"O sistema de ensino brasileiro ainda precisa de avanços"

 

[media-credit name=”Gov-Ba + Instituto Unibanco” align=”alignright” width=”425″][/media-credit]A educação no Brasil se encontra em frente ao espelho, em um momento de avaliações e debates sobre o sistema de ensino e a qualidade do serviço oferecido às crianças desse país. Estudos do Ipea mostram que 48,7% dos brasileiros acham que a educação melhorou, enquanto para 27,3% não houve mudanças e 24,2% acredita que o sistema piorou.

 

Ao mesmo tempo, um depoimento de desabafo de uma professora pública, quanto às condições de ensino, ganhou destaque nos principais veículos de comunicação do Brasil e milhares de depoimentos nas redes sociais via internet.

Para entender mais sobre a situação da educação brasileira, o portal EcoDesenvolvimento.org conversou com a gerente de projeto do Instituto Unibanco, Valéria de Souza, que trabalha com o incentivo na gestão de escolas públicas de ensino médio.

EcoDesenvolvimento.org: O governo federal indicou algumas melhorias na educação nacional, mas ao mesmo tempo, temos acesso a pesquisas que destacam precariedades do ensino no país. De uma forma geral, como você avalia a educação brasileira?

Valéria Souza: A gente acredita que houve melhoras no Brasil, principalmente na universalização do ensino fundamental, mas no ensino médio ainda precisa melhorar muita coisa. Tem que pôr a mão na massa. Está na hora. Está atrasado, e tem que começar.

O ensino médio é estratégico para a formação e a inserção das novas gerações no mercado de trabalho. Portanto, tudo o que contribuir para a sua melhoria tem um impacto muito grande no desenvolvimento sustentável do país. Ele é fundamental.

Quando você tem um grande número de alunos que desiste do ensino médio, a possibilidade de desenvolvimento tem problemas. Para haver desenvolvimento econômico é importante quebrar o ciclo intergeracional de pobreza. E só se consegue isto com a conclusão do ensino médio, pois os jovens que o concluem têm mais chances de competir no mercado de trabalho.

Você pode nomear os principais problemas que a educação brasileira enfrenta? Talvez a qualidade da infraestrutura?

A questão da infraestrutura é um problema sério, mas não é fundamental. O que a gente considera que é um problema bastante grande é a questão da gestão da escola. Isto sim é fundamental. Se você tem um bom gestor, ou seja, um gestor voltado para ações que façam os alunos aprenderem, o papel da escola está cumprido.

O que a gente quer que aconteça na escola? Que o aluno tenha acesso à escola, que ele permaneça, que o professor não falte e que o menino aprenda. Para isto é preciso uma gestão comprometida, tudo tem que estar voltado para essas necessidades.

O depoimento da professora Amanda Gurgel, da rede estadual do Rio Grande do Norte, ganhou o país com críticas ao sistema brasileiro de ensino. Você comunga das mesmas ideias de Amanda?

A questão salarial dos professores é um ponto importante, mas não é só isto. As condições de trabalho vão além da questão salarial. Ela como professora focou em um aspecto que é importante para a vida pessoal e profissional dela – o próprio salário como trabalhadora. Mas como sistema de ensino, a questão é muito mais profunda. Porque, qual garantia teremos de que exclusivamente o aumento salarial fará impacto na educação? Pensar nos outros aspectos é fundamental.

O que eu quero dizer é que há outros pontos que podem fazer com que aconteça realmente uma qualidade de ensino. E nós acreditamos que a gestão é um deles.

De que forma hoje são avaliados o crescimento e a melhoria do ensino?

O Brasil mudou muito nesses últimos anos, e hoje temos como quantificar esse aprendizado e dizer se um sistema de ensino ou uma escola está melhorando e se os meninos estão aprendendo. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) é um avanço, é fundamental para colocar os parâmetros.

Os Estados também estão avançando mais nessa questão de monitoramento do aprendizado, de avaliação do sistema pensado como uma política pública, tanto da secretaria quanto da própria escola. Porque não adianta avaliar, se esse resultado da avaliação não servir para ser pensado a partir de uma proposta, de um programa, de uma ação. Na medida em que você tem isto nas secretarias e nas próprias escolas, você tem um avanço muito grande, porque consegue saber como está o ensino público e até particular no Brasil inteiro. Isto é inovador e um passo fundamental.

Exames como o Enem, Enade e a Prova Brasil são importantes?

São importantíssimos e diferentes. As avaliações de sistema de ensino Prova Brasil e Saep são provas importantes para a construção do Ideb, junto com o fluxo. O Enem também é um parâmetro importante, não dá para pensar em uma avaliação de sistema com o Enem, mas ele é importante para pensar como é que o aluno conclui o ensino médio. Ele é uma avaliação importante, inclusive como acesso à universidade.

No mês de abril, o MEC divulgou que o Enade será substituído pelo Enem para quem ingressou na faculdade. Isto é um ponto positivo?

Isto é importante, porque passa a pensar no Enem como um avaliador de um ciclo de 12 anos de estudo, e isto também é um avanço.

Quais são os bons exemplos e as referências de gestão da educação aqui no Brasil?

O Instituto Unibanco tem uma tecnologia que vemos como importante, que é o Jovem de Futuro. A ideia desta tecnologia é fazer com que a escola tenha um projeto de gestão escolar para resultados e oferecer um apoio técnico financeiro. A gente acredita que a escola pode e consegue chegar lá sabendo que todo o apoio deve estar voltado para a aprendizagem desses meninos.

A ideia da escola melhorar com resultados não é milagre. Essa história de que a escola precisa de uma revolução, a escola não precisa. Ela precisa de coisas básicas: que o aluno frequente a escola, que ele aprenda, que o professor ensine e que o aluno conclua o segmento de ensino em que ele está. Não é uma revolução, é um arroz com feijão muito bem feitinho.

Qual o papel da família na educação desses meninos?

A família tem um papel importante. A gente sabe que na família onde há um acompanhamento do aprendizado do aluno há diferença na escolaridade. Mas não podemos só responsabilizar a família. Aquele discurso “a família é ausente, a família não faz, portanto, a escola não pode fazer nada” não funciona.

Quando a família é presente, quando a família apoia, isto é muito bom e é o que a gente espera, mas a escola também tem responsabilidade. Naqueles casos em que a família não está, o próprio sistema de ensino tem a sua responsabilidade sobre a educação desses alunos. Esta responsabilidade não pode ser transferida para ninguém a não ser para o sistema de ensino.

[youtube width=”640″ height=”510″]https://www.youtube.com/watch?v=yFkt0O7lceA[/youtube]

Prova Brasil e Saeb São dois sistemas de avaliação complementares que compõem o Sistema de Avaliação da Educação Básica. O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), realizado pelo Inep/MEC, abrange estudantes das redes públicas e privadas do país localizadas em área rural e urbana, matriculados na 4ª e 8ª séries (ou 5º e 9º anos) do ensino fundamental e também no 3º ano do ensino médio. Neste exame são aplicadas provas de português e matemática e a avaliação é feita por amostragem. Os resultados são apresentados para cada unidade da Federação e para o Brasil como um todo.

Já a Prova Brasil é realizada com características de censo para alunos de 4ª e 8ª séries do ensino fundamental público, nas redes estaduais, municipais e federais, de área rural e urbana, em escolas que tenham no mínimo 20 alunos matriculados na série avaliada. Os resultados são oferecidos por escolas, municípios, estados e país.

Enem – O Exame Nacional do Ensino Médio tem o objetivo de avaliar a educação dos alunos que concluem o ensino médio e é usado como parte do processo seletivo de centenas de Instituições de Ensino Superior (IES) públicas e privadas. Não tem caráter censatório e o estudante se inscreve voluntariamente.

Enade – O Exame Nacional de Desempenho de Estudantes é um exame obrigatório para alunos que ingressam e terminam o ensino superior. Cada curso participa das provas em um sistema de rodízio, de três em três anos. Com o Enade é possível avaliar o trabalho desempenhado pelas IES e saber se elas seguem os padrões exigidos pelo MEC.

* Publicado originalmente no site EcoD.