Currículo brasileiro do ensino médio carece de flexibilidade

Um estereótipo popularmente difundido entre as pessoas mostra que muitos estudantes do ensino médio têm pesadelos com suas aulas de matemática. Porém, um recente estudo da Faculdade de Educação (FE) da Universidade de São Paulo (USP) tenta mostrar que isto não é exatamente culpa dos alunos, mas sim do sistema de ensino brasileiro. “A baixa carga horária, classes lotadas, professores despreparados, uma infinidade de disciplinas e a rigidez de currículo, que considera estudantes com muito potencial e alunos pouco interessados num assunto como iguais, faz com que reações assim aconteçam”, explica o professor de matemática José Carlos Oliveira Costa, autor da pesquisa. Segundo ele, “uma boa educação é aquela que se ajusta à pessoa que deveria poder optar por aprofundar seus estudos, já no ensino médio, em suas áreas de interesses futuros”.

Flexibilidade

Em seu estudo, sobre o currículo de matemática no ensino médio do Brasil e a diversidade de percursos formativos, orientado pelo professor Vinício de Macedo Santos, Costa analisou os documentos curriculares do ensino médio no Brasil, na França, na Espanha, em Portugal, na Inglaterra e nos Estados Unidos – nos quatro primeiros, o Estado é quem determina o que precisa ser ensinado, enquanto nos outros dois países isto não necessariamente acontece. “O que percebi foi que, exceto o Brasil, todos os outros países deixam seus estudantes escolherem seus caminhos. O nosso ‘colegial’ é genérico e inflexível, fazendo tudo igual para todos”, explica o pesquisador. Na visão dele, isto não ajuda os alunos: “oferecer tudo igual faz com que você crie o aluno entediado e o perdido. O entediado é aquele que tem muito potencial e não tem espaço para usá-lo, enquanto o perdido não consegue criar vínculos com o que vê na lousa ou ouve nas aulas”.

Muitos defensores do atual currículo têm como argumento a questão da responsabilidade de se escolher um caminho específico quando se ainda tem pouca idade. “Hoje é difícil dizer que o estudante não tem maturidade para escolher que área deseja seguir. Muitos já têm isso em mente quando entram no ensino médio. Se por acaso o estudante mudar de ideia quando estiver, por exemplo, no segundo ano do que a gente costumava chamar de colegial, não tem problema”, assegura o pesquisador. Costa defende que o currículo deve ser flexível de maneira que ele possa correr atrás do que ficou faltando – e os conhecimentos que amealhou antes não se perdem, pois são conhecimento. “Os países estudados têm formas variadas de permeabilidade entre os diferentes percursos formativos”, informa.

“Não dá para culpar só o vestibular por isso”, alerta Costa. Segundo ele, é mais barato para o Estado, pensando em políticas públicas, oferecer tudo igual para os alunos. Só que este preço ultimamente tem sido pago pela própria sociedade. “A educação que nós fazemos hoje limitará o desenvolvimento brasileiro. Não dá mais para um aluno ficar doze anos na escola e ter uma escolaridade média equivalente a cinco ou seis anos de estudo. A carreira de professor tem que ser definitivamente valorizada”, recomenda. Ele conta que estamos importando profissionais e técnicos. “É preciso que a sociedade se una para consertar isso etapa por etapa. Deve ser um projeto de Estado de no mínimo vinte anos, e tem de ser feito de baixo para cima e de cima para baixo.”

Evasão

Costa também comentou a respeito dos efeitos que o currículo brasileiro, da maneira como é construído, podem causar naquele estudante que não está interessado no ensino superior. “Uma escola assim estimula a evasão do aluno. A desistência é monstruosa no ensino médio: apenas dois alunos se formam em um grupo de dez que concluíram o ensino fundamental”, diz o pesquisador. Ele cita ainda maneiras de tentar diminuir esse problema. “Para o estudante que não pretende ir adiante, é preciso que ele receba orientação para o mundo do trabalho. Desde cedo, é necessário mostrar para ele quais suas opções: o que um pedreiro faz, o que um mecânico faz, o que um auxiliar de contabilidade faz. O país pode fazer isso: ajudar e até induzir, dependendo do caso, as pessoas a escolher uma carreira na vida ativa”, completa.

O Brasil já tem um parecer do Conselho Nacional de Educação, aprovado em maio de 2011, admitindo a flexibilidade, mas para o pesquisador, que junto com seu orientador é um dos líderes do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Matemática e Educação, “a mudança para uma escola com percursos formativos flexíveis dependerá de uma mudança da cultura escolar, de uma expansão significativa dos investimentos em educação e uma remuneração digna para os professores, que seja compatível com outras carreiras de ensino superior, a exemplo dos países que têm altos padrões acadêmicos.”

* Mais informações: [email protected]/[email protected].

** Publicado originalmente no site Agência Usp e retirado do site Mercado Ético.