Finalmente, novas caras na União Europeia

Joaquín Roy. Foto: Cortesia do autor
Joaquín Roy. Foto: Cortesia do autor

Barcelona, Espanha, setembro/2014 – Finalmente, depois do forçado descanso de verão, a União Europeia (UE) tem novas caras com as quais completar a equipe que começou a surgir como resultado das eleições parlamentares de 25 de maio.

Já antes do recesso foi acordada a nomeação do conservador luxemburguês Jean-Claude Juncker para o posto de presidente da Comissão, o órgão executivo do bloco de 28 países.

Embora tenha custado esforços vencer a oposição de alguns governos (como o caso notório do primeiro-ministro britânico, David Cameron), foi possível cumprir o espírito do Tratado de Lisboa e oferecer o cargo ao candidato do grupo que conseguira maioria relativa no novo Parlamento Europeu.

O segundo acordo foi o de deixar seguir por mais dois anos e meio em seu posto o presidente do Parlamento, o socialista alemão Martin Schultz. Havia, de momento, um equilíbrio entre a direita e a esquerda moderadas.

Então foi necessário encarar a parte mais espinhosa, já que a Europa carolíngia tradicional seguia com o controle do órgão necessitado de renovação. A Europa do leste pedia experiência e se notava a ausência de mulheres.

Juncker já havia ameaçado que não permitiria uma nova Comissão que não tivesse pelo menos um terço de mulheres. A ordem estabelecida, machista sem competência, não dava sinais de se corrigir. Então foi colocado em marcha o encaixe habitual dos bilros da UE para conseguir o equilíbrio.

O quebra-cabeça começou a ser armado com o abandono da candidatura da primeiro-ministro dinamarquesa, Helle Thorning-Schmidt, que ficou mundialmente famosa por um selfie com o presidente norte-americano, Barack Obama, no funeral do líder sul-africano Nelson Mandela.

Na oportunidade foi executada uma dupla jogada comunitária. Primeiro nomeou-se o primeiro-ministro da Polônia, Donald Tusk, conservador procedente das fileiras do ex-presidente Lech Walesa, como presidente do Conselho da UE, que reúne seus chefes de Estado e de governo.

Segundo, Federica Mogherini, recente inquilina da Farnesina, sede do Ministério de Assuntos Exteriores italiano, foi catapultada como “Lady Pesc”, as siglas de Alta Representante da Política Externa e de Segurança da UE.

A novidade se baseava em que seu defensor, o primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, conseguira teimosamente dobrar a resistência dos representantes bálticos que consideravam que sua candidata era muito suave no trato com a Rússia, tendo chegado ao extremo de convidar seu presidente, Vladimir Putin, para uma reunião, em julho.

O caramelo da nomeação de Tusk conseguia moderar a oposição do leste europeu, mas não apagava a reticência do restante que considerava que a pouco experiente ministra, que completou 41 anos em junho, não representava uma aposta suficiente para enfrentar os inimigos externos de um mundo em convulsão.

No entanto, Renzi, ele mesmo de 39 anos, jogava arriscadamente com um plano composto por várias dimensões. Em primeiro lugar, com Mogherini havia enviado uma mensagem ao núcleo do poder em Roma, para tratar de acabar com a miragem de que para ter respeito político é preciso estar prestes a completar cem anos.

Segundo, Renzi quer atacar de frente a pobre fama da Itália nos assuntos europeus durante os últimos anos, por culpa da depreciada presença do ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi, tanto no poder como na oposição, um empecilho que ainda teve de suportar seu antecessor Enrico Letta.

Em terceiro lugar, o líder italiano quer, dessa forma, influir na própria política externa da União Europeia por intermédio de sua colaboradora.

A arriscada aposta pode falhar para Renzi, precisamente pela debilidade do sistema italiano, que aceita o protagonismo de um socialista moderado enquanto não coloca em perigo as bases do templo.

No campo comunitário, deverá contar com a colaboração de seus correligionários socialistas, um tanto decaídos em tempos recentes, vítimas da crise que os obrigou a implantar políticas neoliberais de austeridade que causaram demissões desde a Escandinávia até Portugal e Grécia.

Mogherini, por sua vez, deverá enfrentar os problemas tradicionais e os novos desafios. O sistema já a converteu em alvo de sua desconfiança devido à idade. Terá pouca companhia em um grupo no qual a maioria poderia ser seus pais.

Na Comissão, onde exerce a vice-presidência, apenas estará confortada por um punhado de mulheres que Juncker conseguir capturar, no Conselho terá somente o apoio de quatro damas dirigidas por Angela Merkel, em uma mesa repleta de aborrecidos homens de trajes escuros e gravatas detestáveis, cada um deles obcecado por exercer por sua conta e risco o comando da política externa.

O pior mau agouro da nomeação é a suspeita de que o núcleo duro da UE não considera que o posto de Alta Representante seja importante, já que sua competência dura de segurança e defesa continua alheia do domínio da supranacionalidade.

O segundo desafio de Mogherini é que, como sua antecessora, a britânica Catherine Ashton, ainda deverá suportar a marca do criador do cargo, o espanhol Javier Solana.

Mas em ambição e currículo já supera a esquecida Ashton, que já tinha a passagem de volta sob o Canal da Mancha para Londres, como funcionária em Bruxelas, quando surpreendentemente a nomearam.

Mogherini já pode provar que esteve se preparando para o cargo deste perfil durante duas décadas e meia, mediante uma licenciatura em Ciências Políticas, a experiência com a bolsa Erasmus na cidade francesa de Aix-em-Provence, e uma tese sobre o Islã político.

Mas essa mãe de duas filhas, sorriso suave e olhos claros, que mais parece uma professora assistente em busca de méritos acadêmicos para conseguir uma cátedra, pode causar alguma surpresa desagradável aos que já pregam seu fracasso.

Já é uma profissional em um terreno em que se necessita vocações e novas visões. Por trás terá a equipe diplomática mais impressionante do planeta, composta pelos ministérios de 28 países e pelo próprio Serviço de Ação Exterior Europeu. Merece sorte, não somente para ela e Renzi, mas para todos os europeus, e além deles. Envolverde/IPS

* Joaquín Roy é catedrático Jean Monnet e diretor do Centro da União Europeia da Universidade de Miami. [email protected], www.as.miami.edu/eucenter). Editado por Pablo Piacentini.