A distensão emboscada: Cuba e Estados Unidos no governo de Kennedy

Robert F. Kennedy Jr. Foto: Cortesia do autor
Robert F. Kennedy Jr. Foto: Cortesia do autor

White Plains, Estados Unidos, janeiro/2015 – Fui criado em Hickory Hill, o lar da minha família em Virgínia, onde frequentemente nos visitavam veteranos da falida invasão da Baía dos Porcos.

Meu pai, Robert F. Kennedy, que admirava o valor desses ex-combatentes e sentia uma culpa esmagadora por ter colocado os cubanos em perigos durante essa invasão mal planejada, assumiu pessoalmente a responsabilidade de encontrar casa e trabalho para eles, e inclusive facilitou a incorporação de muitos deles nas Forças Armadas dos Estados Unidos.

Porém, na medida em que se desenvolveu o processo de distensão, as suspeitas e a indignação se generalizaram tanto que inclusive esses cubanos, que adoravam meu pai e sempre visitavam Hickory Hill quando eu era criança, deixaram de fazê-lo.

Para a Agência Central de Inteligência (CIA), a distensão representava a sedição e a tradição.

“Lamentavelmente, a CIA continua encarregada de Cuba”, afirmou Adlai Stevenson, na época embaixador dos Estados Unidos junto à Organização das Nações Unidas (ONU), ao presidente John F. Kennedy (JFK). A agência, segundo ele, não permitiria jamais a normalização das relações entre os dois países.

JFK participou de negociações secretas com Fidel Castro, destinadas a evitar o Departamento de Estado e os agentes da CIA, mas esta última sabia dos contatos extraoficiais entre os dois mandatários e procurava sabotar as iniciativas de paz com manobras de espionagem.

Em abril de 1963, funcionários da CIA salpicaram com veneno um traje de mergulho com que os emissários de JFK, James Donovan e John Nolan, presenteariam Castro. A agência pretendia assassinar o líder cubano, responsabilizar o presidente Kennedy pelo crime e desacreditá-lo por completo, tanto ele quanto sua gestão de paz.

Além disso, a CIA entregou em Paris uma caneta esferográfica envenenada ao sicário Rolando Cubelo, com instruções para usá-la para matar Fidel. A agência adotou uma atitude do tipo “ao diabo com o presidente ao qual jurou servir”, afirmaria mais adiante William Attwood, ex-jornalista e diplomata norte-americano junto à ONU a quem JFK encomendou negociações secretas com Castro.

Muitos exilados cubanos expressaram abertamente seu desagrado com a “traição” da Casa Branca e acusaram JFK de buscar a “coexistência” com Fidel. Alguns cubanos continuaram sendo leais ao meu pai, mas um pequeno número de anticastristas de linha dura, ressentidos e homicidas, dirigiram sua fúria contra JFK, e há provas verossímeis de que esses homens e seus contatos na CIA podem ter participado de conspirações para assassiná-lo.

No dia 18 de abril de 1963, José Miró Cardona, presidente do Conselho Revolucionário Cubano, renunciou com uma enxurrada de furiosas denúncias contra JFK e meu pai. “A luta por Cuba está em vias de ser sabotada pelo governo dos Estados Unidos”, afirmou. “Resta apenas um caminho para seguir, e o seguiremos: a violência”, prometeu.

Centenas de exilados cubanos nas vizinhanças de Miami expressaram seu descontentamento com a Casa Branca colando papel crepom preto em suas casas. Em novembro de 1963, os exilados divulgaram um panfleto elogiando o assassinato de JFK.

“Só um acontecimento”, segundo o panfleto, poderia conduzir ao desaparecimento de Castro e ao retorno dos desterrados de seu amado país: “se um ato de inspiração divina pusesse na Casa Branca nas próximas semanas um texano conhecido por ser amigo de toda a América Latina”.

Santo Trafficante, chefe da máfia e czar dos cassinos de Havana, que manteve estreita colaboração com a CIA em várias conspirações para assassinar Fidel, disse aos seus cúmplices cubanos que JFK seria alvo de um atentado.

No dia do assassinato do presidente norte-americano, Castro estava reunido, na residência presidencial de verão em Varadero, com o jornalista francês Jean Daniel, diretor do jornal socialista Le Nouvel Observateur e um dos canais secretos de acesso de JFK ao líder cubano.

Às 13 horas receberam um telefonema com a notícia de que haviam disparado contra o presidente norte-americano. “Voilà, este é o fim de sua missão de paz”, disse Castro a Daniel.

Após a morte de JFK, o líder cubano pressionou com insistência Lisa Howard, jornalista da rede de televisão ABC que atuou como emissária informal entre os dois mandatários, Stevenson, Attwood e outras pessoas para que solicitassem ao sucessor de Kennedy, Lyndon. B. Johnson, que reiniciasse o diálogo. Este ignorou os pedidos e Castro acabou desistindo.

Após o assassinato de JFK surgiram muitas pistas, depois desacreditadas, sugerindo que Castro poderia ter orquestrado seu assassinato. Johnson e outros funcionários de sua administração conheciam os rumores e aparentemente aceitaram sua implicação.

O novo presidente decidiu não prosseguir com a aproximação a Castro depois que seu serviço de inteligência, incluído o chefe do Escritório Federal de Investigações (FBI), J. Edgar Hoover, informou que Lee Harvey Oswald poderia ter sido agente do governo cubano, apesar de sua postura anticastrista bem estabelecida.

Depois da morte de JFK, meu pai continuou pressionando o Departamento  de Estado do governo Johnson para analisar se era possível os “Estados Unidos conviverem com Castro”.

“As atuais restrições às viagens não condizem com as tradicionais liberdades norte-americanas”, afirmou meu pai, naquele momento promotor-geral dos Estados Unidos, em um debate nos bastidores pela proibição de viajar a Cuba imposta aos cidadãos norte-americanos.

Em dezembro de 1963, o Departamento de Justiça se preparava para levar a julgamento quatro integrantes do Comitê Estudantil de Viagens a Cuba, que havia levado um grupo de 59 universitários norte-americanos até Havana. Meu pai se opôs a esses processos e à proibição de viajar.

Também se manifestou a favor de “retirar a normativa existente que proíbe as viagens de cidadãos norte-americanos a Cuba”, em um memorando confidencial dirigido ao então secretário de Estado, Dean Rusk, no dia 12 de dezembro de 1963.

Meu pai sustentava que limitar o direito dos norte-americanos de viajar atentava contra as liberdades que havia jurado proteger como promotor-geral. Levantar a proibição “seria mais coerente com nossa visão de uma sociedade livre e contrastaria com questões como o Muro de Berlim e os controles comunistas às viagens”, argumentava.

Desde então, Rusk o excluiu dos debates sobre assuntos exteriores. Embora continuasse sendo o promotor-geral de Johnson, já não dispunha da ampla margem que lhe permitiu dirigir a política externa dos Estados Unidos durante o governo de Kennedy.

A CIA continuou com suas tentativas de assassinar Castro durante os dois primeiros anos de mandato de Johnson, embora este nunca tenha ficado sabendo. O senador George McGovern recebeu do próprio Fidel provas de pelo menos dez conspirações para assassiná-lo durante esse período.

“Posso lhes dizer que, no período em que aconteceu o assassinato de Kennedy (…) estava mudando sua política em relação a Cuba. Em certa medida, nos honrava ter um rival como ele. Era um homem extraordinário”, afirmou Castro em 1978 a um grupo de legisladores norte-americanos em visita à ilha.

“Não tenho dúvidas. Se não tivesse ocorrido o atentado, provavelmente teríamos iniciado negociações para normalizar as relações com Cuba”, afirmou Attwood, posteriormente.

Quando conheci Castro, em 1999, este admitiu a ousadia de sua tática de propiciar a entrada de armas nucleares soviéticas em Cuba. “Foi um erro colocar o mundo em tão grave perigo”, afirmou.

Naquele momento, eu fazia gestões para que o líder cubano desistisse de instalar uma usina nuclear ao estilo de Chernobil na localidade cubana de Juragua.

Em outra reunião com Fidel, em agosto de 2014, este expressou sua admiração pela liderança de JFK e observou que um intercâmbio nuclear durante a crise dos mísseis em Cuba teria arrasado a civilização.

Hoje, cinco décadas depois dos fatos, e com duas décadas após a partida soviética de Cuba, colocamos fim a uma política errônea que fez muito pouco para promover a liderança internacional dos Estados Unidos ou seus interesses de política externa. Envolverde/IPS

* Robert F. Kennedy Jr. é advogado do National Resources Defense Council e da Hudson Riverkeeper e presidente da Waterkeeper Alliance. Também é professor e advogado supervisor da Clínica Processual Ambiental da Faculdade de Direito da Universidade Pace e coapresentador do Ring of Fire na Air America Radio. No passado foi promotor-geral adjunto da cidade de Nova York.