Como acabar com a guerra em Gaza

Uma família palestina da cidade de Beit Lahia, o norte da Faixa de Gaza, ficou na rua depois do bombardeio israelense contra o assediado território costeiro, em 2012. Foto: Mohammed Omer/IPS
Uma família palestina da cidade de Beit Lahia, o norte da Faixa de Gaza, ficou na rua depois do bombardeio israelense contra o assediado território costeiro, em 2012. Foto: Mohammed Omer/IPS

 

Washington, Estados Unidos, agosto/2014 – Na medida em que a mortandade e a destruição recrudescem em Gaza e são reiteradas as ameaças entre o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, e o movimento islâmico Hamas, os principais atores regionais e mundiais devem aceitar uma verdade central: a paz entre Israel e Palestina não será possível sem a inclusão do Hamas.

Quanto mais rápida for a conscientização sobre este fato, mais rápido se romperá o ciclo da violência.

As guerras em Gaza não conseguiram liquidar o Hamas. Pelo contrário, o movimento islâmico ressurgiu mais forte e melhor equipado, apesar dos frequentes ataques que recebe de Israel.

Ao mesmo tempo, a ofensiva de Israel contra Gaza reflete a preocupação de Tel Aviv com a região inteira e não apenas com o Hamas.

Essa inquietação impulsiona o crescente radicalismo islâmico em Gaza e em toda a região, a crescente influência em Israel de organizações e movimentos políticos judeus da direita radical, a brutal guerra civil na Síria, as deterioradas estruturas estatais na Líbia e no Iêmen, o Estado em processo de fracasso do Iraque, a marginalização da liderança da Autoridade Palestina (ANP) em Ramalá e os frágeis sistemas políticos do Líbano e da Jordânia.

A preocupação israelense também aponta para o ressurgimento do Irã, o possível acordo nuclear de Teerã com as potências mundiais e a influência minguante dos Estados Unidos na região.

Como não pode influir nestas “mudanças sísmicas”, Israel resiste a todo acordo viável de longo prazo com os palestinos e ao fim de sua ocupação nos territórios árabes.

A administração de Barack Obama nos Estados Unidos e outros governos devem trabalhar para acabar com o bloqueio de Gaza e os 47 anos de ocupação na Cisjordânia. A Faixa de Gaza é considerada a maior prisão ao ar livre do mundo, bloqueada por Israel em três lados e pelo Egito no outro.

Esse cerco econômico e político deve ser rompido para que melhorem as condições econômicas e sociais dos moradores de Gaza.

A pobreza, o desemprego, a insalubridade, a escassa higiene e a falta de eletricidade e de água potável provocam ira e desesperança, que frequentemente são expressas no lançamento de mísseis contra Israel.

Embora em sua maioria sejam ineficazes, esses foguetes aterrorizam a população do sul israelense. Isto também tem de acabar.

Os sangrentos enfrentamentos entre os palestinos da Cisjordânia e as forças israelenses em Jerusalém na passagem de Kalandia, e entre os árabes em Israel e a polícia israelense, demonstram que a guerra de Gaza extrapolou para outras partes da Palestina. Isto não faz prever nada bom para Israel e os países vizinhos.

A alegria de Israel com a animosidade do governo egípcio e dos meios de comunicação em relação ao Hamas é efêmera. O regime autocrático de Abdel Fatah Al Sisi no Egito não poderá tolerar a ira de seu povo e a de outros árabes diante do que consideram uma agressão israelense contra os palestinos.

Depois de ter acompanhado este conflito, e a ascensão do Hamas, durante décadas, desde a academia e o governo, e de assessorar altos funcionários durante anos, afirmo que a paz duradoura entre israelenses e palestinos continuará sendo esquiva se os governantes da região e do mundo não reavaliarem suas arraigadas suposições sobre o conflito.

Esse passo receberia severas críticas dos dois lados, e inclusive de muitos no Congresso dos Estados Unidos. Farão falta valor, perseverança e uma nova forma de pensar para que as autoridades tenham a capacidade de avançar no processo.

Hamas e Israel

A destruição de Gaza, a matança de milhares de civis inocentes, a explosão dos túneis do Hamas e a liquidação de seus líderes não erradicarão o movimento islâmico nem silenciarão sua campanha contra o bloqueio israelense. A força do Hamas não emana de sua ideologia religiosa, mas de sua resistência ao cerco que estrangula e empobrece a maioria dos 1,6 milhão de palestinos na Faixa de Gaza.

A atual guerra de Israel contra Gaza, mais as duas anteriores, em 2008-2009 e 2012, não têm a ver com a ameaça existencial que o Hamas representa para Israel, mas têm raízes no fracasso do chamado processo de paz.

A assimetria entre o poder militar de Israel e o armamento do Hamas, que inclui foguetes caseiros, não permite a este último representar uma ameaça mortal verossímil para o primeiro.

Aterrorizar a população civil ao longo da fronteira entre Gaza e Israel é abominável e não deve ser tolerado, mas tampouco é uma ameaça existencial para Israel, nem justifica o forte bombardeio de áreas residenciais, hospitais e escolas na Faixa de Gaza.

Israel poderia destruir facilmente os túneis dos dois lados da fronteira sem reduzir a escombros milhares de moradias no território de Gaza.

O ataque israelense pode ser visto como uma resposta à recente reconciliação entre o governo da ANP, em Ramalá, e o do Hamas, em Gaza, e a formação de um governo palestino de unidade.

O apoio dos Estados Unidos e da União Europeia ao novo governo palestino preocupou profundamente Netanyahu, que passou a sabotá-lo. A guerra de Netanyahu em Gaza desmente que o líder estivesse buscando um “sócio” palestino, como afirma.

Os antecedentes dos túneis do Hamas

Os governos de George W. Buswh (2001-2009) e de Israel apoiaram a realização das eleições em Gaza em janeiro de 2006. A vitória justa e convincente do Hamas assombrou Washington e Tel Aviv, que passaram a deslegitimar o resultado das urnas e a sabotar a nova administração.

O voto dos habitantes de Gaza no Hamas não foi por sua ideologia religiosa, mas por seu serviço à comunidade e sua resistência ao bloqueio israelense. A corrupção legendária da administração da ANP em Ramalá também favoreceu o movimento islâmico.

As três guerras de Gaza a partir de 2008 são, possivelmente, o resultado direto da negativa de Israel e dos Estados Unidos em aceitar o resultado eleitoral de 2006. Tivesse ocorrido um diálogo com o Hamas, a qualidade de vida em Gaza teria melhorado notavelmente, sem necessidade de se recorrer aos túneis para sua economia ou para os combates.

O caminho a seguir

Tenho afirmado que a solução dos dois Estados estava morta e defendi uma nova forma de pensar. O mesmo ocorre com o atual conflito.

Depois de 47 anos de ocupação, de nove anos de bloqueio a Gaza, duas intifadas e três guerras, Israel, os palestinos e os Estados Unidos devem aceitar o fato de que a guerra, o terrorismo e a ocupação não podem resolver o conflito palestino-israelense.

Com a morte da opção dos dois Estados, a convivência pacífica de israelenses e palestinos entre o Mar Mediterrâneo e o rio Jordão só poderá ser alcançada mediante um novo modelo baseado na justiça, na dignidade humana, na igualdade e na tolerância.

A inclusão do Hamas nas negociações para acabar de maneira permanente com o conflito poderia ser feita com uma delegação palestina conjunta, integrada pela ANP, pelo Hamas e por outras facções. Mas, para que esta estratégia progrida, deve incluir o fim do bloqueio de Gaza.

Quando os dois povos transitarem por este caminho, rechaçarão a lógica da ocupação e do terrorismo e se concentrarão na construção de um futuro mais esperançoso.

Por sua vez, os Estados Unidos devem descartar as inúteis tentativas de impulsionar o chamado processo de paz. Em troca, devemos começar as gestões para ajudar os povos a colocarem o novo paradigma em funcionamento. Envolverde/IPS

* Emile Nakhleh é professor investigativo da Universidade do Novo México, membro do Conselho de Relações Exteriores e autor de A Necessary Engagement: Reinventing America’s Relations with the Muslim World (Um Compromisso Necessário: A Reinvenção das Relações dos Estados Unidos com o Mundo Muçulmano).