Contas mostram viabilidade da economia verde, diz Stelzer, da ONU

Thomas Stelzer na abertura da SNCT, em Brasília. Foto: Augusto Coelho

Mais justa, mais inteligente, mais inclusiva. É a definição de economia verde para o secretário-geral assistente de Coordenação Política e Assuntos Interagenciais da Organização das Nações Unidas (ONU), Thomas Stelzer.

O economista e diplomata austríaco reitera a necessidade de “business cases” para mostrar a viabilidade de novas práticas, ou comprovar que outras estão ultrapassadas. O termo pode ser entendido como estudo de caso, experiência de negócio ou projeto piloto – ou seja, algo realizado na prática e que permite uma avaliação precisa de custos e benefícios.

Em entrevista, ele diz que a economia verde é a “fórmula mágica” para atingir o crescimento sem depredar os recursos naturais, reduzindo as desigualdades e aumentando o acesso aos ganhos da globalização. Em sua opinião, energias sustentáveis e eficiência energética já mostraram sua rentabilidade.

O representante das Nações Unidas veio ao Brasil para participar da abertura da 9ª Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT 2012), que tem como tema “Economia verde, sustentabilidade e erradicação da pobreza”. Ele destaca o papel da sociedade civil e aponta as cidades como laboratórios para a implantação do novo modelo de desenvolvimento.

Thomas Stelzer afirma, ainda, que todos viverão melhor se os recursos disponíveis forem partilhados. Nesse sentido, elogia os programas sociais brasileiros e alerta para a urgência de um uso melhor dos recursos hídricos.

A 9ª SNCT tem no seu tema a economia verde, que foi também a questão central da conferência Rio+20. Como chegar a esse modelo, superando interesses de curto prazo, sejam de países ou empresas?

A avaliação entre casos de negócios e o bem comum e entre investimentos de curto e longo prazo, será um enorme desafio para qualquer país. Como produzir um equilíbrio entre interesses das empresas e interesses comuns? Não podemos separar. A pergunta é: como podemos fazer a curto prazo e a longo prazo?

Se quisermos implementar os consensos baseados no cenário de aumento de 2 graus Celsius na temperatura global, que vários cientistas consideram muito alto, teremos que reduzir as emissões de CO2 em 50% até 2050 enquanto criamos trabalho decente para 78 milhões de pessoas que entram no mercado de trabalho global todo ano.

Como atingir o crescimento econômico sem depredar os recursos naturais, reduzindo as desigualdades sociais e aumentando o acesso aos ganhos econômicos da globalização? É uma pressão enorme, e a fórmula mágica é a economia verde. Aquela que não toma emprestado do futuro, que é baseada numa revolução no que diz respeito a produção e consumo. Que tem um olhar totalmente novo para a macroeconomia e tenta refletir uma precificação justa, mostrando o custo real do que estamos consumindo. O preço real da energia fóssil, por exemplo.

Se você tiver preços transparentes, a energia sustentável vai se mostrar como forte oportunidade de negócio já hoje. Se você redirecionar subsídios que eram destinados a energia fóssil, ou aos biocombustíveis – sei que é um ponto meio delicado no Brasil –, ou à indústria nuclear – nenhuma delas, sustentável –, conseguirá dar escala a fontes sustentáveis muito rápido. Nós conseguiremos se fizermos o balanço, montarmos o caso: quais são os interesses globais, quais são os objetivos comuns. E financiá-los. Energia limpa, água limpa, desenvolvimento integrado, desenvolvimento participativo, são objetivos comuns.

Há bons exemplos nesse sentido?

Portugal conseguiu, em cinco anos, aumentar em perto de 50% a participação das novas fontes na matriz energética. Temos a tecnologia hoje para implementar uma economia totalmente nova.

Em todos os países, grandes interesses, interesses ocidentais, tentam prolongar seu ciclo de vida financiando partidos, pagando políticos. A questão é como fazer valer o ponto de vista dos mais preocupados. E eu vejo exemplos muito positivos. Amigos me contam que 15 anos atrás, na China, nunca viram o sol [porque a fumaça da queima de carvão encobria muitas cidades]. Mas nos últimos cinco anos a indústria limpa está no centro da agenda do país. Claro, existe a escassez de carvão, que empurrou a indústria fóssil para fora. Mas, então, temos que investir em dispositivos de controle de emissão de carbono, em controle de emissões de carros.

O equilíbrio depende muito de sermos capazes de avaliar exemplos de negócios. É uma ilusão querer superar os interesses ocidentais pela via política. Os 500 mais ricos tem todos os lucros de derivados de petróleo. O único jeito de superar isso é mostrar que petróleo não é mais um business case. Mostrar não só o dinheiro que pagamos no posto de gasolina, mas também custos sociais, ambientais e de defesa. Os Estados Unidos gastam diariamente US$ 4 bilhões em importação de petróleo, mas os custos macroeconômicos são mais que o dobro.

Outro exemplo: nos EUA, os subsídios para agrocombustíveis são de US$ 12 bilhões por ano, segundo o Financial Times. Isso não é efeito de mudanças climáticas, tem a ver apenas com segurança alimentar e energética. Mas temos que mensurar o business case. Um artigo recente destacou que a energia nuclear nunca teve um business case. Nenhuma planta nuclear foi construída com investimento privado. Foram construídas com dinheiro dos contribuintes ou subsídios provenientes do montante de impostos. Então, há outras razões pelas quais podemos advogar contra a energia nuclear, como o risco de ser abduzida politicamente, mas economicamente ela não faz sentido. Economicamente faz muito sentido sair da energia suja e entrar na limpa e sustentável. Isso equilibra suas contas. Em cada um dos orçamentos europeus, a importação de combustíveis fósseis representa um quarto do orçamento. Se redirecionarmos investimentos que estão apoiando mentalidades do passado, energia ultrapassada, podemos chegar lá.

Como as cidades sustentáveis entram nessa agenda?

Elas são um dos nossos maiores desafios hoje. É preciso planejar cidades mais sustentáveis. Onde as pessoas morem muito mais perto do trabalho. Onde seja muito mais fácil prover os serviços públicos, escola, os serviços em geral. Muita gente acha que organização é ruim, mas não é. Organizar é um grande desafio. As cidades são laboratórios, que podem gerar plataformas culturais do que podemos fazer de modo muito melhor.

Não há razão alguma para que uma pessoa precise dirigir um carro hoje, na área urbana, a não ser em casos excepcionais. Há cidades que reduziram dramaticamente o número de automóveis investindo em transporte público de qualidade e fazendo o ato de dirigir muito mais caro e menos prazeroso. Zurique, por exemplo.

Se olharmos para Manhattan, é hoje uma ilha verde. Setecentos mil carros se dirigem para lá todo dia, mas os moradores não usam carro.

As cidades da África Subsaariana vão dobrar de população em dez anos. Pense em cidades como Lagos e Nairóbi. Em Nairóbi, a faixa etária média é de 25 anos e o desemprego é de 75%. O que as pessoas vão fazer se não houver emprego, se você não consegue prover emprego? Como administrar os processos políticos? Grandes cidades são um grande desafio, mas também uma enorme oportunidade.

O senhor também vê com centralidade a participação social, não é?

O ponto é: interesse de quem? Quem está tomando as decisões? Interesses da população ou de muito poucos? Temos que ser muito claros. Se olharmos o desenvolvimento econômico nos últimos 20 anos, veremos que não 1%, mas 0,1% da população será capaz de concentrar os maiores ganhos da globalização nos próximos 20 anos. Só conseguiremos equilibrar os interesses se rompermos o ciclo. Como fazê-lo é uma questão difícil. A maioria dos políticos pensa em ciclos eleitorais de quatro anos. Por isso acredito fortemente na sociedade civil. Ela tem o luxo de pensar adiante. Tem a possibilidade de manter os políticos sob avaliação e apresentar a conta das promessas deles na eleição seguinte. Mas o controle social está sendo mal exercido. A única maneira de identificar os interesses compartilhados é dar voz a todos os interesses.

Os países mais pacíficos são aqueles com sociedades mais equilibradas e integradas. Quanto mais longe disso, mais polarizada a sociedade. Nas sociedades em que as pessoas mais participam dos avanços, dos ganhos financeiros, da seguridade social, de um futuro compartilhado, de segurança, de um patamar de educação, há menos interesse em brigar. Nós vimos que em países norte-africanos enormes massas de pessoas sem emprego e escolaridade foram as deflagradoras de revoluções e o Estado se afastou, porque não conseguia prover trabalho decente – que está na origem de toda participação e no centro da agenda.

Como a ciência pode contribuir para a construção desse novo modelo?

A tecnologia, claro, está no centro também. Nós chegamos longe. Podemos fazer qualquer coisa hoje. Podemos facilmente produzir carros que rodam 100 quilômetros com 3 litros. Podemos abastecê-los com energia elétrica. Se conseguirmos reduzir radicalmente as emissões dos carros, isso terá forte impacto, porque o trânsito produz 30% das emissões de carbono. Também podemos, hoje, isolar nossa casa muito melhor contra o frio e o calor. Tudo isso vai prover amostras do futuro.

Nos Estados Unidos há 120 milhões de prédios construídos. Se você aumenta em 50% a eficiência energética deles, cria emprego para as futuras gerações. Uma mudança nas janelas do Empire State – apenas as 6 mil janelas – resultou numa economia de 40% de energia. Isso significa que o investimento se paga em quatro anos. É investimento inteligente. É um business case. Nos Estados Unidos, a eficiência energética cresceu 60% nos últimos 15 anos, sem necessidade de qualquer decisão do Congresso Nacional, apenas por conta do mercado.

Com design inteligente, pode-se viver muito bem sem esbanjar. Mas viveremos muito melhor se partilharmos os recursos de que dispomos, se eles não continuarem concentrados por poucos. Um bilhão de pessoas não têm segurança alimentar. É isso que queremos dizer com “economia verde”: mais justa, mais inteligente, mais inclusiva. Uma economia que considera os recursos naturais, que integra os três pilares – econômico, social e ambiental – e que provê acesso aos ganhos da sociedade.

E o papel da popularização da ciência, diante desse cenário?

Como popularizar a ciência? É uma questão de mercado e de acesso ao mercado. Para a economia verde, como propiciar capacitação para que países que se encontram num estágio muito mais atrasado de desenvolvimento tecnológico se beneficiem da tecnologia? Direcionar investimentos, superar problemas de direitos autorais e repensar o conceito de como compartilhar. Maurice Strong, o pai da Rio 92, disse, muito enfaticamente, por ocasião da Rio+20: não temos apenas que atentar a renda, mas também a como proveremos acesso ao capital de uma maneira diferente. Esse é o próximo capítulo.

* Publicado originalmente no site Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação.