A integração regional em um mundo convulsionado

Miami, Estados Unidos, março/2012 – Uma série de decisões, ameaças, condicionamentos, insultos e pura chantagem expressa um generalizado desdém, quando não uma atitude agressiva, em relação à integração em um mundo convulsionado, tão necessitado de um método efetivo de colaboração entre os Estados.

Iniciativas modestas como a Cúpula Ibero-Americana, importantes sistemas como o Mercosul, a alternância entre a defunta Alca e seus competidores (a última, a Celare) e a própria União Europeia (UE) estão sendo alvo de ataques aparentemente isolados. Contudo, na realidade, são movidos por uma lógica comum de atitudes negativas que em nada beneficiam o progresso dos povos de países liderados (ou com ambições) por populistas, oportunistas e basicamente inimigos de uma melhor e coesa relação entre Estados, que em princípio já têm algo em comum.

A salva recente foi iniciada por uma série de mandatários da América do Sul, que boicotaram a Cúpula Ibero-Americana, realizada em outubro em Assunção. A desculpa dada foi o fato de que o Parlamento paraguaio ainda não havia ratificado a entrada da Venezuela no Mercosul. Este projeto sofre de duvidosa execução, e apresenta notáveis obstáculos de índole técnica (comércio, investimentos). Porém, pior é mesclar um assunto externo em um tecido de cooperação que tem simplesmente como base uma afinidade histórica e cultural. Não contribui em nada para a maior coesão das nações que compartilham línguas ibéricas nos dois lados do Atlântico.

Enquanto o Mercosul não avança, nem tampouco suas negociações com a UE, a Comunidade Andina também segue com a ameaça de abandono da Bolívia, enquanto o Chile está satisfeito com seu “isolamento (produtivo) esplêndido” à britânica. O Brasil persiste com seu objetivo de não se casar com ninguém, enquanto sua hegemonia, efetiva ou sutil, se reflete na recém-criada Unasul. Peru e Colômbia fazem seus cálculos com acordos diretamente com a UE e os Estados Unidos, apostando na bacia do Pacífico.

Feliz México com seu status no Nafta, a América Central deseja fechar o acordo com a UE, mas sem que decida preencher as lacunas de sua própria integração e de uma efetiva união aduaneira. Na dúvida, um a um os países do istmo elogiam Washington. Curiosamente, a região que demonstra maior respeito pela integração regional é o Caribe, onde tudo segue igual há várias décadas, em seu feliz tamanho reduzido sobrevivendo na globalização.

A segunda salva foi dada por todos os Estados latino-americanos e do Caribe, em insólita unanimidade na fundação da Comunidade de Estados Latino-Americanos e do Caribe (Celac), que não se sabe se é simplesmente uma Organização de Estados Americanos (OEA) sem Estados Unidos e Canadá (a vítima inocente), ou uma organização de papel. Foi oficialmente inaugurada em Caracas, a próxima reunião será no Chile e a seguinte em Havana. O grande ganhador foi Cuba, expulsa (temerária e contraproducentemente) da OEA há meio século em Punta del Este.

No entanto, o alvo mais óbvio e mais fácil de atacar surgiu dos restos da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), descafeínada em uma série de cúpulas hemisféricas nas quais os êxitos se contam em decibéis com os quais se questiona a política dos Estados Unidos. Agora é a vez de celebrá-la em Cartagena de Índias (uma das capitais emblemáticas da “integração” colonial), em abril. Mesclando pateticamente metas diferentes, os integradores da Alba (o invento de Chávez) ameaçam com o boicote caso Cuba não seja convidada. Washington (e muitos silenciosamente) assinalam que a pré-condição é o reingresso de Cuba à OEA, a carapaça organizativa das cúpulas. O problema é que todo mundo está de acordo com esse reingresso, exceto… Estados Unidos e Cuba.

Nesse contexto, se realizará outra cúpula espetacular, a da União Europeia com os países latino-americanos e do Caribe, no Chile, em 2013 (um atraso de seu calendário bianual). Não se sabe quais acordos poderão ser fechados ou celebrados (com Mercosul ou América Central).

Como toque final da deterioração da influência da UE no continente, Mitt Romney baseia sua campanha, para capturar a indicação do Partido Republicano para as eleições de novembro nos Estados Unidos, no insulto direto à Europa. O alvo é o sistema de integração e seus êxitos históricos mais constatáveis, o Estado de bem-estar, a medicina social e a proteção trabalhista. Resulta insólito comprovar que Romney é uma exceção no provincianismo generalizado dos líderes norte-americanos, já que viveu na França, onde trabalhou como missionário, e aprendeu a língua.

Este caos reflete uma ignorância supina sobre a essência da integração regional. Está além da verborreia oca, dos discursos grandiloquentes. Sofre de uma incapacidade de entender conceitos básicos como soberania compartilhada, supremacia de instituições comuns e respeito pelo direito, pelos pactos e tratados. Entretanto, o cambaleante modelo da UE não ajuda. Envolverde/IPS

* Joaquín Roy é catedrático Jean Monnet e diretor do Centro da União Europeia da Universidade de Miami ([email protected]).