Imposição vinda de fora versus informação vinda de dentro

A comunicação entre ambientalistas e público é vital na resolução de problemas ambientais e na promoção da sustentabilidade. A efetividade desta comunicação depende do interesse e respeito do público pela mensagem e seu emissor, respectivamente. Mensagens com pouco apelo vindas de fontes pouco respeitáveis correm o risco de serem ignoradas ou, pior, causarem o efeito oposto ao esperado. Uma pesquisa realizada recentemente na fronteira de desmatamento da Amazônia, como parte do Projeto Conviver Gente e Onças, revelou que crianças podem servir de agentes de comunicação entre ambientalistas e público – nesse caso, os pais das crianças – e aponta um caminho para a efetividade dessa comunicação entre gerações: pegar carona no carisma da espécie de nossa fauna que desperta interesse e emoções tanto em crianças quanto em adultos, a onça-pintada.

O Projeto Conviver Gente e Onças surgiu em resposta ao problema do abate de onças-pintadas. Juntamente com o desmatamento, o abate é uma grave ameaça às populações desses felinos. Entre os produtores rurais à frente de propriedades de pequeno e médio portes no município de Alta Floresta, Mato Grosso, o medo de onça e a crença de que matar onças é uma prática comum entre os vizinhos, além da percepção de que o ataque de onças é uma importante ameaça à pecuária, são as principais motivações para o abate do animal.

Foi com esses produtores rurais e seus filhos que o projeto realizou um experimento que avaliou a efetividade de diferentes abordagens de educação e comunicação – dentro e fora da sala de aula – para melhorar os sentimentos e percepções acerca das onças e, consequentemente, inibir o comportamento de matá-las. O experimento teve duas partes. A primeira avaliou o efeito de estratégias de aprendizagem passiva versus ativa em sala de aula sobre os conhecimentos, sentimentos e percepções dos alunos em relação às onças-pintadas. A segunda examinou o grau no qual estas ações realizadas na escola influenciam também as percepções dos pais dos alunos.

Das crianças para as crianças

O experimento envolveu seis escolas rurais e 150 alunos com idade média de 12 anos. Questionários foram usados para avaliar quantitativamente os conhecimentos, sentimentos e percepções dos alunos em três momentos distintos: antes, imediatamente depois, e três meses depois das atividades em sala de aula. Os alunos foram divididos aleatoriamente em quatro grupos.

O Grupo 1 assistiu passivamente a uma série de aulas expositivas sobre onças, com o apoio de apostilas ilustradas. O Grupo 2 participou ativamente de uma discussão na forma de jogo em que metade do grupo foi incentivada a apresentar argumentos para justificar a visão de que as onças são os piores animais da região, enquanto a outra metade do grupo defendia a posição de que as onças são sua espécie favorita. A validade de um argumento podia ser contestada pela metade adversária. Nesse caso, os proponentes do argumento tinham que defendê-lo. Ganhava o jogo a metade do grupo que, ao final da dinâmica, contasse com o maior número de argumentos válidos. Dessa forma, os alunos compartilhavam entre si, e defendiam a fim de ganhar o jogo, todo o conhecimento, sentimentos e percepções que possuem coletivamente. O Grupo 3 foi exposto às aulas e em seguida à dinâmica de grupo. O Grupo 4 serviu de grupo controle no experimento; os alunos foram avaliados mas não participaram de nenhuma atividade.

O principal efeito detectado no Grupo 1, imediatamente após as aulas expositivas, foi um aumento no conhecimento. No entanto, parte desse efeito se perdeu com o tempo; três meses mais tarde os alunos tinham esquecido uma fração significativa da informação adquirida em sala de aula. A discussão na forma de jogo à qual foi submetido o Grupo 2 teve o efeito de intensificar sentimentos pré-existentes: alunos que já eram favoráveis às onças antes da atividade saíram ainda mais favoráveis, porém alguns poucos alunos que eram muito desfavoráveis às onças se tornaram ainda mais desfavoráveis. As aulas expositivas seguidas de discussão tiveram efeitos mais fortes e duradouros sobre os conhecimentos, sentimentos e percepções dos alunos do Grupo 3 do que cada uma das estratégias de aprendizagem isoladamente: a elaboração, a argumentação sob pressão, e as emoções provocadas pela dinâmica de grupo parecem ter reforçado o aprendizado passivo das aulas expositivas.

Das crianças para os pais

Os pais dos alunos também foram avaliados antes e depois das atividades na escola. Uma parte dos alunos pediu, com o apoio de uma carta oficial da escola, que seus pais revisassem os capítulos da apostila referentes à aula do dia e assinassem as tarefas de casa. Um grupo de pais recebeu informação impressa adicional sobre onças por meio do Guia de Convivência Gente e Onças, um livro ilustrado, colorido, atraente e fácil de entender até por quem não sabe ler. Metade desse grupo de pais recebeu o livro por meio da escola do filho, enquanto a outra metade recebeu o livro diretamente dos pesquisadores do projeto, identificados como representantes de uma organização ambientalista.

O impacto do livro foi maior entre os pais que receberam o livro da escola, das mãos do próprio filho ou filha: ao final do experimento, eles tinham uma percepção mais amena (e realista) da ameaça que as onças representam aos seus animais de criação e à segurança da sua família, e estavam menos convencidos de que matar onças é uma prática comum e socialmente aceitável. Como essas percepções são fatores comprovadamente determinantes do comportamento de matar onças-pintadas entre aqueles produtores rurais, supõe-se que a distribuição dos livros por meio das escolas rurais seja uma maneira mais efetiva de prevenir o abate de onças do que sua distribuição por outros meios.

Imposição vinda de fora versus informação vinda de dentro

Uma possível explicação para o efeito polarizador da dinâmica de grupo sobre os sentimentos em relação às onças é que os alunos podem ter aprendido seletivamente as novas informações que foram levantadas e compartilhadas pelos colegas sobre os prós e contras de se conviver com as onças-pintadas, incorporando apenas os fatos que reforçavam seus sentimentos originais.

Uma outra explicação possível é o fenômeno conhecido em psicologia como reatância ou efeito bumerangue, que ocorre quando, em resposta à forte pressão para aceitar uma opinião, alguém adota ou acentua uma opinião contrária àquela imposta, ou aumenta a resistência às tentativas de persuasão. Ao se verem obrigados a expor ao grupo seus sentimentos negativos acerca das onças e a defender tal posição frente à pressão da grande maioria dos colegas, os alunos se tornaram mais convencidos de que estavam com a razão e desenvolveram opiniões negativas ainda mais extremas. O tiro saiu pela culatra!

A reatância pode ocorrer em qualquer pessoa que acredite que sua liberdade de pensar, sentir ou agir esteja sendo tolhida. Por isso, educadores e comunicadores ambientais devem conhecer bem seu público, levar em consideração suas opiniões mais fortes e sentimentos mais arraigados – como os que a caça às onças e outros assuntos polêmicos costumam despertar –, e avaliar cuidadosamente as implicações de expor e de contrariar tais opiniões e sentimentos, sob o risco de verem as intervenções de educação e comunicação produzirem um efeito contrário ao esperado.

Diante do risco de reatância, abordagens positivas de comunicação que promovam com mensagens prescritivas as condutas desejadas podem ser mais efetivas do que aquelas que condenam as condutas indesejadas; em outras palavras, em lugar do tradicional “não faça isso”, pode funcionar melhor um “você pode fazer desse outro jeito”.

O impacto maior do livro que chega por meio do próprio filho do que por meio de uma organização ambientalista sugere que os pais foram influenciados não apenas pela informação explicitamente comunicada pelo conteúdo do livro, mas também pela mensagem implícita de que a conservação da onça-pintada é apoiada por seus filhos, por uma instituição comunitária que eles reconhecem e respeitam – a escola local – e supostamente também por outros membros da comunidade.

Como seres sociais que somos, tendemos a fazer aquilo que acreditamos que “os outros” estão fazendo, principalmente quando nos identificamos com eles. Se, como discutido acima, em certas ocasiões lutamos por nossa liberdade individual de pensar, sentir e agir, em outras circunstâncias preferimos fazer aquilo que julgamos ser socialmente desejável – e nos abstemos de fazer aquilo que nos parece socialmente reprovável – dentro do grupo social ao qual pertencemos ou acreditamos pertencer.

Educadores e comunicadores ambientais devem estar cientes das oportunidades de se beneficiar desse “efeito maria-vai-com-as-outras”, e buscar maneiras de fazer com que suas mensagens pareçam emanar de dentro do próprio grupo social que se pretende atingir; mensagens que chegam horizontalmente de outros membros do grupo social (por exemplo amigos, vizinhos e parentes) podem ser mais facilmente aceitas do que aquelas que parecem chegar de cima para baixo, impostas por pessoas ou instituições “de fora”. A influência das crianças sobre os pais, especificamente, é bem documentada e explorada no marketing comercial; crianças comprovadamente influenciam o comportamento de consumo dos pais. Poucos estudos, porém, abordaram a influência das crianças sobre os pais no contexto da conservação da biodiversidade.

Informação com apelo

Nenhuma espécie da nossa fauna desperta mais interesse do que a onça-pintada. Entre crianças, jovens e adultos, da Amazônia rural aos grandes centros urbanos, a onça é o primeiro animal que vem à cabeça quando se pensa em floresta. Além disso, todos têm algum sentimento por ela: admiração, fascínio, medo ou raiva, ou tudo isso ao mesmo tempo.

Educadores e comunicadores ambientais talvez pudessem capitalizar sobre essa notoriedade afetiva da onça-pintada para capturar a atenção de um público mais amplo e aumentar a efetividade de suas ações em outros temas além da conservação da própria onça-pintada. Por ser tão popular e despertar sentimentos fortes e contrastantes, a onça-pintada talvez possa servir também como um “barômetro” para medir e monitorar as percepções da nossa sociedade sobre o mundo natural como um todo.

Fonte respeitável de informação

Os resultados acima vêm ao encontro da noção de que programas que usam instituições comunitárias e redes sociais informais são mais efetivos na disseminação de informação do que aqueles que se baseiam na comunicação de massa ou no contato entre estranhos. Quem poderia ser mais digno de consideração do que o próprio filho? Onde podemos encontrar tantos filhos ao mesmo tempo, se não na escola?

Talvez os conservacionistas possam usar as escolas para atingir simultaneamente dezenas de crianças em sala de aula – ou centenas delas no campinho de futebol – que poderão, por sua vez, influenciar seus pais e outros membros da comunidade. Considerando os desafios logísticos de visitar cada produtor rural individualmente na Amazônia, a porcentagem relativamente alta de crianças que frequentam a escola, e a boa vontade de professores e diretores de escola em colaborar (ao menos permitindo que o conservacionista faça seu trabalho na escola), estratégias de educação e comunicação para a conservação com foco na escola podem ter uma relação custo-benefício particularmente atraente na região, contanto que as crianças transmitam efetivamente aos pais a mensagem de conservação.

Dada a carência de recursos humanos e materiais que caracteriza as escolas públicas no Brasil em geral, e na Amazônia rural em particular, a colaboração entre conservacionistas e escolas certamente reverteria em benefícios também para as escolas. As atividades e materiais pedagógicos oferecidos para as escolas que participaram do Projeto Conviver Gente e Onças são um exemplo disso.

Nota: o Guia de Convivência Gente e Onças, 2ª edição, e as apostilas Gente e Onças: Livros de Atividades podem ser baixados gratuitamente em http://pt.scribd.com/silvio_marchini/shelf.

* Silvio Marchini é doutor em Conservação da Vida Silvestre pela Universidade de Oxford, membro do Instituto Pró-Carnívoros e idealizador da Escola da Amazônia, tendo apresentado palestra no TEDx Amazônia.