Talvez a única saída neste funesto momento europeu seja o crescimento, com geração de renda e aumento dos gastos públicos. Foto: AFP

Alguns comemoraram o recente acordo realizado entre a maioria dos países da zona do euro, entretanto, nove países vão consultar os parlamentos de seus países, e ainda depende de uma série de detalhes legais. Entre eles, a necessidade de fazer mudanças nas suas Constituições. A pergunta que poucos fazem e que se deveria fazer é a seguinte: o possível acordo foi ou será bom para quem?

O euro foi adotado em janeiro de 1999, fixando todas as moedas participantes a partir daquele ponto, com a intenção de que fosse usado como a única moeda dos países-membros, a partir do início de 2002. Foram estabelecidos critérios sob o Tratado de Maastricht, que deveriam ser obedecidos pelos países que quisessem se unir ao euro.

Os critérios de convergência foram feitos em termos nominais, sem menção a convergência real ou mesmo convergência em relação ao ciclo econômico. Incluíam critérios de déficit orçamentário e de dívida pública com vistas a estabelecer uma “responsabilidade fiscal” aos olhos dos mercados financeiros, sem qualquer fundamentação racional subjacente. A independência do BCE e dos bancos centrais nacionais também fazia parte dessa lista de critérios. Considerando-se os países que atendiam os critérios, deve-se dizer que, com exceção da taxa de inflação e da taxa de juros, esses critérios não eram atendidos de maneira tão confortável como pode ter parecido inicialmente.

Na verdade, houve grande quantidade de “burlas”, e isso pode ter contribuído para a posterior fraqueza do euro. Na ocasião, considerou-se que esses dois critérios haviam sido atendidos por 11 dos 15 países-membros da União Europeia (UE), os quais ingressaram na Unidade Monetária Europeia. (Inicialmente, a Grécia não foi incluída, mas, em janeiro de 2001, considerou-se que havia atendido os critérios e, assim, ingressou como membro do euro.)

A introdução de uma moeda única acompanhou o Pacto de Estabilidade e Crescimento, que rege as políticas econômicas dos países-membros que ingressaram no sistema de moeda única e restringem fortemente as políticas dos que ingressaram nele.

O Pacto, em conjunto com o Tratado de Maastricht, cria quatro regras para a política econômica. As quatro regras são: a garantia de que o BCE seja independente de influência política; a introdução da regra de “não afiançamento (no-bail-out) dos déficits públicos nacionais”; a proibição de financiamento monetário dos déficits públicos; e a necessidade de os Estados membros evitarem déficits “excessivos” (definidos como mais de 3% do PIB). É importante lembrar, no acordo desenvolvido na última semana não há nenhuma grande novidade, mas sim, o cumprimento das duras regras anteriormente estabelecidas que foram, de certo modo, “burladas” em seu início.

Nesse contexto, é possível identificar uma série de problemas em relação aos arranjos institucionais do euro. Ao menos, dois deles podem ser ressaltados. O primeiro é que, na verdade, há uma ausência de política fiscal (além, é claro, das diretrizes para os Estados membros que emanam do Pacto de Estabilidade e Crescimento); a política monetária recebe prioridade em relação à política fiscal, e a coordenação entre as políticas fiscal e monetária é proibida. Tanto no nível nacional quanto no nível da UE, a utilização de política fiscal é fortemente restringida pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento.

O segundo é que a configuração institucional produz um certo viés para tendências deflacionárias. Significa também que os governos estão sob pressão para aumentar impostos e/ou cortar gastos públicos sob circunstâncias recessivas, o que exacerba a desaceleração. Por conseguinte, a política macroeconômica no nível da UE foi projetada para operar de maneira restritiva. O BCE segue regras extremamente cautelosas em sua tentativa de ganhar “credibilidade” nos mercados financeiros, à custa de qualquer outro objetivo. Ao que tudo indica a maioria dos governos da zona do euro está colocando o lucro dos bancos acima das pessoas, pois, como pode-se evidenciar, o seu marco regulatório inicial e atual subordina a democracia ao mercado financeiro.

Neste sentido, talvez a única saída neste funesto momento europeu seja o crescimento, com geração de renda, aumento dos gastos públicos com perspectivas de ampliação de investimentos e criação de empregos, ou seja, realizar política fiscal de fato. Para tanto, é essencial rediscutir o tratado de criação do euro, não como realizado recentemente, sem o qual, o inverno europeu que se avizinha será longo, muito longo…

* Paulo Daniel é economista, mestre em economia política pela PUC-SP, professor de economia e editor do Blog Além de Economia.

** Publicado originalmente na Carta Capital.