A irresistível atração pelo radicalismo islâmico

Roberto Savio. Foto: IPS
Roberto Savio. Foto: IPS

Roma, Itália, novembro/2014 – O ataque ao parlamento canadense, por um jovem que havia se convertido ao Islã apenas um mês antes, deveria fomentar algum interesse sobre o motivo de um número crescente de jovens estar disposto a dar sua vida por uma visão radical do Islã.

Até agora, ataques como o ocorrido em Otawa, no dia 22 de outubro, são descritos como fanatismo. Mas, quando os suicidas somam mais de dois mil, é momento de olhar para essa realidade em expansão para além dos estereótipos.

Vale a pena assinalar que numerosas vozes afirmam que o mundo islâmico e seus valores são intrinsecamente antiocidentais. Pois bem, os dados básicos não apoiam essa teoria, que agora é utilizada pelos partidos xenófobos que surgiram por toda parte na Europa.

Deve-se recordar que há 1,6 bilhão de muçulmanos no mundo. A Indonésia é o maior país em população muçulmana, seguida da Índia. Toda a região do Oriente Médio e norte da África conta com 317 milhões, contra 344 milhões no Paquistão e na Índia. Existem 3,4 milhões nos Estados Unidos e 43,4 milhões na Europa. Isso significa que um em cada cem mil muçulmanos pode ser jihadista.

Hoje há quatro causas históricas para entender o jihadismo, que são facilmente esquecidas.

Em primeiro lugar, todos os países árabes são artificiais. Em maio de 1916, George Picot e Mark Sykes, representantes da França e da Grã-Bretanha, acordaram um tratado secreto, com apoio de Rússia e Itália, sobre a forma de repartirem o Império Otomano ao terminar a Primeira Guerra Mundial (1914-1918).

Dessa forma nasceram os atuais países árabes, com uma divisão entre França e Grã-Bretanha, sem nenhuma consideração pela história e pelas realidades étnicas e religiosas. Excepcionalmente, o Egito tinha uma identidade histórica, da qual careciam países como Iraque, Arábia Saudita, Jordânia ou Emirados Árabes Unidos.

O problema curdo, de aproximadamente 30 milhões de pessoas divididas entre quatro países, também foi criado pelas potências europeias.

Em segundo lugar, as potências colonialistas instalaram reis e xeques nos países que criaram. Para dirigir esses países artificiais, era necessária mão de ferro. Assim, desde o começo, houve uma total falta de participação da população, com um sistema político que estava totalmente fora de sincronia com o processo democrático que acontecia na Europa.

Com a benção europeia, os países do Oriente Médio ficaram congelados na época feudal.

Quanto ao terceiro motivo, as potências europeias não fizeram nenhum investimento no desenvolvimento industrial ou em um verdadeiro desenvolvimento. A exploração do petróleo estava em mãos de empresas estrangeiras, e só depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e o subsequente processo de descolonização, começou um processo de participação local na exploração do petróleo.

A quarta razão aproxima-se mais dos nossos dias. Nos Estados que não ofereciam educação e saúde aos seus cidadãos, a piedade muçulmana assumiu a tarefa de proporcionar essas e outras funções sociais. Assim foram criadas as grandes redes de escolas religiosas e hospitais. Quando as eleições finalmente foram autorizadas, essas redes se converteram na base para a atividade política e o voto nos partidos muçulmanos.

Por essa razão, basta citar os exemplos de Egito e Argélia, dois países importantes, onde os partidos islâmicos ganharam as eleições e como, com o consentimento do Ocidente, os golpes militares foram o único recurso para detê-los.

Essa análise sobre tantas décadas em algumas poucas linhas naturalmente deixa de fora muitas outras questões. Mas esse processo histórico abreviado é útil para a compreensão de como a ira e a frustração se propagam agora em todo o mundo muçulmano e como isso leva à atração que os setores pobres sentem pelo grupo extremista Estado Islâmico (EI).

Não se deve esquecer que esses antecedentes históricos, apesar de remotos para os jovens, se mantêm vivos pelo domínio de Israel sobre os palestinos. O apoio cego do Ocidente a Israel, especialmente dos Estados Unidos, é visto pelos árabes como uma humilhação permanente.

O bombardeio de Gaza, em julho e agosto deste ano, que provocou apenas tímidos protestos no ocidente e não ações reais, é para o mundo árabe a prova clara de que a intenção é mantê-los sufocados, favorecendo unicamente alianças com governantes corruptos e não legitimados.

Há não muitas décadas, um sistema escolar modernizado começou a produzir quadros locais, muitos deles de nível universitário. Mas a falta de modernização política, combinada com a falta de desenvolvimento econômico, deu lugar a uma geração de jovens instruídos descontentes, que fizeram ouvir suas vozes durante o que se chamou de Primavera Árabe.

Mas esse foi apenas um estalido, que não levou à criação de uma sociedade civil dinâmica com movimentos de base reais. O único movimento de base significativo continua sendo a rede muçulmana de mesquitas, escolas religiosas e estruturas de assistência.

Além disso, não há partidos políticos modernos nos países árabes. Essa é a diferença com os grandes países muçulmanos da Ásia, como Indonésia e Malásia, com o Paquistão a meio caminho entre os dois.

O desemprego é um grande habitat para a frustração pela falta de perspectivas futuras, sobretudo quando não existe participação e voz no sistema político. Os países ricos, como Arábia Saudita, podem comprar a lealdade das pessoas, oferecendo-lhes um sistema de subsídios generosos, mas outros países não.

O fato de a Primavera Árabe não ter propiciado nenhuma mudança tangível no plano econômico exacerbou a frustração, derivando em raiva ou resignação.

É sumamente instrutivo ler David Kirkpatrick, do The New York Times em Túnis (de onde provém a maioria dos jihadistas), Steven Erlanger, do mesmo jornal em Londres (sobre o fenômeno das mulheres que se unem às fileiras de combatentes do EI ou como esposas dos combatentes), ou Ana Carbajasa, de Melilla (sobre o Islã nesse enclave espanhol no Marrocos e a radicalização das mulheres).

Poucos jornais dão voz aos jovens árabes, apesar da necessidade de entendê-los.

Kirkpatrick, Erlanger e Carbajasa descobriram que para muitos o EI tem a imagem da vingança histórica contra o passado, um lugar livre de corrupção. Trata-se de um farol para os muitos jovens que não têm como estudar ou encontrar um trabalho, e que nada têm a perder.

Os entrevistados disseram que unir-se ao movimento radical – no Oriente Médio, em Paris ou Manchester – é chegar a ser parte de uma elite moral internacional, de um movimento global e magnético. Significa ter um projeto de vida e passar do anonimato frustrante ao reconhecimento glorioso.

O que está criando essa mobilização é que o EI é um Estado, não uma organização secreta com a Al Qaeda. O uso sem precedentes dos meios sociais está atraindo centenas de novos recrutas a cada semana, que sentem que podem escapar de suas frustrações diárias e entrar em um mundo de dignidade e justiça.

Ahmed, um jovem de Túnis partidário do EI, que não quis dar seu sobrenome por medo da polícia, disse ao The New York Times: “O Estado Islâmico é um verdadeiro califado, um sistema justo e equitativo, no qual não se deve seguir as ordens de alguém porque é rico ou poderoso. Trata-se da ação, não da teoria, para derrubar o jogo inteiro”.

Esse sonho de um mundo muçulmano diferente encontra um eco fácil nos guetos da Europa, onde uma grande proporção dos jovens desempregados é árabe.

Entretanto, a polícia francesa estima que já há pelo menos 1.200 de seus cidadãos no EI e a polícia britânica calcula um número semelhante dos seus. Esses números crescerão, enquanto o EI puder demonstrar em sua eficaz campanha nas mídias sociais que se trata de uma realidade.

A isso se une agora o fenômeno dos ocidentais descontentes, que se marginalizaram ao se sentirem rejeitados pela sociedade e que estão se unindo ao Islã e à luta armada, como uma forma de ser parte de uma mudança da maré.

Em seu tempo, os anarquistas europeus estavam convencidos de que, para ter um novo mundo de justiça social e dignidade humana, era necessário destruir o atual.

Se alguns na Europa eram capazes de exaltar a violência como um instrumento necessário, por que o mundo muçulmano não pode ter um sonho semelhante, com muito mais justificativas?

A atração para o islamismo radical está destinada a continuar. Sobretudo se o Estado Islâmico for destruído pelo Ocidente. Envolverde/IPS

* Roberto Savio é fundador da agência IPS e editor da Newsletter Other News.