Um ou muitos méxicos?

Joaquín Roy. Foto: Cortesia do autor
Joaquín Roy. Foto: Cortesia do autor

San Miguel de Allende, México, novembro/2014 – O México pode encantar, irritar, ferir, apaixonar, confundir, tanto o viajante esporádico quanto o investigador consciente. Mas nunca deixará alguém indiferente. O México marca como uma pegada indelével.

Para tentar entendê-lo, no entanto, cabalmente é preciso assumir que não existe só um México, mas muitos. É o que, em parte, tornou famoso um livro de Lesley Byrd Simpson, best seller dos anos 1960, leitura obrigatória de viajantes e universitários.

Um México parece estar protegido por uma bolha de isolamento no tempo. Outro se abre cruelmente a quase todos os males e todas as tragédias do tempo presente.

Um vive no passado e outro não sabe bem se se integra no futuro. Um resume paz e alegria. Outro se mata sistematicamente. Um é generoso e outro rouba com prazer e corrupção.

Todas as versões do México se exteriorizam com a tragédia do desaparecimento e mais que provável assassinato de 43 jovens estudantes de magistério rural no Estado de Guerrero.

Por uma combinação diabólica de fome e pobreza com a corrupção governamental e privada, entrelaçadas com o narcotráfico, a profissão de docente que poderia ser uma modesta correção da endêmica desigualdade mexicana (e do resto do subcontinente latino-americano, líder nessa chaga) se converteu em vítima.

Ignorado em outras ocasiões, advertido até à saciedade, o crime de detenção ilegal, sequestro e extorsão explodiu nas mãos dos três níveis de governos (municipal, estatal e federal) que pretendiam que o México idílico fosse capaz de novamente esconder a realidade dos restos da “ditadura perfeita”, feliz expressão de Mario Vargas Llosa, agora tema de um filme de sucesso de bilheteria.

Restos da miragem do “fim da história” oferecido por Francis Fukuyama, o México atual é a teimosia à vista da resistência do México aparentemente eterno que se nega a se desvanecer.

O serviço que o populista, e de novo governante, Partido Revolucionário Institucional (PRI) rendeu aos Estados Unidos, ao manter a ordem interna em um país ameaçado de se converter em uma segunda Cuba de mais de cem milhões de habitantes, reclama subsistir à passagem de dois governos de seis anos cada do conservador Partido de Ação Nacional (PAN).

As reformas econômicas que o atual presidente Enrique Peña Nieto, de aparência moderna com arroubos “kennedianos”, havia implantado parecem castelos no ar. Um novo aeroporto para a capital, uma rede de ferrovias de alta velocidade e uma oferta espetacular de exploração privada de fontes de energia deveriam operar o milagre de lançar o México a uma definitiva modernidade e progresso.

O México bronco recordou ao seu presidente que nem tudo é tão fácil. A insistência na vigência de todo os mitos nacionais não parece ser suficiente para apagar as carências graves de um dos poucos países da terra com personalidade e solidez históricas.

O México, com cerca de 120 milhões de habitantes, compete com o Brasil na liderança latino-americana e com um punhado de Estados espalhados pelo globo em presença internacional. Gaba-se de uma notável atividade bancária, ímã de investimentos e desenvolvimento de parques tecnológicos.

Suas ruas e autoestradas inundadas pelo tráfego surpreendem pela quantidade de automóveis de modelos superiores. Mas a maioria de seus cidadãos se vê obrigada a se mover a pé ou em lotados ônibus para ir trabalhar, investindo uma parte escandalosa de sua vida diária nesse transtorno e recebendo salários insultantes.

Apesar de tudo, os cidadãos do México parecem ter mais otimismo do que muitos outros habitantes de países no resto do mundo e respondem com sinais de lealdade em datas históricas, sob bandeiras enormes e inclusive colocadas acima da cruz cristã que coroa as igrejas.

Insiste-se que o México é eterno. Recorda-se que os olmecas, astecas e maias são parte consubstancial da nação. Cobre-se de maneira pudica o período da administração colonial e o império, mas se reconhece generosamente com seriedade a contribuição espanhola após a incorporação de seu exílio por obra do presidente Lázaro Cárdenas (1934-1940).

O México é uma nação da variante cívica, seguindo o modelo de inclusão e a decisão individual, não baseada na etnia, no sangue, na religião. O México é o futuro, sem renunciar ao legado do passado.

Mas a lealdade sem fissuras se recompensa com um pagamento inaceitável. Recentemente o governo mexicano fixou o salário mínimo em aproximadamente US$ 5 por dia. Do doutro lado da fronteira, o presidente norte-americano, Barack Obama, anunciou salário mínimo de US$ 14 por hora.

Ninguém deve estranhar que os mexicanos votem com os pés e se refugiem no ímã dos Estados Unidos. Com mais de 40 milhões de mexicanos residindo ao norte do rio Bravo ou rio Grande, a nação cívica é uma ilusão.

Se essa nação depende do trabalho de alguns professores rurais, de base indígena, com salários de apenas subsistência, discriminados, desaparecidos, assassinados, a tarefa de Peña Nieto e do novo PRI é utópica. Muitos méxicos continuarão coexistindo. Até quando?

* Joaquín Roy é catedrático Jean Monnet e diretor do Centro da União Europeia da Universidade de Miami. [email protected]