuro soldado em seu destino imigratório. Envolverde/IPS

* Joaquín Roy é catedrático Jean Monnet e diretor do Centro da União Europeia da Universidade de Miami. [email protected].