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Nos dois anos de mandato da “mãe do PAC”, o Brasil cresceu, em média, 1,8%. Para especialistas, são vários os “vilões”, entre eles, a baixa taxa de investimento e a desaceleração autoinduzida do início do governo Dilma. Mas o provável é que essa tendência se reverta.

“Quero um ‘PIBão’ grandão”, disse a presidente Dilma Rousseff em 20 de dezembro quando perguntada o que gostaria de presente de Natal. Ela se referia a 2013, já que as previsões de crescimento da economia brasileira para 2012, de 1% em relação ao ano anterior, não eram nada animadoras.

De fato, em 1º de março, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) anunciou o “PIBinho” de 2012: 0,9%, o mais baixo desde a crise econômica internacional deflagrada em setembro de 2008. Considerando o crescimento de 2,7% de 2011, os dois primeiros anos do mandato Dilma alcançaram a média de 1,8%, o pior resultado para a primeira metade de uma gestão desde Fernando Collor.

Números bastante tímidos para o governo da “mãe do PAC”, ou seja, a ministra escolhida por Luiz Inácio Lula da Silva para ser a principal responsável por impulsionar o crescimento econômico do país a partir de sua segunda gestão. Como explicar um avanço do PIB tão baixo nos dois últimos anos depois de uma alta de 7,5% em 2010, mesmo levando-se em conta que naquele ano o desempenho da economia partiu de uma base bastante rebaixada por causa da retração de 2009?

Taxa de investimentos reduzida, estagnação da produção industrial – causada, principalmente, pela manutenção do real valorizado –, cenário internacional desfavorável, juros altos, crédito caro, infraestrutura deficiente, política econômica historicamente recessiva e a desaceleração “autoinduzida” no início do governo Dilma são fatores apontados como os “vilões” por especialistas ouvidos pelo Le Monde Diplomatique Brasil.

Em 2012, apesar de um crescimento de 1,7% no setor de serviços e de 3,1% no consumo das famílias, a indústria recuou 0,8% e a agropecuária, 2,3%. A queda da taxa de investimentos chama a atenção: 4% – em aquisições de maquinário, o recuo foi de 9,1%. “Uma das principais razões para a fraqueza da economia, se não a principal, é o nível insuficiente de investimento, tanto público quanto privado. A taxa de investimento continua baixa, e uma recuperação da economia mais forte, sustentada, depende de uma recuperação mais clara nesse campo”, opina Paulo Nogueira Batista Jr., diretor executivo pelo Brasil e mais dez países no Fundo Monetário Internacional (FMI). Em 2012, a taxa de investimentos ficou em 18,1% do PIB, mesmo nível de 2009 e ainda distante da meta do Plano Brasil Maior – lançado em agosto de 2011 com o objetivo de aumentar a competitividade da indústria brasileira – de 22,4% para 2014. Em 2010, tal índice atingiu 19,5% do PIB, enquanto em 2011 caiu para 19,3%.

“Com a onda de privatizações [iniciada na década de 1990], a decisão de investir passou para o setor privado, em um cenário em que a especulação é mais atrativa. Além disso, houve um sucateamento do parque de infraestrutura. É preciso ter crescimento e investimento. A taxa de investimento de consenso é da ordem de 25% do PIB”, avalia o economista Paulo Kliass, especialista em políticas públicas e gestão governamental. Para Amir Khair, ex-secretário de Finanças da cidade de São Paulo (1989-1992), o fato de o setor privado ser hoje o principal “responsável” pelo investimento faz justamente que o crescimento dessa taxa passe pela decisão empresarial. “E essa decisão está ligada à oportunidade, que, por sua vez, está ligada a duas questões: perspectiva de elevação do consumo do bem produzido e Selic baixa.”

Octavio de Barros, economista-chefe do Bradesco, explica que o resultado do PIB de 2012, “por mais contraditório que possa parecer, dialogou muito pouco com a efetiva percepção geral de atividade econômica”. Para ele, o índice está mais relacionado com o que ocorreu com o setor industrial. De acordo com os dados do IBGE, se a indústria recuou 0,8% no geral, a de transformação caiu 2,5% – o resultado global do segmento só não foi pior por causa do desempenho da construção civil.

E tal realidade não vem de hoje. Estudo divulgado também em março pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), entidade mantida por um grupo de grandes empresários, aponta que é o setor de serviços – calcado principalmente no aumento de renda dos brasileiros – que vem puxando o crescimento da economia nos últimos anos. Desde setembro de 2008, avançou 11,6%, enquanto o PIB teve alta de 9,3%. A indústria, por sua vez, cresceu 2% no período, puxada justamente pela construção civil (12,1%), já que o segmento de transformação teve queda de 5,9%. Ainda de acordo com a pesquisa do Iedi, se nesses pouco mais de quatro anos as importações aumentaram 34,8%, as exportações avançaram apenas 5,9%.

“A corrosão sistemática da competitividade industrial tem a ver com uma taxa de câmbio circunstancialmente valorizada por muitos anos e por um quase inexistente desenvolvimento da infraestrutura brasileira nos últimos dez anos”, analisa Barros. “Qual sentido teria aumentar a capacidade instalada se a empresa opera em ociosidade e com excesso de estoques durante todo o ano de 2012, decorrente do desaparecimento da demanda externa de manufaturados e da perda de seu próprio mercado para os importados?”

Outro estudo do setor empresarial, desta vez da Confederação Nacional da Indústria (CNI), detectou que em 2012 o coeficiente de penetração das importações, que mede a participação de manufaturados vindos de fora no consumo interno, atingiu 21,6%. Foi um recorde histórico, assim como a participação de insumos importados na produção: 23,2%. Já dados oficiais divulgados em abril apontam que no primeiro trimestre de 2013 a balança comercial do Brasil teve um déficit de US$ 5,15 bilhões, primeiro resultado negativo desde 2001.

“A taxa de câmbio é importante para o investimento, sobretudo numa situação em que a economia precisa se proteger da concorrência estrangeira. Isso foi muito negativo para o crescimento industrial. O governo tentou corrigir esse absurdo, mas fez isso com cautela porque pode haver efeitos negativos do ponto de vista da inflação. Não foi suficiente”, lamenta Luiz Gonzaga Belluzzo, professor titular do Instituto de Economia (IE) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Paulo Kliass lembra que, nos últimos anos, os manufaturados perderam presença para as commodities no bolo da exportação brasileira. “Se um setor importante como a indústria começa a recuar, o PIB também acaba recuando. Não que as pessoas deixem de consumir, mas consomem importados.”

Para Octavio de Barros, essa situação se agravou ainda mais por causa da mudança “brutal” no padrão salarial brasileiro nos últimos anos. “De certa forma, os governos Lula e Dilma foram vítimas de seu próprio sucesso. As empresas não estavam preparadas para esse aumento de custos até porque já não eram competitivas por outros fatores”, diz.

Pé no freio no começo de gestão

De qualquer modo, o governo Dilma parece estar colhendo o que (não) plantou nos primeiros meses de sua gestão, quando tomou uma série de medidas macroprudenciais para deliberadamente desacelerar a economia: sobretudo, elevação da taxa básica de juros e do superávit primário, com cortes de gastos públicos da ordem de R$ 50 bilhões. O temor era uma possível alta da inflação ocasionada pelo aumento da demanda interna. “Outro fator importante foi a percepção de que não poderíamos repetir o crescimento de 7,5% [em 2010], senão teríamos gargalos na área de infraestrutura por alguns anos”, explica o professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), João Sicsú.

Segundo ele, no entanto, o governo forçou a mão: pretendia reduzir o crescimento para 4,5%, mas o PIB de 2011 ficou em 2,7% e refletiu em 2012. Para Márcio Pochmann, ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), esse pé no freio, combinado com a desaceleração internacional, provocou o crescimento exíguo. “É diferente do que aconteceu em 2008, em que tivemos queda do PIB em 2009, mas vínhamos de uma expansão e adotamos uma série de iniciativas que buscava manter a aceleração. Já o primeiro semestre de 2012 foi comprometido pelas decisões feitas no início do governo Dilma”, avalia.

Entretanto, para alguns economistas, mais do que reflexo dessa série de medidas tomadas nos primeiros meses de 2011, o baixo desempenho do PIB brasileiro nos últimos dois anos está ligado ao histórico da política econômica executada desde os tempos do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e ao crescimento baseado no aumento da renda e dos níveis de consumo do brasileiro colocado em prática durante as gestões do ex-presidente Lula (2003-2010). Para Paulo Kliass, o tripé formado pelas metas de inflação, pela liberdade cambial e pelo superávit primário se manteve com a chegada do PT ao governo, o que trouxe como consequência um processo recessivo. “A agenda desenvolvimentista só foi posta em prática mais tarde, por um fator exógeno. Com a crise econômica norte-americana, o Estado foi chamado a intervir para salvar o próprio sistema, o que infelizmente não foi feito no ritmo que se deveria. E o recrudescimento da crise na Europa repercutiu acentuadamente sobre o restante do mundo”, acredita.

Para Plinio de Arruda Sampaio Filho, professor de Economia da Unicamp, o PIBinho pode ser explicado pelo privilégio ao rentismo característico da política econômica petista, que drena os gastos governamentais para os credores da dívida pública. “A falta de fatores endógenos para estimular a demanda agregada, a baixa produtividade da economia e o aparecimento de pontos de estrangulamento na estrutura produtiva são reflexos diretos de decisões e omissões que reforçaram a importância crescente do mercado internacional como fonte de dinamismo, perpetuaram os condicionantes estruturais responsáveis pela baixíssima taxa de investimento, público e privado, e levaram ao limite de suas possibilidades o aumento de consumo financiado pelo sobre-endividamento das famílias”, completa.

O economista Paulo Passarinho, apresentador do programa Faixa Livre, acredita que sobretudo o aumento de renda dos mais pobres, combinado com a ampliação dos mecanismos de crédito, foi o responsável pelo crescimento da economia durante as gestões Lula. “É uma aceleração muito calcada no consumo das famílias e nas importações”, diz, destacando que tal realidade provocou a baixa taxa de investimento e a consequente desindustrialização dos últimos anos. De fato, segundo o estudo do Iedi divulgado em março, se o consumo avançou 19,7% desde setembro de 2008, o investimento teve alta de 6,1%. Em 2012, além disso, a indústria ficou prejudicada por um arrefecimento da demanda. Se em 2010 o consumo cresceu 7%, em 2012 subiu apenas 3,1%, o menor índice desde 2003.

Juros altos

O economista Ladislau Dowbor, professor titular no Departamento de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), também cita o alto nível da taxa Selic como uma das “vilãs” do baixo desempenho da economia brasileira. Fazendo a ressalva de sua redução acentuada durante as gestões petistas, ele lembra que, em média, vem ocorrendo uma transferência de entre R$ 100 bilhões e R$ 150 bilhões anualmente de recursos públicos para detentores de títulos da dívida. “A sangria continua e é dinheiro que poderia estar sendo utilizado para investimentos. Então aí há um travamento”, explica.

Mas tanto Dowbor quanto Amir Khair chamam a atenção para os juros altos na economia “real”, ou seja, as taxas cobradas por bancos, financeiras e comércio. Eles citam dados da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac) para demonstrar que mesmo após a pressão do governo federal e a redução dos juros cobrados por Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil as taxas continuam nas alturas. De acordo com a entidade, em dezembro de 2012 a média cobrada da pessoa física era de 88,8% ao ano (120% em 2011), enquanto para a pessoa jurídica esse índice era de 43,7% (60% no ano anterior) – mínima histórica desde que começou a registrar tais dados, em 1995.

“Nenhuma economia cresce de forma saudável quando a taxa de juros, que não é a Selic, está no nível que está no Brasil. Para efeito de comparação, nos países emergentes, nos últimos anos, a taxa ao consumidor tem sido de 10% ao ano; nos desenvolvidos, 3%. Esse é o freio da economia”, defende Khair. Dowbor concorda: “Essa taxa de juros que, na média, dobra o valor das coisas, por outro lado corta pela metade a capacidade de compra do cidadão”.

Medidas de estímulo

Em agosto de 2011, o governo federal “acordou”. Dando-se conta da mão pesada aplicada na desaceleração da economia brasileira no começo daquele ano, passou a tomar outra série de medidas, desta vez de estímulo ao crescimento por meio dos investimentos e, ao mesmo tempo, de freio à inflação – até o começo de abril deste ano, já eram quinze pacotes. Com a Medida Provisória (MP) n. 540, convertida na Lei n. 12.546, de 14 de dezembro de 2011, inaugurou as desonerações da folha de pagamento de alguns setores da indústria, com o objetivo de ampliar a competitividade e as exportações, além de incentivar a formalização do mercado de trabalho. A contribuição patronal de 20% sobre a folha ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) passou a ser feita sobre a receita obtida com a venda de determinados produtos e serviços, com alíquotas de 1% (produtos) e 2% (serviços).

Ainda em agosto daquele ano, a taxa Selic começou a baixar. Saiu de 12% ao ano para 7,25% em outubro de 2012, índice mantido até abril, quando foi elevada a 7,5% (veja box na pág. 6). Em novembro de 2011, foi a vez de os bancos públicos darem início a uma ofensiva para puxar para baixo os juros do sistema bancário. No segundo semestre de 2012, a MP n. 563, transformada na Lei n. 12.715, de 17 de setembro, incluiu no programa de desoneração mais setores da economia, especialmente os que empregavam muita mão de obra. E, no último 5 de abril, a MP n. 612 adicionou outros. Até agora, são 62 indústrias beneficiadas, entre elas: aérea, naval, têxtil, de confecções, couro e calçados, plásticos, material elétrico, ônibus, autopeças, móveis, serviços de tecnologia de informação, hotelaria, call center, transportes, defesa, comunicação social, construção e obras de infraestrutura, e serviços de manutenção e instalação de máquinas e equipamentos. Para alguns desses setores, a desoneração só entra em vigor em janeiro de 2014, mas o governo aposta que o anúncio dos incentivos estimulará os investimentos.

Em 2012, com o intuito de eliminar os gargalos da infraestrutura no país, Dilma anunciou a concessão de 7,5 mil quilômetros de rodovias e 10 mil quilômetros de ferrovias, iniciativa bastante criticada por setores da sociedade, que a consideram nada mais do que uma modalidade de privatização. A presidente pretende ainda licitar mais de 150 terminais portuários e 270 aeroportos regionais. Em 2 de abril deste ano, o governo emitiu um decreto zerando a alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para operações de financiamento de projetos de concessões e outro criando a Agência Brasileira Gestora de Fundos e Garantias (ABGF), estatal que dará apoio à oferta de garantias para que estes saiam do papel.

A essas medidas somam-se a desoneração de dezesseis itens da cesta básica, anunciada em 8 de março de 2013, a redução das tarifas de energia, posta em prática por meio da MP n. 579, de janeiro deste ano, e a prorrogação até dezembro da redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para automóveis, prevista para ter se encerrado no último 31 de março. Para Márcio Pochmann, a desaceleração interna dos dois últimos anos, combinada com o regime de expansão externo muito baixo, abriu para o Brasil a oportunidade política de construir uma nova matriz que colocará o país em uma nova fase de expansão. “As decisões tomadas sobretudo em 2012 são mudanças estruturais que vão fazer que a economia tenha um caminho muito melhor do que vem tendo. Depois de duas décadas sem investimento em infraestrutura, o Brasil está se preparando para dar um salto”, acredita. “Essa série de medidas já se faz sentir e dá sinais de reativação, ainda que modestos. A expectativa é que a economia volte a crescer”, completa Paulo Nogueira.

Efeito retardado

João Sicsú, da UFRJ, entende que o crescimento ainda não voltou porque as medidas tomadas em 2012 demoram a surtir efeitos. De acordo com ele, a redução da Selic leva de seis a nove meses para apresentar resultados, e mesmo a queda da taxa de juros nos bancos públicos não tem impacto imediato em um momento de crise. “O dinheiro está no banco, mas se estou ameaçado de desemprego, ou, no caso dos empresários, de não vender meus produtos, não vou tomar crédito. Isso vai ter efeito quando a economia retomar a trajetória de crescimento.”

Sicsú também destaca que os indicadores de desempenho da indústria são “altamente positivos” e que as reduções de impostos e tarifas adotadas pelo governo neste ano têm uma resposta mais rápida: “Dinheiro na mão dos empresários é bom, porque aumenta a capacidade de investimento, mas eles não precisam investir de imediato. Dinheiro na mão dos trabalhadores é ótimo porque eles necessitam gastar imediatamente. Tudo indica que este ano vai ter uma excelente recuperação”.

Na opinião de Paulo Nogueira, a recuperação tem mais capacidade para resistir até mesmo diante de um agravamento da crise internacional. “O quadro externo não é brilhante, mas também não é tão adverso como foi: houve uma estabilização da situação, ainda frágil, da Europa, e a situação norte-americana continua problemática do ponto de vista fiscal e político, mas já houve uma recuperação. É claro que qualquer país sofre com os efeitos de turbulências internacionais. Mas a vulnerabilidade brasileira não é tão grande quanto foi no passado”, analisa. Nogueira cita o alto nível das reservas, os elevados volumes de investimento estrangeiro direto e o fato de o Brasil não precisar tanto das exportações. “O mercado interno pesa muito no caso brasileiro. Mas isso depende fundamentalmente do investimento, porque ele precisa crescer para que se possa sustentar um crescimento maior.”

A vulnerabilidade externa, contudo, pode voltar se o governo não tomar cuidado com a elevação do déficit em conta corrente, que em fevereiro bateu 2,79% do PIB. É o que alerta Luiz Gonzaga Belluzzo, para quem a estabilidade pode ser comprometida caso esse índice ultrapasse os 3% do PIB. “Está acendendo uma pequena luz amarela e a gente precisa tomar cuidado com isso.”

Já Paulo Passarinho aposta em um cenário mais problemático. De acordo com ele, as contas externas brasileiras estão arrebentadas. “O segredo para o governo Lula ampliar os mecanismos de crédito foi utilizar o saldo comercial para pagar o déficit da conta de serviços, gerando superávit na conta corrente. Com isso, o custo do financiamento dos grandes grupos econômicos no mercado internacional caiu muito. Como as taxas de juros no Brasil sempre foram elevadas, a turma que tinha condições de usufruir esse crédito externo teve lucros astronômicos, captando fora e oferecendo crédito aqui. Então o custo da manutenção desse modelo é seguir essa trajetória de endividamento, desnacionalização da economia, reprimarização da pauta de exportações e regressão industrial.” Por isso, Passarinho prevê que a crise pode atingir em cheio o Brasil quando o vigor da entrada do capital externo se tornar menor que a saída. “O problema é que, quando essa mão se inverter, e historicamente se inverte, a gente vai ficar com o pires na mão. Agora, quando o humor do capital externo vai se alterar? Não faço a menor ideia. Talvez depois das Olimpíadas”, arrisca.

Para tapar o buraco

Segundo Amir Khair, as medidas anunciadas pelo governo até o momento dão apenas um pequeno empurrão, mas não atacam a estrutura econômica do país. Nesse sentido, ele elenca três ações que deveriam ser prioridade. A primeira delas é combater as altas taxas de juros bancárias. Para isso, o governo deve reduzir a Selic e tabelar as tarifas bancárias, incentivando as instituições financeiras a compensar essas perdas com o aumento da oferta de crédito.

Outra medida é a desoneração da economia, reduzindo os impostos sobre os preços dos produtos – o que também só será possível após a diminuição da taxa básica, que criaria uma folga no caixa do governo. Por fim, Khair defende a desvalorização do real, principal medida capaz de combater a falta de competividade das empresas nacionais. “O câmbio deve funcionar próximo de R$ 3. Entre 2003 e 2007, em valores atuais, corrigidos pelo IPCA, ele foi de R$ 3,80. É difícil para uma empresa competir com o importado e mais ainda com um produto em outro mercado depois que os países desenvolvidos desvalorizaram fortemente suas moedas a partir de 2008. Ficamos bancando os bonzinhos para combater a inflação. Nosso câmbio precisa ser depreciado para garantir o mínimo de competitividade. A culpa não é das empresas, e sim do governo, ao manter o câmbio para controlar a inflação.” Khair lembra que, desde agosto de 2012, o real foi desvalorizado em 30%, sem impactar a inflação.

Já Plinio de Arruda Sampaio Filho entende que as medidas adotadas pelo governo funcionam apenas como uma espécie de “bolsa compensação” para os setores beneficiados. Para ele, com uma conjuntura internacional particularmente adversa, a recuperação do crescimento depende do aumento dos investimentos; e a elevação dos investimentos públicos passa por uma mudança drástica da institucionalidade atual, que subordina o gasto público à lógica dos credores da dívida. “A propaganda em torno do PAC evidentemente não resolve o problema. A elevação dos investimentos privados supõe a clara definição de uma frente de expansão da economia, o que choca com o estado de incerteza estrutural gerado pelo impacto devastador da crise econômica mundial sobre a economia brasileira, cujo principal sintoma é o processo de desindustrialização. Dentro dos parâmetros da ordem global, o Estado brasileiro é impotente para defender o interesse nacional e a economia popular. O desenvolvimento da economia brasileira depende de mudanças profundas, cuja precondição é uma ruptura radical com os interesses especulativos e rentistas do grande capital, internacional e nacional.”

BOX 1:

Só tamanho nao basta

Virou clichê no noticiário econômico brasileiro a brincadeira com uma frase célebre da ditadura: “A economia vai bem, mas o povo vai mal”. Atualmente, observa-se que, pelo contrário, apesar do fraco desempenho do PIB nos últimos anos, os níveis de renda do trabalho e o emprego apresentam seguidos recordes positivos. A aparente contradição não poderia ter uma explicação mais simples: a desigualdade social está caindo no Brasil.

Márcio Pochmann, ex-presidente do Ipea, defende que o governo Lula promoveu uma inversão de prioridade, estimulando o crescimento a partir da distribuição da renda. “Até então a questão social era secundária. A busca pelo dinamismo econômico por meio da expansão do gasto social foi um trunfo, especialmente porque havia muita capacidade ociosa: aumentou renda, poder de compra, consumo, moveu a indústria”, elenca.

O PIB cresceu não apenas em volume, mas em qualidade. O economista Ladislau Dowbor, professor da PUC-SP, explica que não basta crescer, é preciso analisar quem está se beneficiando desse desenvolvimento e se ele está dinamizando a economia como um todo. “Quando se usa uma parte do PIB para tirar 50 milhões de pessoas da miséria, você está melhorando a qualidade de vida delas de maneira absolutamente brutal.” Para ele, os 149 grandes programas sociais do país, somados ao aumento do salário mínimo, à geração de emprego e à formalização, configuram uma mudança de paradigma que se tornou política de Estado no Brasil.

Esse processo elevou o poder de consumo das famílias e fortaleceu o mercado interno. De 2003 a 2012, o número de trabalhadores formais passou de 29 milhões para 48 milhões, com o total de membros das classes A, B e C indo de 79 milhões para 122 milhões de pessoas. “É uma mudança importante no sentido de que mais de 40 milhões de pessoas passaram a ter acesso regular ao mercado de bens e serviços. Isso é uma qualidade muito positiva do nosso crescimento. Há países que são muito sensíveis à economia internacional, principalmente os asiáticos, porque têm um mercado doméstico mais restrito. Nós temos um imenso mercado capaz de escoar nossa produção e tornar nossa economia menos sensível”, observa João Sicsú, professor da UFRJ.

O perigo da timidez

Isso vem acontecendo porque, segundo Plinio de Arruda Sampaio Filho, professor de Economia da Unicamp, não há conflito entre distribuição de renda e crescimento, que, pelo contrário, se retroalimentam. Ele acrescenta, inclusive, que é a ausência de mecanismos endógenos que transfiram sistematicamente os ganhos de produtividade do trabalho para o salário que explica o baixo crescimento dos últimos anos. “A estagnação e a inflação revelam a fragilidade do mercado interno e o agravamento das heterogeneidades estruturais – ambos determinados, em última instância, pela continuidade de um estilo de crescimento baseado na modernização dos padrões de consumo, que agrava as desigualdades sociais.” Para Plinio, os programas de transferência, tímidos, apenas atenuam a perversidade do modelo.

Paulo Passarinho, economista e apresentador do programa Faixa Livre, também não enxerga mudanças substantivas na economia brasileira nos últimos anos. De acordo com ele, o que houve foi uma melhora relativa entre os assalariados mais pobres, sendo 80% das vagas de trabalho criadas desde 2003 de até 1,5 salário mínimo. Passarinho destaca que, nesse período, o crédito em proporção ao PIB passou de 20% a mais de 40%, o que, combinado com os programas de transferência de renda e, principalmente, a política de valorização do salário mínimo, deu às famílias as condições para sustentar o consumo. “E realmente mudou! Em 2002, o 1% mais rico tinha 13,43% da renda, e os 50% mais pobres ficavam com 12,97%. Agora, com todo esse incremento do ganho dos mais pobres, inverteu-se: o 1% mais rico teve 12,11%, e os 50% mais pobres passaram para 15,59%. Isso teve efeito e resultou em popularidade para o governo.” No entanto, ele alerta que esse quadro pode ser perturbador no futuro, uma vez que, sem alternativas políticas, o país continua se desnacionalizando, atravessa um processo de regressão industrial imenso, depende cada vez mais das exportações de commodities agrícolas e minerais e o endividamento público e das famílias segue gigantesco. “Isso vai se sustentar por quanto tempo?”, questiona.

Amir Khair, ex-secretário de Finanças da cidade de São Paulo (1989-1992), prevê que, se o crescimento continuar baixo, a tendência é de queda no emprego e na renda. “Assim, cria-se um verdadeiro problema político para o governo. Todo aquele bônus que a presidente está tendo até agora pode começar a se inverter.” (I.O. e L.B.)

BOX 2:

Selic volta a subir, uma decisão política

Apesar de todas as medidas anunciadas pelo governo federal para retomar o crescimento, no dia 17 de abril o Banco Central tomou uma decisão que vai no sentido totalmente contrário: elevou a Selic em 0,25 ponto percentual. Com isso, a taxa básica de juros passou a 7,5% ao ano, depois de permanecer por seis meses em 7,25%, o nível mais baixo da história.

Em que pese o revés, Márcio Pochmann entende que, desde o início do governo Lula, foi-se construindo uma nova maioria política comprometida com o crescimento. “Mas o rentismo tem uma base político-midiática importante e essa batalha é travada pelos meios de comunicação”, afirma. Ladislau Dowbor, da PUC-SP, acrescenta que a Selic é, na verdade, um boi de piranha: “Ou você alimenta a piranha, ou não atravessa o rio”.

Por trás dos economicismos do noticiário, está a disputa pelos recursos públicos. Para Amir Khair, os analistas de mercado torcem pelo aumento da taxa básica de juros, pois assim ganham dinheiro. “Isso não combate a inflação; na realidade, aumenta as despesas com juros do governo federal e o custo de carregamento das reservas internacionais. Quando o Banco Central eleva a Selic, dá um tiro nas finanças do governo federal.”

Entretanto, isso não significa que não deva haver preocupação com a inflação. Paulo Kliass esclarece que quem mais sofre com o aumento de preços são os mais pobres, “mas é preciso perceber o que é alarmismo”. De acordo com ele, além do atual regime de metas, existem outras formas de combater a inflação, inclusive com mecanismos monetários. Uma delas é elevar o depósito compulsório do sistema bancário. “O manual tradicional de macroeconomia recomenda que, para combater a inflação, é preciso reduzir a demanda, transferindo os recursos disponíveis da esfera do consumo para a da poupança. Elevar o depósito compulsório tem o mesmo efeito sobre a demanda agregada que subir a taxa de juros. Porém, do ponto de vista do gasto público, é melhor, pois a dívida pública não aumenta.” (I.O. e L.B.)

* Luís Brasilino é jornalista e editor do Le Monde Diplomatique Brasil. Igor Ojeda é jornalista.

** Publicado originalmente no site Diplomatique.