Quando a floresta é a sala de aula

Experiência de educação ambiental em Santarém possibilita o contato de estudantes com a cultura e a tradição da região amazônica.

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Entrada da Escola da Floresta.
Nada de salas fechadas, giz ou quadro negro. Pelo menos em um dia por ano, a experiência de estudantes do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental da rede de ensino público municipal de Santarém, além de alunos de outras instituições, educadores e universitários, muda completamente. Eles têm a possibilidade de sair do ambiente “cinza” do concreto urbano para aprender em meio ao verde da natureza, a céu aberto. Seu destino é a Escola da Floresta, coordenada pela Secretaria Municipal de Educação e Desporto de Santarém, em funcionamento desde junho de 2008. O espaço ecológico está localizado em uma área de 33 mil hectares, cedida pelo Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), em Alter do Chão, às margens do Rio Tapajós, que fica a 26 quilômetros da cidade.

Com vegetação de mata secundária e o terreno em processo de revitalização, a experiência demonstra como é possível dar destinação socioambiental a locais que anteriormente sofreram extração da mata nativa. É um exemplo interessante e simbólico, especialmente em 2011, que é o Ano Internacional das Florestas, instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Nesse contexto, a educação ambiental ganha um reforço prático, ao propor o empoderamento dos estudantes, que veem na Casa de Farinha Artesanal, na horta, no viveiro, no apiário e nas trilhas, ligações próximas com as histórias de vida de suas famílias, pois muitos são filhos, netos ou bisnetos de ribeirinhos e caboclos. O reencontro com as próprias raízes faz toda a diferença no processo de aprendizado, como observa Clarice Rebelo da Silva, coordenadora pedagógica da escola.

A atmosfera caseira fica evidente logo na entrada da Casa de Farinha Artesanal, com seus artefatos de madeira e bacias, réplicas do que existe ainda em muitas comunidades rurais. Nesse cenário, olhos e ouvidos ficam atentos às lições ensinadas pela “gente da terra”. “Com um ano e meio de cultivo do roçado da maniva, surge a mandioca, que gosta de ambiente com chuva, parte de nosso clima tropical úmido. É dela que tiramos a nossa farinha, que não pode faltar à mesa”, conta a educadora ambiental Graciede Pedroso, 49, responsável pela produção local.

Nesse processo um tanto trabalhoso, nada é desperdiçado, o que infere que a sustentabilidade está inserida também em métodos considerados rudimentares. Dependendo do tipo da mandioca, é extraído o tucupi (parte líquida), além de um líquido que serve como repelente e para o controle de formigas. A famosa mandioca brava é destinada à fabricação de farinha. O que a diferencia é a raiz mais forte e de tom amarelo e com casca difícil de soltar. Já a macaxeira, utilizada para diferentes alimentos, tem caule escuro, folhas claras, e sua casca desprende com maior facilidade. Quem explica este processo é Joelson Pedroso Queiroz, 36 anos, técnico agrícola, filho de agricultores locais. Em exatamente três dias, ele diz ser possível produzir até 70 quilos de farinha. São 72 horas de muito esforço, geralmente feito sob calor intenso. “Ela é consumida pelos alunos ao se transformar em beijucica, bolo de macaxeira e tapioca. Com as folhas, ainda é feita a manissoba, outra comida típica paraense.”

“Com essa experiência, mostramos a importância da agricultura familiar, porque muitas pessoas deixaram de cultivar a terra. Em muitas ocasiões, os adolescentes ficam emocionados, pois relembram histórias de vidas de seus familiares. É uma forma de sensibilização ambiental”, diz a coordenadora pedagógica Débora Pereira.

Riqueza por trás da vegetação

A horta e o viveiro cultivados na Escola da Floresta destacam uma pequena amostra do que é a biodiversidade amazônica. Um aspecto interessante neste trecho é a fusão dos conhecimentos científicos com os populares. “Na parte medicinal, temos a hortelã e a japana, indicadas para dor de estômago; a esturaque, que facilita a expectoração, e a artemísia, utilizada no caso de varizes”, conta Graciede.

Para muitos, nomes tão peculiares como os dessas plantas talvez soem como algo estranho, mas para os amazônidas elas fazem parte do cotidiano. É o caso, por exemplo, da planta medicinal crajiru, indicada para o auxílio no combate a casos de dengue, malária e anemia, segundo os ribeirinhos. Já a fruta noni é utilizada para a produção de sucos fortificantes. Com certeza, um dia se torna pouco para aprender sobre tantas variedades, mas aguça a curiosidade a respeito dessas plantas, que muitas vezes estão, literalmente, no “quintal” dos moradores, que é a própria floresta.

Mais adiante, o visitante chega ao viveiro, que é resultado de pesquisa etnográfica, como explica o técnico agrícola Célio Malcher, 55.  Segundo ele, a proposta é demonstrar como o vegetal emerge à custa de muito trabalho nessa região do país. “Achar que é só jogar a semente e que tudo frutifica é um mito. Adotamos a agricultura orgânica, que tem no esterco a fonte de nitrogênio. Estamos fazendo ensaios com esterco de aves e mistura com casca de arroz. Fugimos dos agroquímicos”, explica.

A poucos metros dali, outro destaque é uma área dedicada a pesquisas fitoterápicas. Lá está instalada a estufa do Projeto Farmácia Viva, coordenado pela Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa). E, depois de passar por essa aula “verde”, os estudantes seguem para uma experiência literalmente mais doce: o meliponário, outro projeto desenvolvido na Escola da Floresta, com abelhas nativas. “Elas têm, na verdade, o ferrão atrofiado; por isso, são indicadas para atividades de educação ambiental. A proposta é explicar que a criação delas pode ser uma fonte de renda para o agricultor. Ao mesmo tempo, têm um papel importante no ciclo de vida da floresta”, diz Clarice.

Nessa programação variada, há espaço ainda para trilhas em meio à mata, como também na beira do Lago Verde de Alter do Chão, que margeia a área. Nessa etapa, os alunos recebem orientações sobre a importância das matas ciliares, do consumo consciente e da destinação correta do lixo, para evitar a contaminação das águas. Outro capítulo vivenciado pelos estudantes é a visita à Casa do Seringueiro, em homenagem a Chico Mendes, que estava em fase de reforma, no fim do ano passado, para reabrir neste ano letivo.

Depois desse contato próximo à natureza, os alunos da rede municipal têm um espaço na Escola da Floresta reservado para revelar o seu aprendizado e as impressões sobre tudo que observaram durante o dia. É o momento em que participam de gincanas ambientais e culturais, concursos de desenho, de paródias, poesias, entre outras atividades.

E, claro, o aprendizado não para por aí, segundo a coordenadora Clarice Rebelo Silva. “A proposta é que os educadores trabalhem de maneira transversal na sala de aula com o conhecimento obtido na prática. Entre as diferentes narrativas feitas por professores, alguns dos resultados são a criação de jardins nas escolas com o auxílio dos estudantes, como também da experiência levada por eles para casa, com o cultivo de hortas caseiras.” São aprendizados que não só os alunos, mas todos que participam da Escola da Floresta levam para sempre.

* Publicado originalmente pela Revista Fórum, edição 98, de maio de 2011.