Projeto Escola Estrada Afora: Alunos contribuem para o resgate da história e cultura local

Nas manhãs frias da cidade de Delfim Moreira, jovens sobem uma trilha na Serra da Mantiqueira. Levam, nas mãos, cadernos, filmadoras e câmeras fotográficas. Quem assiste ao grupo reunido pode até pensar que se trata de um passeio turístico, mas, na verdade, os jovens participam de uma aula nada tradicional. No lugar do quadro negro, a paisagem local; e no lugar do livro didático, a voz dos antigos moradores da cidade. As atividades fazem parte do Projeto Escola Estrada Afora, da Escola Estadual Marquês de Sapucaí, localizada no Sul de Minas.

A iniciativa da professora de português e coordenadora do projeto, Ana Maria Alves, leva os alunos numa viagem pelo município em busca das raízes históricas e culturais da região. Com a experiência, os estudantes viram novos autores e narram, no jornal da escola, no blog e nas redes socais, o quê apuraram e descobriram sobre a cultura local, contribuindo para a documentação das histórias regionais. Cerca de 100 alunos do ensino médio participam da iniciativa.

As atividades fazem parte do Projeto Escola Estrada Afora, da Escola Estadual Marquês de Sapucaí, localizada no Sul de Minas. Foto: Amanda Lélis
As atividades fazem parte do Projeto Escola Estrada Afora, da Escola Estadual Marquês de Sapucaí, localizada no Sul de Minas. Foto: Amanda Lélis

 

A aluna do segundo ano do ensino médio, Tainara Nunes, destacou a importância do resgate da história local por meio da memória oral. “Nosso projeto resgata a história do município. Não temos muitos objetos, relíquias, monumentos, mas a história está viva. A conhecemos nas entrevistas que fazemos com antigos moradores”, afirmou a jovem.

Iniciativa e resultados

A coordenadora do projeto, Ana Maria Alves, explicou que a iniciativa surgiu do entusiasmo dos alunos na realização de outros projetos da escola. “Implementei na escola o projeto Lapidar em 2011, no qual trabalhamos a produção de texto, e foi um sucesso. Tivemos participação em concursos culturais que levaram a premiações importantes para os alunos. O ‘Estrada Afora’ começou no final de 2012. Os alunos gostaram muito de participar da Olimpíada de Língua Portuguesa e ficaram muito entusiasmados com essa investigação da história, ouvindo os avós e outros idosos que conheciam, para produzir os textos. Então achamos interessante implementar na escola outro projeto que contemplasse essas pesquisas, que são matéria-prima para trabalharmos os gêneros textuais na sala de aula”, enfatizou a professora.

Toda a produção e pós-produção são feitas pelos alunos, que editam os vídeos, selecionam as fotografias e fazem até a diagramação do jornal. Foto: Amanda Lélis
Toda a produção e pós-produção são feitas pelos alunos, que editam os vídeos, selecionam as fotografias e fazem até a diagramação do jornal. Foto: Amanda Lélis

 

O projeto, mesmo com seu pouco tempo de existência, já vem dando resultados. Duas alunas que participaram do 1º Concurso de Redação e Poesia “Fábio Pereira”, promovido pelo Rotary Club de Itajubá e Academia Itajubense de Letras foram premiadas em maio desse ano. Tainara Aparecida Nunes alcançou o primeiro lugar no concurso e Camila Ribeiro Sapucci teve a segunda melhor redação. “Escrevi um texto sobre ‘analfabetismo ecológico’ a partir das visitas que fiz durante o projeto e fiquei em primeiro lugar. Espelhei-me nas histórias que conheci no projeto para a produção”, destacou Tainara Nunes.

Os alunos visitam a casa de antigos moradores para colher depoimentos em forma de entrevista em vídeo e áudio, que dão suporte para as produções de texto e em audiovisual que serão publicadas posteriormente no jornal “Prisma Cultural”, criado e produzido pelos alunos da instituição, e também no blog da escola. Toda a produção e pós-produção são feitas pelos alunos, que editam os vídeos, selecionam as fotografias e fazem até a diagramação do jornal.

O diretor da escola, Aurelino Xavier, ressaltou a importância do Projeto Escola Estrada Afora para o desenvolvimento dos estudantes. “Nossos alunos têm a oportunidade de conhecer o município de Delfim Moreira, promovendo uma interação entre urbano e rural, despertando neles o conhecimento pela cultura do município”, ressalvou o diretor.

A escola conta com a contribuição dos moradores de Delfim Moreira para a realização do projeto. Foto: Amanda Lélis
A escola conta com a contribuição dos moradores de Delfim Moreira para a realização do projeto. Foto: Amanda Lélis

 

Participação de colaboradores

A escola conta com a contribuição dos moradores de Delfim Moreira para a realização do projeto. Eduardo D`Soares é um simpático português de 67 anos que vive em Delfim Moreira há cerca de 14. Ele é dono de uma pousada no município e o interesse em levar aos turistas mais sobre os encantos da região o tornou um especialista da história do município. “Delfim Moreira tem uma história muito rica. Busco estudar sempre. A Família Real se hospedou aqui, a estrada de ferro trazia muita gente até a cidade, a Revolução de 30 se passou aqui também. Fui levantando todas essas histórias e agora compartilho com os jovens. Conhecimento a gente tem que passar pra frente. Na minha idade, é uma obrigação”, reforçou Eduardo D`Soares.

No início de julho, por exemplo, foi a vez de seguir a trilha, por meio da vegetação na Serra da Mantiqueira, que leva até a Cruz das Almas, localizada a 1.300 metros de altitude. O local foi escolhido por ser uma espécie de monumento da cidade, que traz uma série de versões para a trágica história da morte de uma família. Embora não exista registro oficial que contextualize a real história da Cruz das Almas, as diversas versões já fazem parte do imaginário dos Delfinenses e estabelecem uma importante parte da cultura popular do município.

De acordo com Eduardo D`Soares, a versão mais correta para a história coloca Delfim Moreira no contexto da Revolução de 1930, em que São Paulo e Minas Gerais romperam a aliança conhecida como política do café-com-leite. “Tudo que se escreveu sobre a Revolução é com relação ao Vale do Paraíba, na frente norte dos paulistas. Mas muita coisa aconteceu aqui em Delfim Moreira. No alto da Serra foram construídas trincheiras que podem ser vistas até hoje”, afirmou.

“O inverno daqui naquela época era muito rigoroso. E essa revolução aconteceu no inverno, um tempo muito frio. A história que conhecemos é que veio uma senhora com duas crianças até esse povoado e subiu a serra, porque seu marido participava da guerra. Ela e seus filhos acabaram morrendo no local, por causa do frio no alto da serra. Um morador do município, por iniciativa pessoal, subiu até esse local e fez uma cruz simbólica e, com isso, o lugar que tinha história passou a ter uma referência de monumento”, completou Eduardo D`Soares.

Camila Ribeiro, aluna do segundo ano do ensino médio, tem orgulho de fazer parte de um grupo que contribui para a documentação da história local. “Buscando esses locais, entrevistando as pessoas mais antigas, a gente vai imortalizando a história da nossa cidade”, destacou a aluna.

* Publicado originalmente no site Blog Educação.