Na Catalunha, até o Barcelona está em crise

Futbol Club BarcelonaBarcelona, Espanha, setembro/2014 – Avizinham-se tempos duros para o Fútbol Club Barcelona, o Barça, como é conhecido. Os torcedores que o seguiram na última década e admiram seu estilo pessoal e êxitos competitivos, sobretudo quando era comandado pelo técnico Pep Guardiola, poderão sentir saudades na nova temporada, se não forem superadas as dificuldades que se apresentam.

Três desafios enfrenta o novo treinador, Luis Enrique Martínez: o gradual desaparecimento de algumas figuras emblemáticas, a competição de seus adversários mais destacados (Real Madrid e meia dúzia de clubes nas melhores ligas europeias) e o forçado abandono da filosofia de promover valores locais, por meio de sua até agora exemplar experiência da escola de jogadores, a Masía.

Os problemas do Barça já eram percebidos com a saída de Guardiola e depois com a doença e falecimento de seu sucessor e fiel colaborador, Tito Vilanova.

A má temporada 2013-1014 com o argentino Edgardo “Tata” Martino e a ausência de títulos se refletiram também no fracasso da seleção espanhola na Copa do Mundo realizada no Brasil e confirmaram que o êxito da Espanha em duas copas europeias (2008 e 2012) e no Mundial da África do Sul (2010) se deveu em grande parte ao fato de ter adotado o modelo de jogo do Barça e à contribuição de um bom número de jogadores nas escalações ganhadoras da seleção.

Ao falhar a base do Barcelona, houve o desastre da seleção espanhola na Copa do Mundo realizada no Brasil entre 12 de junho e 13 e julho. É preciso recomeçar. Mas o Barça tem seus próprios problemas. Não só terá que enfrentar a competição dentro de campo, mas também deverá resolver conflitos extracampo que impactam negativamente no funcionamento da equipe na temporada que começou no dia 24 de agosto com sua primeira partida na liga espanhola 2014-2015.

Seu anunciado “tridente” atacante esteve inicialmente afetado por problemas judiciais ou disciplinares.

Neymar da Silva Santos Júnior e Leonel Messi estão salpicados por problemas de impostos, enquanto a contratação-estrela desta temporada, o uruguaio Luis Suárez, deverá demonstrar sua valia quando (em 26 de outubro) terminar a punição imposta pela Fifa como castigo pela mordida que deu em um jogador italiano durante o Mundial.

Além disso, há suficientes incógnitas sobre sua disposição física e seu estado de ânimo, em vista de sua ambivalente atividade no Mundial do Brasil, apesar de ter marcado dois gols na vitória de sua equipe na primeira jornada da liga.

Das outras estrelas será preciso esperar para ver se podem seguir o ritmo do passado. Xavi Hernández, que anunciava sua transferência para o Catar ou os Estados Unidos, finalmente decidiu ficar, e também evitar o caminho de Carles Pujol, que já não poderia com as lesões. Andrés Iniesta e Gerard Piqué deverão demonstrar sua liderança diante da pressão dos recém-chegados.

Nessa dimensão pode estar a chave para interpretar até que ponto as mudanças são transitórias ou estruturais, não somente no modelo de jogo, mas também quanto à identidade. Será o novo Barça mais ou menos catalão, europeu ou universal?

Dias antes de começar a liga, chegou a negativa da Fifa para o recurso do Barça diante da punição proibindo contratar jogadores durante todo o ano de 2015.

O motivo é a violação do regulamento por contratar menores procedentes de países não europeus, com destino aos programas da Masía. Os casos denunciados não encaixavam com as exceções contempladas, como o detalhe de os pais dos potenciais futuros astros se mudarem para viver em Barcelona por motivos alheios ao futebol.

É preciso recordar que Messi chegou a viver em Barcelona aos 11 anos, por um acordo pelo qual seus pais aceitaram compensações do Barça, incluindo um tratamento de crescimento que a família não podia assumir em sua cidade natal de Rosário, na Argentina.

Daí que, diante da perspectiva de não poder incorporar outras figuras até o começo de 2016, o Barcelona se apressou a contratar (por mais de 150 milhões de euros) um punhado de figuras do exterior. Alemanha, Croácia, Uruguai, França, Bélgica e Chile são suas origens.

Embora algumas promessas locais tenham sido levadas ao time principal, o Barça será mais internacional do que catalão ou espanhol. O resultado se verá em poucos meses, sobretudo quando a equipe tiver de competir na máxima liga europeia.

Estar como segundo na liga espanhola e ficar eliminado antes das semifinais na Champions, ou Liga dos Campeões, será o sinal de alarme. Foi isso que justamente aconteceu na temporada passada.

Toda essa situação do Barça se insere em um panorama político complicado na própria Catalunha, da qual é um de seus emblemas, agora duplamente presidido pela polêmica reclamação de independência e a queda do ex-presidente catalão Jordi Pujol, implicado em fraude e corrupção.

A Generalitat (governo) da Catalunha avança em sua projetada consulta sobre a independência dessa autonomia histórica da Espanha, marcada para 9 de novembro, embora o governo central em Madri destaque que essa iniciativa não tem acolhida na Constituição.

No entanto, as pesquisas de inclinações políticas mostram que uma maioria (38%) dos espanhóis é favorável ao Real Madrid enquanto 25% se inclinam pelo Barcelona.

Mas, quando os cálculos são refinados segundo as tendências políticas, o Barça é preferido por 37% da esquerda e 28% da centro-esquerda. Já o Real Madri tem apoio de apenas 17% da esquerda e mais de 34%, se o leque for ampliado à centro-esquerda.

Porém, o Real Madrid se recupera na direita com apoio de 51% da direita e 54% da centro-direita, enquanto o Barcelona deve se contentar com apenas 17% da direita e 19% da centro-direita.

Será interessante observar se essas estatísticas variarão dependendo das vicissitudes do país nos próximos anos. Envolverde/IPS

* Joaquín Roy é catedrático Jean Monnet e diretor do Centro da União Europeia da Universidade de Miami. [email protected]