Uma bolha inconveniente

No universo das porcentagens de decrescimento e curvas de taxas de desemprego que dominam o debate da crise mundial há elementos à espreita, na sombra das grandes notícias, que preparam um bote ainda mais fatal. A falta de liquidez do mercado imobiliário americano, que desencadeou a queda de dominós da economia, pode parecer menos assustadora para a pouco comentada crise que os Estados Unidos e o mundo podem enfrentar: o estouro de uma possível bolha de crédito estudantil do tamanho de US$ 1 trilhão.

Maior que a dívida dos cartões de crédito e de automóveis daquele país (em torno de US$ 700 bilhões cada) , a cifra assustadora não cresceu do dia para a noite. No pós-guerra, uma economia promissora estimulava o empréstimo para estudos de graduação, a juros baixíssimos, financiados pelo próprio departamento de educação americano . Até o começo dos anos 2000, a dívida correu sobre certo controle. Mas desde então, cresce a galope, sem lastro aparente.

Desde a administração de George W. Bush, medidas têm apertado o cerco rispidamente contra devedores.  Este ano foi recordista em alunos pobres expelidos da universidade por não conseguirem honrar as garantias. Casas penhoradas, bens tomados pelo estado e estudantes inconsolados, jogados aos empregos menos qualificados, são cenas cada vez mais comuns nas cidades mais pobres. O presidente Barack Obama pretende prolongar um ato de 2007 que prevê o congelamento de empréstimos estudantis por parte do governo.

As conseqüências desse cenário pouco comentado na auto-estima do americano médio são desastrosas. Reportagem recente do Wall Street Journal, por exemplo, mostrava estudantes que perderam a casa e passaram a morar dentro do automóvel.  Um levantamento do próprio governo aponta que dois milhões de devedores têm mais que sessenta anos de idade – o que prova que a inadimplência não é novidade.

Fora isso, os EUA apareceram mal colocados em uma recente pesquisa da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) que listava os melhores países cujos estudantes conseguiam maior graduação que pais ou avós (num mundo mais exigente quanto ao diploma universitário).

A maneira de medir ou ranquear as melhores escolas por pais, estudantes e mídia, está cada vez mais pendendo para a colocação profissional obtida por alunos formados pela instituição, e ignorando outros fatores de qualidade. A equação simplória  “valor investido na formação” sobre  “valor ganho no emprego” tem imperado em rankings privados como o “The Alumni Factor” (https://www.alumnifactor.com/).

Não à toa as universidades como Harvard e Stanford estão abrindo online – a boa notícia esconde uma instituição que se apresenta caríssima para atender à nata de privilegiados presenciais.

As causas e consequências do que acontece nos EUA são muito próximas do que vivemos, ou estamos para viver por aqui. A expansão do ensino superior privado e do ProUni acontece numa época em aparência tão “dourada” quanto o início do crédito estudantil americano. Um tropeço na economia é motivo para temer o futuro de nossos estudantes na universidade, num cenário de crescimento delicado.  Vale lembrar  que nossa pirâmide de crescimento populacional só está começando a estagnar – o envelhecimento dos adolescente de hoje são o público em massa da universidade de amanhã.

Mover com cautela essas peças do cenário educativo pode garantir um crescimento mais sadio para o Brasil – trata-se de uma bolha inconveniente que não deve ser ignorada  nem tolerada em atitude populistas de distribuição de renda como se vê na proximidade de eleições.

* Alexandre Sayad é jornalista especializado em direitos humanos, colaborou com O Estado de S. Paulo e Rádio Eldorado, e coordena programas de Civic Midia, com a Universidade de Harvard.

** Publicado originalmente no site Portal Aprendiz.